Raquel Teles Yehezkel
RESUMO
HISTÓRIA LITERÁRIA E JULGAMENTO DE
VALOR, E VALORES MODERNOS: EM ALTAS
LITERATURAS, DE LEYLA PERRONE-MOISÉS
Trabalho requisitado pela disciplina
Ensino de Poesia Brasileira,
ministrada pelo prof. Marcos Rogério.
Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte 7 de março de 2008
HISTÓRIA LITERÁRIA E JULGAMENTO DE
VALOR, E VALORES MODERNOS: EM ALTAS
LITERATURAS, DE LEYLA PERRONE-MOISÉS
Raquel Teles Yehezkel
Introdução
No livro Altas Literaturas, Leyla Perrone-Moisés discute a
questão das obras e autores canônicos e os julgamentos de valores que permeiam as
listagens canônicas, defendendo a posição de que ao escolher falar de certos
escritores do passado e não de outros, os escritores-críticos efetuam um
julgamento de valor. Assim fazendo, estabelecem sua própria tradição “e de
certa maneira reescreve a história literária” (p.11). Os valores que eles
atribuem aos autores do passado não são valores a priori, mas valores capazes de garantir o prosseguimento de seu próprio
trabalho e da escrita literária geral (p.12). Ao escolher sua própria tradição,
esses escritores propõem novos cânones e, dialogando com autores do passado ou
do presente, praticam formas particulares de intertextualidade (p.14). “Na
pós-modernidade, a recusa da unidade, da homogeneidade, da totalidade, da
continuidade histórica, das metanarrativas, impede, em princípio, o julgamento
estético, e torna a teoria e a crítica improcedentes” (p.16), entretanto, o
julgamento continua a existir e a servir
de base ao estabelecimento de novos cânones.
Resumo
Leyla Perrone-Moisés cita a posição de Wellek, que propõe recebermos
“com apreço a ênfase dada a aspectos até agora inexplorados da história
literária, mas, na prática, a ‘estética da recepção’ não pode ser outra coisa
senão a história das interpretações críticas efetuadas por autores e leitores,
uma história do gosto que sempre esteve incluída na história da crítica”
(p.20).
A autora crê que apesar das tentativas de atualização da história
literária, esta continua se debatendo com alguns de seus antigos problemas,
como “limites de seu campo, visada nacional ou internacional, relato diacrônico
ou sincrônico, papel do autor e do leitor, e com um novo problema: a desconfiança
dos ‘grandes relatos” (p.20). Se a história literária, desde seus primórdios,
acompanhou os princípios da história geral, como a busca da objetividade, a
noção de progresso e estas mostravam-se inadequadas para os fatos estéticos, a
questão fundamental, levantada por Wellek e apoiada pela autora, é a de
“julgamento de valor implícito em todo discurso histórico, e ainda mais quando
se trata de história da arte” (p. 21). Sendo, então, o julgamento de valor
contingente e relativo, “os historiadores da literatura julgam sem explicitar
critérios, como se reportassem a um consenso acerca de obras maiores e menores”
(p.21).
Perrone-Moisés então questiona para que serviria a história da
literatura, e para que serviria a literatura. Se fosse sua alta utilidade de “esclarecer,
alargar e valorizar nossa experiência do mundo”, admite-se que a história do
conjunto de suas realizações maximize o proveito que podemos tirar do contato
com cada realização particular. Se fosse a fruição da literatura no seu mais
alto conhecimento e valorização da experiência humana, é-se levado a defender
um certo tipo de história literária que otimiza a fruição de obras (p. 21). Nietzshe
respondeu à questão “para que serve a história”, e num correlato das respostas
dele às respostas “para que serve a história da literatura” Perrone-Moisés
sugere que a ‘história monumental’ corresponderia a uma história literária
fortemente valorativa, em que figuram apenas as grandes obras, e o que é grande
ou pequeno dependerá sempre do sistema de valores do crítico; a ‘história
antiquária’ corresponderia a um levantamento minucioso e erudito em que se
recolhe tudo o que se produziu na literatura de um país ou de uma época e o
inconveniente seria considerar tudo igualmente interessante só pelo fato de ter
existido, e por ser massante teria pouco poder estimulante para a produção e
para a fruição da literatura no presente; a ‘história crítica’ corresponderia a
um julgamento severo e condenatório do passado, provocando o seu esquecimento,
o que poderia ser um estimulante para a vida presente, mas teria o
inconveniente de efetuar um recalque do passado e uma conseqüente negação das
origens (p.23).
Nesse ponto, a autora adverte que convém não esquecer que as grandes
obras ocorrem “tendo como chão e húmus uma cadeia ininterrupta de obras menores”
(p. 24), e que os produtores da literatura presente são tão devedores das
grandes obras do passado quanto dos milhares de obras menores que prepararam
terreno para as maiores. Em balanço final, Perrone-Moisés retoma Nietzsche
dizendo que “o conhecimento do passado, em todos os tempos, só é desejável
quando está a serviço do presente, quando ele desenraiza os germes fecundos do
futuro” (p.24), sugerindo uma posição ‘sincrônica’, no sentido de que o passado
só lhe interessa do ponto de vista do presente, de onde o ‘futuro germina’.
A leitura valorativa do passado literário dos escritores críticos
modernos afeta significantemente a historiografia literária, já que quando o
escritor escolhe entre os nomes e obras do passado “é ao mesmo tempo o
historiador e o agente de sua própria linguagem” (Paul de Mand apud
Perrone-Moisés: p.26). Ao escrever sua obra, o novo autor prossegue uma
história de que deve estar consciente; e, ao mesmo tempo, ele a transforma, e
até certo ponto a nega, pelo novo rumo que lhe imprime. Selecionando e
comentando certos autores do passado, visam estabelecer sua própria tradição e
assim procedem a uma releitura e a uma reescritura da história literária,
respondendo a uma necessidade de situar, orientar e valorizar sua própria ação
no presente (p.26).
A história literária se firmou sob a égide da história geral, ou
seja, uma sucessão de acontecimentos lineares no tempo, responsável por uma
concepção causalista e finalista da história, decorrendo daí a concepção da
tradição como fonte de ensinamentos e, consequentemente, de dívida dos novos
para os antigos (p.27). Dessa forma a história literária tem sido apresentada
numa listagem de nomes alinhados em seqüência cronológica como se fosse essa a
única disposição lógica.
Desde o início do século passado essa concepção cronológica foi
perdendo espaço para uma percepção do tempo mais fragmentada, correspondente à
fragmentação da experiência em geral. Na esteira da mudança na concepção do
tempo, desde o romantismo, a relação do escritor com seus precedentes também
vem mudando, deixando de ser a ‘tradição’ uma garantia moral e estética, mas o
novo, o original e único tornaram-se valores, sendo o ‘o novo’ o modelo para
medir o antigo, o presente decidindo o passado (p.29-30).
A partir dessa mudança, Perrone-Moisés passa a discute a opinião de
diversos autores-críticos, desde o romantismo até a atualidade, sobre a questão
da sincronia ou diacronia da história literária. Citando Eliot como ‘uma
radicalização das propostas românticas’ em que a tradição deixa de ser um dom
ou um fardo para ser recriada, conquistada: “o passado deveria ser alterado
pelo presente tanto quanto o presente é dirigido pelo passado” (p.31). Pound
considera o conhecimento do passado indispensável para que saibamos “o nosso
próprio endereço” no tempo (p.31), considerando que todas as sociedades,
antigas e medievais, são contemporâneas, em tempo e espaço, coexistindo no que
chamamos de moderno; para ele o escritor dever atingir “um padrão universal que
não dá atenção nem ao tempo nem ao país” (p.32). Para Borges, cada escritor
cria seus precursores e o trabalho deles “modifica nossa concepção do passado,
com há de modificar o futuro” (p.33). Para Octávio Paz a “imaginação poética
muda com a imagem do mundo, particular a cada época, mas a poesia permanece a
mesma, em todos os tempos e lugares”, tendo portanto uma visão da história
literária ao mesmo tempo sincrônica e relacional (p.34). Michel Butar sugere
que “para movimentar-se nessa floresta de livros, o novo escritor precisa
procurar brechas, ultrapassar a velha ordem literária, inventar percursos
novos, proceder a uma reorganização do conjunto”, sem organização não há
sentido (p.35). Harold de Campos fundamenta sua defesa pela ‘história
sincrônica’ pela busca de uma dinamização da produção poética presente, que
“permite o desenho de novas tábuas inteligíveis de funções-relações”. Oswald de
Andrade, servindo-se da poesia de Gregório de Mattos optou por um enfoque não
linear da evolução, defendendo a idéia da “Antropofagia” cultural. Por fim Perrone-Moisés
conclui que a história literária não é concebível em termos de uma linha
traçada e conhecida, “porque a literatura (recepção e produção) é sempre função
da leitura, isto é, presentificação valorativa do passado” (p.39).
Sobre a questão de que se há progresso e permanência na literatura,
é categórica em afirmar que “não há progresso na arte, não há progresso na
literatura”, quando se propõe uma história sincrônica da literatura. Citando
Octávio Paz que diz que “em perpétua mutação a poesia não avança” e que “cada
poema é um objeto único, criado por uma ‘técnica’ que morre no exato momento de
sua criação” (p.48), conclui que “o que evolui, sem no entanto progredir, é a
técnica: meio histórico de captar a intemporal poesia”. Butor concebe a
literatura como “obra coletiva”, defendendo um certo progresso da arte e do
mundo (p.43-44). Ítalo acha que um clássico é sempre novo, inesperado, inédito,
indo de encontro à concepção da ‘grande poesia’ “de qualidade universal e
intemporal” (p.44). Harold defende defende uma idéia de progresso não no
sentido de hierarquia de valor: “há uma transformação qualitativa de culturas.
Nesse sentido a arte evolui” (p.45). Por fim, Perrone-Moisés questiona se a
tentação de afirmar a intemporalidade da poesia, dificilmente conciliável com a
concepção do progresso da história, não seria em todos os escritores críticos
um resíduo de idealismo (p.46).
A autora afirma que a história literária não sabe o que fazer com
espécimes singulares, cuja originalidade constitui um valor estético,
defendendo que por sua própria natureza e projeto, o fenômeno artístico se
produz sempre como singular e como busca de diferença e originalidade
absolutas, então, como ensinar o que só ocorre uma vez, já que ensinar é sempre
repetir, questiona, citando Barthes (p.47). Assim defende que a obra renasce
sempre diversa em cada leitura, não podendo assim mensurar a obra em seu
nascimento ou recepção, pois se uma obra fosse julgada apenas pelo número de
pessoas que alcançou, obras como Grande
Sertão-Veredas ou como a de Mallarmé não mereceriam registro na história
(p.49).
Por fim Perrone-Moisés conclui que os nomes escolhidos pelos
críticos-escritores tendem a assumir naqueles que os designam com maior radicalidade,
um valor sagrado de fetiche (p.53). E que abolir a linearidade, instituindo uma
simultaneidade que traz o passado a um espaço valorativo do presente é uma
atividade perigosa, a qual os escritores-críticos modernos tentam driblar
buscando legitimar suas escolhas com critérios mais abrangentes do que os do
gosto individual (p.53). Portanto, a história proposta pelos
escritores-críticos modernos não é a de um observador neutro, mas a de alguém
engajado “numa ação que faz prosseguir o próprio objeto da narrativa histórica”
(p.59).
Essas mudanças descritas acima, ocorridas no decorrer do séc.xx,
recebeu o nome de pós-modernidade e tem repercussões no cânone literário, e
mobilizou muitos teóricos da literatura. Pôs-se um questionamento sobre a
mortalidade ou imortalidade do que até o fim do século xix era consenso. Sobre
essa questão, sabe-se que muito da sobrevivência de uma obra, que implica na
existência de leitores, depende muito de sua manutenção nos currículos
escolares (p.190). Há na atualidade inúmeras discussões sobre o que é realmente
canônico ou não, envolvendo conceitos de classes e raças, fazendo com que essas
listas se tornassem suspeitas: quem as defendem e por que o fazem. Há posições
divergentes. O autor-crítico Harold Bloon, por exemplo, defende uma posição
mais elitista que crê que o acesso à literatura é para poucos alunos (p.200).
Já a autora acredita que o cânone que sobrevive é o reconhecido como ativo pela
cultura viva, pois um cânone imposto torna-se ‘letra morta’ (p.201).
A autora critica também a globalização da cultura, a cultura de
massa que tornou-se industrial em escala planetária e com tal “fornecedora de
produtos padronizados segundo uma demanda de baixa qualidade estética que ela
ao mesmo tempo cria e satisfaz (p.203).
Conclusão
Como sabemos, objetos literários e artísticos de qualquer ordem,
incluem-se aqui os próprios estudos críticos e as listagem dos cânones, são
formas de representações da subjetividade e da sociedade em contextos
históricos determinados, e, assim sendo, formam um espaço para o
redimensionamento das práticas sociais e políticas, o que exige dos estudos críticos
de hoje sentidos mais abrangentes.
Bibliografia
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo, Companhia das Letras,
2003, p.19-60 e p.174-215.