Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG
Professora Lyslei Nascimento
Aluna: Raquel Teles Yehezkel (2006)
Assunto: Resenha crítica
FREELY, John. O messias perdido –
Em busca de Sabbatai Sevi. Rio de Janeiro, Imago, 2002.
O messias
perdido – em busca de Sabbatai Sevi narra a
trajetória de Sabbatai Sevi, judeu de Esmirna, Turquia, que em meados do século
XVII se autoproclamou o Messias e teve sua santidade reconhecida por grande
parte da comunidade judaica de então, inclusive por seu contemporâneo o famoso
profeta Nathan de Gaza, num movimento de massa que abalou o judaísmo da
época. Sabbatai Sevi nasceu em 1626 e recebeu educação para ser rabino, porém seu comportamento
excêntrico e suas ideias pouco ortodoxas o impossibilitaram de servir em uma
das sinagogas de sua cidade. Foi proclamado o Messias em 1665 e preso no ano
seguinte por ordem do Sultão Mehmet IV, quando, para escapar de uma execução,
converteu-se ao islamismo.
O autor do
livro, John Freely, norteamericano e doutor em física pela Universidade de Nova
York, dava aulas em uma universidade de Istambul, quando, lendo um livro sobre
a história do Império Otomano, de Paul Rycaut – secretário do embaixador
britânico e depois cônsul em Esmirna durante o século XVII –, encontrou um
intrigante parágrafo referente ao 18o ano do reinado do Sultão
Mehmet IV, em que mencionava “o estranho rumor
e os distúrbios dos judeus a respeito de Sabbatai Sevi, que eles
consideram o Messias, e que, por terem ocorrido principalmente na Turquia, poderiam
com maior propriedade pertencer à história deste tempo e deste lugar; [...]” (RYCAUT, in: Freely, 2002, p.14).
Instigado pela
curiosidade e amplitude desse movimento messiânico, Freely decidiu pesquisar
sobre a vida de Shabbatai Sevi, trabalho que se iniciou em 1962 e resultou na
publicação do livro citado, em 2001: “A essa altura eu já estava curioso sobre
o próprio Rycaut, e li o que pude encontrar a seu respeito para saber as razões
que o tinham levado a escrever sobre a Turquia e Sabbatai Sevi.” (FREELY, 2002,
p.15).
Para escrever esse livro, Freely viajou a vários
lugares, entrevistou pessoas, visitou bibliotecas e embasou-se principalmente
nas obras de Paul Rycaut e de Gershom Scholem. Apesar de ser o resultado de uma
pesquisa, O Messias Perdido – Em busca de Sabbatai Sevi proporciona uma
leitura além de informativa, prazerosa, que descreve sobre a vida das comunidades
judaicas em tempos remotos de forma detalhada, embasada em fontes
históricas e em depoimentos diversificados de contemporâneos do próprio
Sabbatai Sevi.
É como se durante a leitura viajássemos com os judeus
daquele tempo pelo Império Otomano, pela Europa e pelo Leste europeu. A
narrativa percorre comunidades do sul da Itália, Atenas, Patras,
Berat, Castoria, Salônica –
“Beyazit II,
filho e sucessor de Mehmet II, restabeleceu a comunidade judaica de Salônica e
recebeu sefaraditas no Império Otomano, depois de expulsos da Espanha, em 1492.
Por volta de 1519, o número de domicílios judeus em Salônica chegava a 3.143;
além disto, havia ainda 930 domicílios judeus solteiros. Os judeus totalizavam
quase metade da população da cidade” (p.35). [...] “...os sefaraditas passaram
a predominar, juntamente com os provenientes da Catalunha, de Castela e de
Portugal, e formaram suas próprias congregações, ao lado dos imigrantes que
vinham de outras regiões da Península Ibérica. Cada grupo formou um kahal,
uma comunidade reunida em torno de uma sinagoga. Por volta do século XVII,
havia em Salônica trinta e seis grandes sinagogas, além de alguns outros
pequenos lugares de culto.” (p.37-38)
– Sofia, Edirne,
Istambul, Bursa, Gallipoli, Esmirna, Alepo, Damasco, Safed (atual Tsfat),
Jerusalém, Hebron, Gaza, Cairo, Alexandria, Londres e Amsterdã, sempre seguindo
os passos de Sabbatai Sevi ou os rumores sobre ele.
Para
ilustrar essa viagem por paisagens e costumes da época, Freely cita um trecho
escrito por Evliya Chelebi, navegador do século XVII, que descreve em seu livro
Narrative of Travels o distrito de Hasköy, habitado pelos judeus de
Istambul no tempo de Sabattai:
“Hasköy consiste em três mil casas
com jardins, e em alguns deles cultivam-se limões e laranjas. As casas estão
voltadas para o mar e pertencem aos judeus (...). Hasköy é uma cidade de
judeus, do mesmo modo que Salônica, ou Safed, na Palestina (...). As colinas de
Hasköy são os cemitérios gerais dos judeus. Todos são dispostos horizontalmente
e os túmulos são cobertos com pesadas lápides brancas, de um modo diferente de
tudo o que se vê em outros lugares.” (p. 41)
Sabbatai Sevi
era de família rica para os padrões judaicos da época, era estudioso e tinha
dois irmãos, Elias e José, respeitados negociantes e rabinos em Esmirna.
“Salomão Kohen, rabino sabataísta de
Volhynia, na Polônia (atualmente Volynska, na Ucrânia), menciona Elias Sevi em
uma carta de 1672, em uma biografia de Sabbatai que se perdeu. Ele escreve que
falou com o irmão de Sabbatai, ‘o rabino instruído e muito rico que é alguns
anos mais velho que Nosso Senhor [Sabbatai]’. Ele contou sobre a vida de seu
irmão – cuja majestade proclamou – desde a juventude até os dias de hoje, e eu
anotei tudo o que me disse.” (p.24) [...] “Rycaut faz breve referência ao pai
de Sabbatai, observando que ele era ‘habitante e natural de Esmirna, que
ganhava a vida trabalhando como agente para um mercador inglês...’ Ele
prossegue na observação de Mordecai [pai de Sabbatai] e diz que ‘seu filho
Sabbatai Sevi, se dedicou ao estudo e adquiriu notável domínio dos idiomas
hebraico e árabe, e tornou-se particularmente competente em divindade e
metafísica’ ” (p.25). [...] “Seu primeiro professor foi identificado como Isaac
de Alba... [...] Isaac de Alba participou mais tarde do tribunal de rabinos que
enviou uma carta circular anunciando a excomunhão de todos os sabataístas,
depois da apostasia de Sabbatai.” (p.25) [...] “Sabbatai continuou seus estudos
com o Rabi José de Eskapha, o mais renomado erudito judeu de Esmirna na época;
aos dezoito anos, recebeu o título de hakham, ou rabino. Moisés
Pinheiro, que realizou estudos talmúdicos ao lado de Sabbatai, dizia que não
havia ‘ninguém como ele’ no conhecimento do assunto – um dos muitos testemunhos
contemporâneos do seu brilho.” (p.26) “Conforme Natã relatou mais tarde a
Moisés Pinheiro, ‘ele [Sabbatai] já sabia de cor quase todo o Talmude’, pois,
durante muitos anos, havia se ‘dedicado de maneira diligente à casuística
talmúdica’. ” (p.51)
É muito
interessante observar os costumes das comunidades judaicas, como se reuniam,
como casavam seus membros em diferentes cidades, como se comunicavam,
como julgavam os problemas que surgiam e espalhavam memorandos escritos
entre as comunidades inteirando-se uns sobre os outros. Freely cita Evliya
Chelebi que descreve os desfiles que as associações de diferentes comunidades
faziam em um festival anual em que apresentavam seus comércios e realizações ao
sultão:
“A última associação foi a dos estalajadeiros
judeus, duas centenas de homens e cem lojas que, apesar dos gregos e dos
armênios, estão todos mascarados e vestem os mais preciosos trajes (...) Outros
barbados também se apresentam com indumentária preciosa, enfeitados com jóias,
e levam nas mãos taças de cristal e porcelana, que usam para servir refrescos
gelados, em lugar de vinho, aos espectadores.” (p.42)
Os judeus do
Império Otomano gozavam de liberdade religiosa e de certo prestígio: “Quase
todos os mercadores de Esmirna empregavam agentes judeus, que eram fluentes em
várias línguas da Europa Ocidental, bem como em turco e grego” (p. 25). Eram,
na maioria, judeus sefaraditas (Espanha ou sefaradia em hebraico) e se
comunicavam em ladino, “espanhol medieval que seus antepassados trouxeram com
eles ao serem expulsos da Espanha, em 1492” (p.17).
“A maioria dos Sefarditas expulsos se
estabeleceu no Império Otomano, o que aumentou de modo considerável o tamanho
das comunidades de Istambul e Salônica. A comunidade judaica de Esmirna só veio
a se desenvolver no século XVII, quando a cidade passou a ser o principal porto
otomano.” [...] “A maioria dos judeus que vinham para Esmirna não era
constituída de exilados estrangeiros, e sim dos que eram atraídos de outras
partes do Império Otomano pelas oportunidades comerciais existentes no novo
porto da Turquia.” [...] “...diversas fontes permitem estimar em cerca de 80
mil pessoas a população existente em meados do século XVII. Deste total,
aproximadamente duas mil eram judias...”
Mais
interessante ainda é observar como surgiram supostos messias ao longo da
história judaica – já que cada geração deseja que o Messias surja em seu tempo
– e como esses casos foram tratados. O autor chega, ainda que de forma
superficial, até o episódio do Rabi de Lubavich. Freely descreve as
condições históricas e de espírito que levaram os judeus do século XVII a crer
que Sabbatai Sevi pudesse ser o verdadeiro Messias:
“Os judeus que viviam nos domínios
otomanos não eram molestados, e muitos prosperavam” (p.22). [...] “As coisas
eram muito diferentes na Europa cristã, onde a animosidade contra os judeus
havia chegado ao máximo durante os levantes dos cossacos, em 1648-49, na
Polônia e na Ucrânia, sob a liderança de Bogdan Chmielnicki. As crônicas
judaicas dizem que 100 mil foram trucidados e trezentas comunidades destruídas
durante os massacres de Chmielnicki, acrescentando ainda outro huban, ou
destruição, à lista das tribulações dos judeus (p.23).
“Os massacres
de Chmielnicki tiveram profundo efeito emocional sobre as comunidades judaicas
em toda parte, fazendo surgir o temor de que um cataclisma apocalíptico
estivesse próximo, e, ao mesmo tempo, com a esperança da breve chegada do novo
Messias. A história judaica registra o aparecimento periódico do Messias,
fazendo brotar a esperança entre os judeus dispersos pelo mundo e deixando-os,
depois, desolados em seu desapontamento. Não obstante, eles continuavam a
esperar, animados pelas previsões do movimento místico chamado Cabala, cuja
obra-prima, o Zohar, profetiza que um dia o Messias apareceria e
conduziria os judeus de volta do seu Galut, ou Diáspora, para a redenção
na terra de Israel.” (p.23)
A
narrativa torna evidente o paralelo que se pode fazer entre os adventos
messiânicos de Sabbatai Sevi e o de Jesus de Nazaré. Como os sinais do Messias
e de sua vinda estão escritos no Tanach, ou Bíblia judaica, e em
livros cabalísticos como o Zohar, as pessoas, à sua época, seguem
o suposto Messias sempre em busca dos sinais que possam denunciá-lo. Como,
por exemplo, o episódio da entrada triunfal do Messias em Jerusalém (Domingo de
Ramos, em Jesus).
Dessa forma, o próprio Sabbatai peregrina na
esperança de possíveis sinais que viriam confirmar sua consagração. Sabbatai,
como Jesus, foi perseguido e expulso de alguns lugares pelo conselho rabínico
de sua época, inclusive de Jerusalém. Freely cita as memórias de La Croix,
secretário do embaixador francês em Istambul: “os rabinos de Istambul não
agiram como os de Salônica, que o haviam expulsado, mas designaram um
funcionário do tribunal rabínico para lhe aplicar quarenta chibatadas e
proibiram a todos os judeus sua companhia, sob pena de multa” (p.42), e
transcreve o episódio da expulsão de Sabbatai de Salônica:
“Sabbatai convidou para um banquete os rabinos mais
importantes, e nessa ocasião realizou seu casamento com a Tora. Eles ficaram
tão chocados que o baniram de Salônica. ‘Em vem de atribuir tal ato à grande
santidade de Sabbatai, eles o acusaram de loucura. E como receavam que esta e
outras inovações pudessem ter conseqüências perigosas, o forçaram a deixar a
cidade’. ” (La CROIX, in Freely: p.39)
Os
discípulos que seguiam Sabbatai tentavam entender e explicar os eventos que
ocorriam sempre à luz dos estudos cabalísticos. Para eles, Sabbatai seria
primeiro proclamado rei do Império Turco para depois ser proclamado rei de toda
a Terra, pois segundo o Zohar:
“Ele lhes abrirá uma pequena e
insuficiente janela de luz, e então Ele abrirá outra janela maior, até que lhes
abra portais nas alturas, para os quatro cantos do universo. Assim será (...),
e não de uma só vez, da mesma forma que a cura não chega ao doente de uma vez,
porém gradativamente, até que ele se fortaleça.” (Zohar, in: Freely, p.23)
Em
1665 foi proclamado o Messias por Natã de Gaza, que entrou em transe em uma
sinagoga de Gaza e recebeu a seguinte mensagem:
“Ouve, Natã,
meu amado, para fazer segundo sua palavra. Ouve, Sabbatai Sevi, meu amado. Pois
se soubésseis o louvor do Rabi Hamnuna, o Antigo [um dos heróis místicos do Zohar]:
‘(...) e era o varão Moisés mui manso [Números 12:3, possivelmente referindo-se
à relutância de Sabbatai em se declarar o Messias].” (p.60),
“...no
terceiro dia após a declaração do profeta, a iluminação e o Espírito Santo
retornaram a Nosso Senhor [Sabbatai] com poder redobrado, e seu espírito
reviveu...” (p.60) “e alguns dias mais tarde, enquanto orava em Gaza, ao lado
de Natã e de outros rabinos, Sabbatai proclamou ser o Messias, ‘o ungido do
Deus de Jacó’.” (p.60)
“Salomão Laniado conta que [...]
Este escolheu doze rabinos dentre os presentes para representar as Doze Tribos
de Israel. Cartas vindas do Egito dizem que os rabinos de Gaza e de Jerusalém
rendiam honras reais a Sabbatai, e ele ‘saiu pela cidade de Gaza como um rei,
montado em um cavalo e precedido por um homem, porém ninguém sabia qual sua
intenção.” (p.60-61)
Após
sua unção, Sabbatai partiu de Gaza para tentar uma entrada triunfal em
Jerusalém, em junho de 1665, causando muitos tumultos que culminaram com sua
excomunhão e expulsão da cidade: “Diz-se
que Sabbatai cavalgou sete vezes ao redor da cidade ‘em seu cavalo, vestido com
um manto verde, de acordo com suas intenções cabalísticas’.” (p. 65). Após ser
expulso, partiu de volta a Esmirna, passando antes por Safed (Tsfat) e Alepo
(“Laniado informa sobre a boa acolhida que aguardava Sabbatai em sua Esmirna,
observando que no caminho ‘ele chegou aqui, em Alepo, e a terra resplandeceu
com a sua glória’.” p.67), criando sempre tumultos e histeria por onde passava.
Pela
amplitude e confusão que o movimento tomou a partir de então, fincando raízes
por todo o Império Otomano e também fora dele, Sabbatai foi preso em Istambul,
em 1666 por ordem do imperador turco Mehmet IV.
“Uma carta
recebida em Amsterdã no princípio de 1666, pelo professor Jacó Taussig,
assinala que ‘Nossos irmãos de Safed escreveram (...) que devemos nos preparar
para oferecer sacrifícios [no Templo reconstruído] ainda este ano’.” (p.97)
O entusiasmo entre os adeptos de
Istambul, na véspera da chegada de Sabbatai, é descrito na obra intitulada Relation
de la veritable Impsoture du faux Messie dês Juisfs, nommé Sabbatai Sevi,
escrita em 1667 por um clérigo católico que pode ter sido Jacó Becherand. O
autor dessa obra relata que os adeptos, esperançosos de que o Messias
derrubasse o sultão, aguardavam a chegada de Sabbatai com ‘tais demonstrações
de júbilo que era preciso ver para crer...’” (p.60)
Parece
que para evitar o ocorrido a Jesus de Nazaré – o livro não menciona esta
hipótese –, o Conselho Imperial é aconselhado pelos líderes religiosos
mulçumanos a não matar Sabbatai, “para que eles [fiéis] não criem uma nova
religião” (p.124). O tribunal, então, dá a Sabbatai a opção de escolher entre a
conversão e a morte. Para escapar da morte, Sabbatai converte-se ao islamismo.
A partir de então seus seguidores se dividem. Alguns,
decepcionados, passam a renegá-lo, enquanto outros acham que os desígnios
de Deus nem sempre são compreensíveis à maioria dos mortais e que
certamente essa conversão fazia parte do plano de Deus para que a redenção
alcançasse toda a humanidade. Inclusive o próprio Sabbatai e Natã de Gaza,
que foi visitá-lo na prisão para entender sua atitude de conversão,
acreditavam nessa hipótese.
Como
recompensa por sua conversão ao islamismo, Sabbatai recebe um cargo simbólico
na corte otomana, em Edirne, Albânia, remota região do Império. Sabbatai
continuou seguindo as práticas judaicas, acrescidas às práticas islâmicas, ou
vice-versa. Seus seguidores ficaram conhecidos pelos turcos por Dönme,
fundando uma seita de mesmo nome, que subsistiu até o princípio do século
XX: “Os turcos os conheciam pelo nome de ‘Dönme’, um termo de zombaria, que
significava ‘Apóstata’, ou ‘Vira-casaca’ (p.19). Mesmo após a morte de
Sabbatai, exilado na região de Edirne, muitos judeus de sua época continuaram a
crer que ele era o Messias e que não havia morrido, mas subido aos céus para
retornar no momento em que todos estivessem melhor preparados.
Freely
discorre sobre a dificuldade de encontrar pistas in loccum sobre a vida
do suposto Messias e sobre a resistência de se falar sobre ele, já que, durante
a pesquisa, descobriu que para os judeus da atualidade Shabbatai
Sevi não foi mais que um apóstata e um divisor da comunidade de seu
tempo. Freely conta que ao visitar uma sinagoga em Esmirna, em 1962 quando
iniciou sua pesquisa, foi apresentado ao rabino do templo que, quando
interpelado sobre Sabbatai Sevi,
“...interrompeu a conversação,
inclinou-se outra vez diante de nós, como a indicar que devíamos sair, pois ele
tinha de fechar a sinagoga. Depois de partirmos, Jacó se desculpou e explicou
que o rabino tinha se zangado por que ele trouxera até a sinagoga estrangeiros que
estavam interessados em Sabbatai Sevi, a quem ele e outros do bairro judeu
desprezavam, por ter desgraçado sua comunidade” (p.19).
A
vida de Sabbatai Sevi alternava entre períodos de
"iluminação", em que ele aparecia em público reluzindo, e
períodos de "escuridão", em que se escondia em busca de paz e de
meditação. Enquanto grande parte da população de sua época o via como o
“Salvador”, apesar de às vezes exêntrico, Freelly chama a atenção para o fato
de que Sabbatai poderia sofrer do que hoje chamamos de distúrbio de humor ou
bipolaridade.
“Seus seguidores descrevem a
angústia dessas crises em termos cabalísticos, ao escrever sobre as ocasiões em
que Deus ‘ocultava Sua face’ de Sabbatai, que se alternavam com períodos de
“iluminação”. Escrevendo em 1665, Nata de Gaza fala das “severas aflições,
maiores do que se possa imaginar, que o Rabi Sabbatai Sevi sofreu pela nação
judaica’.” (p.34) [...] ...Israel Hazzan, de Kastoria, no Norte da Grécia,
escreve que, nessas ocasiões, a face de Sabbatai era ‘como o rosto de Moisés,
que se assemelhava à face do sol’. Abraão Yakhini escreve em termos
cabalísticos sobre os estados alternados de iluminação e escuridão
experimentados por Sabbatai, como sendo o que se esperava do Messias. ‘Quando o
rei messiânico vier, ele não revelará a si mesmo pela redenção completa, porém
aparecerá primeiro em todos os tipos de dor e sofrimento, assim como nossos
próprios olhos viram com Nosso Senhor [Sabbatai], em quem às vezes há luz,
outras vezes escuridão.” (p.34-35)
Abrão Kokesh, sabataísta de Vilna,
contou a Leyb ben Ozer que ‘quando Sabbatai entoava os Salmos (...) era
impossível fitar sua face, pois era como olhar o fogo. (...) Leyb ben Ozer
tinha ouvido de outra pessoa que esteve com Sabbatai que ‘seu semblante era
belo, e não havia ninguém como ele’.”
(p.38)
À luz deste estudo sobre a vida de Sabbatai Sevi parece possível afirmar que as condições históricas e sociais em determinado tempo criam um campo propício para a propagação e divulgação de ideias messiânicas e de salvadores da pátria, e que nenhuma sociedade está isenta dos riscos de vivenciar experiência análoga.
Para quem se interessar pelo assunto, vale a pena ler o conto do escritor Moacyr Scliar, "Balada do falso messias", que se passa em uma colônia agrícola judaica no Rio Grande do Sul.
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