FALE
/ UFMG / 200801 / POESIA BRASILEIRA: MARCOS ROGÉRIO CORDEIRO
ALUNOS:
Raquel Teles Yehezkel e Rogério Robert Rodrigues
TEMA:
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
FONTE:
NUNES, Benedito. João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Vozes, 1974.
A essência
da poética de João Cabral de Melo Neto mostra a tentativa de desvendar os
elementos concretos da realidade. Sempre guiado pela lógica, pelo raciocínio,
seus poemas evitam análise e exposição do eu e voltam-se para o universo dos
objetos, das paisagens, dos fatos sociais, sem apelar para o sentimentalismo,
adquirindo ora valor simbólico, uma reflexão sobre a
poesia, ora valor de crítica social. Por isso, o prazer estético que sua poesia pode provocar deriva
sobretudo de uma leitura racional, analítica, não do envolvimento emocional com
o texto. Essas características levaram a crítica a ver em
sua obra uma "ruptura com o lirismo" ou a considerar sua expressão
poética como "antilírica".
Características da poética de João Cabral
de Melo Neto:
- Geração de 45: geração pós-II Guerra
(p.31): rejeitam aspectos do Modernismo que consideravam “pseudo-espontaneismo”
(p.30); refinamento formal e aprofundamento interior: compreensão da forma como
revestimento de conteúdos significativos, dicção elevada, contra o verso-livre:
“reacionarismo estético”. (p.28-29)
- João Cabral fez escolha oposta à sua
geração, ligando-se ao Modernismo: dicção corrente e precisa, não abandona de
todo o verso livre, prosificação do verso. (p.30)
- Em oposição à sua geração, busca a
clareza em vez da pureza; a sondagem e o aprofundamento de vivências no lugar
do controle da elaboração poética (p.31)
- A formulação poética só é perfeita qdo
passa pelo crivo da racionalidade. (p.32)
- Ceticismo ostensivo; rompimento com a
poesia de expressão de sent. pessoais. (p.32)
- Análise crítica e reflexiva do
processo criativo. Ruptura com o lirismo. (p.33)
- Aproxima-se do Modernismo pela clareza
da linguagem e o verso livre, do Concretismo pela organização rigorosa, e da
radicação regional. (p.34)
- Parte da poesia latente ao espírito em
estado de sono (pré-consciente / onírica), valorizando a indeterminação, a
inconsistência e a fluidez das coisas (articulando-se em torno de palavras
preferenciais como nuvem, sonho, vulto e fantasma: “semântica do vago” p.39),
para uma poesia completamente consciente (p.36-37), alternando estados
contraditórios: sono/vigília, mundo onírico / mundo perceptivo (p.38)
- Disputa entre os fenômenos
transitórios subjetivos, interiores, inconsistentes (inconsciente) e a máquina
da linguagem: construção consciente: “o poeta deve ganhar essa luta para poder
construir o poema (Valery). (p.42-43) Caos x Delimitação (p.45).
- Verso como organismo que vive dos
germes mortos da experiência subjetiva: lembranças e sentimentos morrem para
renascer na linguagem. (p.43)
- Vontade de petrificar a vida
interior, paralisando os sentimentos e a inquietação (p.46), ideal poético de
contenção e de impessoalidade, de petrificação ou mineralização das palavras e
ideal ético de resistência fria, de dureza obstinada e agressiva, ferindo como
lâmina de faca (comparação à prosa de G.Ramos p.171).
- Versos parentéticos (entre parêntesis)
c/ observações irônicas, pausas reflexivas. (p.37)
- Percepção do sentido oculto das coisas
inertes, do invisível. (p.37)
- Identidade metafórica do sujeito, que
é nuvem, pedra, etc (p.40).
- Mutação figurativa do mesmo objeto a
outro (ex: nuvens para cabelos), ligados entre si por elementos comuns como
brancura, leveza. (p.40)
- Fazer poético como construção,
obedecendo à razão construtiva e geométrica. (p.41)
- Poeta como engenheiro que calcula a
impressão a ser produzida por sua obra. (p.42)
- Função da construção poética: “máquina
de comover (Le Corbusier)”. (p.41)
- Poética negativa: exposta nos
poemas sobre o processo poético (“Psicologia da Composição” p.51) “o poeta
compõe ao se decompor”. Na oscilação do pensamento reflexivo, que interpela,
seleciona, julga e analisa, agindo conscientemente contra-corrente da
experiência psicológica desfaz o que ela faz, despe-a de seus excessos,
provocando o vazio: que a palavra, na construção da linguagem, vem preencher
(p.54): depuração e esvaziamento (operações básicas que constituem um só
princípio de composição p.63).
- Movimento das palavras acarretando o
movimento das coisas e vice-versa (linguagem- objeto p.162)
- Distanciamento entre a disposição
afetiva pessoal e a matéria da linguagem, entre o sujeito que fala e o objeto
de que se fala. (p.63)
Paisagem pelo telefone
Sempre que no telefone
me falavas, eu diria
que falavas de uma sala
toda de luz invadida,
sala que pelas janelas,
duzentas, se oferecia
a alguma manhã de praia,
mais manhã porque marinha,
a alguma manhã de praia
no prumo do meio-dia,
meio-dia mineral
de uma praia nordestina,
Nordeste de Pernambuco,
onde as manhãs são mais limpas,
Pemambuco do Recife,
de Piedade, de Olinda,
sempre povoado de velas,
brancas, ao sol estendidas,
de jangadas, que são velas
mais brancas porque salinas,
que, como muros caiados
possuem luz intestina,
pois não é o sol quem as veste
e tampouco as ilumina,
mais bem, somente as desveste
de toda sombra ou neblina,
deixando que livres brilhem
os cristais que dentro tinham.
Pois, assim, no telefone
tua voz me parecia
como se de tal manhã
estivesses envolvida,
fresca e clara, como se
telefonasses despida,
ou, se vestida, somente
de roupa de banho, mínima,
e que por mínima, pouco
de tua luz própria tira,
e até mais, quando falavas
no telefone, eu diria
que estavas de todo nua,
só de teu banho vestida,
que é quando tu estás mais clara
pois a água nada embacia,
sim, como o sol sobre a cal
seis estrofes mais acima,
a água clara não te acende:
libera a luz que já tinhas.
(Quaderna, 1960. in: Serial e
Antes. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2000)
O POETA
(Pedra do Sono – 1942)
No telefone do
poeta
desceram vozes sem
cabeça
desceu um susto
desceu o medo
da morte de neve.
O telefone com asa
e o poeta
pensando que fosse
o avião
que levaria de sua
noite furiosa
aquelas máquinas
em fuga
Ora, na sala do
poeta o relógio
marcava horas que
ninguém vivera.
O telefone nem
mulher nem sobrado,
ao telefone o
pássaro-trovão.
Nuvens porém
brancas de pássaros
acenderam a noite
do poeta
e nos olhos,
vistos por fora, do poeta
vão nascer duas
flores secas.
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(in: A Educação pela Pedra: 1966)
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