Raquel Teles Yehezkel
Rogéria Rodrigues Ferreira
ADJETIVOS
AVALIAÇÃO (3)
Trabalho requisitado pela disciplina
Tópicos de Semântica,
prof. Luis Francisco Dias.
Belo Horizonte, Junho de 2007
Faculdade de Letras / UFMG
Escreva um
texto avaliando as possibilidades de se analisar os termos grifados como adjetivo,
do ponto de vista da semântica da enunciação.
O adjetivo apresenta peculiaridades importantes na análise
semântica por causa de suas possíveis significações, já que grande número deles
constitui lugar de inscrição da subjetividade, além de que a propriedade de
antepor ou pospor ao nome abre possibilidades de sentidos.
Analisaremos os empregos dos adjetivos com base nas
aulas do professor e nos conceitos de “classificação” e “não-classificação”
expostos por Maingueneau (1996:133-153) em “Elementos de lingüística para o
texto literário”. Grosso modo, os adjetivos são divididos, tradicionalmente, em “objetivos”, quando são classificatórios
(correspondendo aos categoremáticos), e “subjetivos”, quando são
não-classificatórios (afetivos e avaliativos; correspondendo aos
sincategoremáticos). Os “objetivos” – como casado, loiro, vermelho, retangular
– seriam aqueles que atribuem ao nome uma propriedade definível,
classificatória, ou seja, independente de qualquer enunciação particular. Os
“subjetivos” – como terrível, bom, belo, elegante, grosso – seriam os
não-classificatórios, aqueles que variam em função do objeto a que se aplicam,
do sistema de avaliação do enunciador e/ou da sociedade na qual se insere e da
situação de enunciação.
(1) Essa é uma atitude diferente.
A possibilidade de
antepor ou de pospor o adjetivo sem modificar a interpretação é característica
essencial de empregos de adjetivos não-classificadores. Assim sendo, não se
percebe diferença entre “atitude diferente” e “diferente atitude”, senão uma
diferença de ordem enfática, o que nos permite dizer que “diferente” é um
adjetivo não-classificador.
Em Essa é uma atitude diferente, o emprego do
adjetivo não-classificador “diferente” anuncia simultaneamente:
a)
uma
propriedade do nome (atitude), ou, conforme Dias, uma perspectiva do tema
(atitude);
b)
uma
avaliação do enunciador frente ao tema.
Percebe-se que “diferente” possui um caráter valorativo.
Deve-se frisar que esse julgamento de valor, mesmo que pessoal (do enunciador),
se apóia em códigos culturais (na historicidade) e que conforme o contexto da
ação enunciativa o mesmo adjetivo parecerá mais ou menos subjetivo, dependendo
do entendimento entre os interlocutores (uma atitude é “diferente” em relação a
outras atitudes listadas na vivência dos interlocutores). Por isso mesmo ele só
pode ser interpretado no interior da enunciação particular no qual figura
(2) O único cinema desta cidade fechou na semana passada.
Em primeira análise, o adjetivo “único” pode estar
expressando surpresa, indignação e descontentamento do enunciador diante do
fechamento do exclusivo/único cinema da cidade. Mas para “único” ter sentido
estritamente classificador, de ser “um”, deveria estar posposto em forma de
aposto: o cinema, único desta cidade, fechou na semana passada
adicionando, assim, uma informação nova ao tema. Em segunda análise, podemos
também interpretar como sendo o “único” cinema de qualidade na cidade, aquele,
dentre outros existentes, que passa filmes de qualidade ou que tem uma
estrutura física adequada conforme a avaliação do enunciador. Nesse caso, o
adjetivo “único” delimita um referente tendo em vista outros referentes na
memória do enunciador.
Assim, ao enunciar “o único cinema desta cidade fechou”,
o enunciador não fornece ao tema apenas a perspectiva de ser “um só”,
classificador, mas também a perspectiva avaliativa, elogiosa, de ser “único”
sob o ponto de vista da subjetividade, de ser para ele o “único” da cidade que
vale a pena, neste caso o adjetivo seria não-classificador, sendo a avaliação,
“único”, da responsabilidade do enunciador, o que não implica que outros adotem
esse mesmo julgamento de valor.
(3) Apenas João assistiu ao jogo.
O advérbio, segundo a definição das gramáticas
tradicionais, deveria modificar um verbo, um adjetivo ou outro advérbio, mas,
neste caso, está identificando e especificando, de forma classificatória, um
substantivo: João, o sujeito que assistiu ao jogo, assumindo, assim, o valor de
adjetivo.
Topicalizado, em posição anteposta
ao tema, o advérbio “apenas” assume o espaço / o lugar do adjetivo, focalizando
o tema (João) para expressar a indignação, a surpresa ou simplesmente a
constatação do enunciador diante da audiência do jogo. Enquanto que se
estivesse posposto ao tema, João apenas
assistiu ao jogo, mudaria o significado da frase e retomaria a função de
advérbio, modificando o verbo.
(4) Pedro é muito mais médico que o seu irmão.
O termo “médico”,
em princípio substantivo, assume o comportamento de adjetivo evidenciado, já
que ele vem intensificado por muito e
mais, operação não incidente sobre
substantivo.
Sendo assim, o substantivo “médico” está ocupando o
lugar de adjetivo e três perspectivas podem ser inferidas nas seguintes
paráfrases:
(4a) Pedro é muito mais competente/profissional que o seu irmão.
Neste caso ambos são médicos.
(4b) Pedro acerta mais os palpites de diagnósticos que o seu
irmão.
Nenhum deles é médico, mas vivem “diagnosticando” as
doenças das pessoas.
(4c) Pedro é muito mais meticuloso/minucioso que seu irmão.
Também neste caso nenhum dos dois é médico, mas
considera-se ser “meticuloso/minucioso” uma característica de médicos.
Ser “mais médico”
/ “mais competente” enuncia simultaneamente:
a)
uma
propriedade do ser
b)
uma reação
emocional do enunciador frente a esse ser
Nos três casos atribui-se a Pedro um predicado de
caráter valorativo que se destaca de imediato como uma reação emocional do
enunciador e não como atribuição de uma propriedade definível univocamente. Não
diríamos, por exemplo, com a mesma facilidade esta mesma frase na negativa: Pedro
não é muito mais médico o que o seu irmão (salvo ironicamente ou na
retomada de um enunciador anterior). Esta divergência de comportamento deve-se,
segundo Maingueneu, ao fato de os adjetivos não-classificadores não possuírem
significados bem definidos, havendo diversas escalas de valor em seus empregos,
dependendo do tema a que se aplicam, do sistema de avaliação do enunciador e/ou
da sociedade na qual se insere e da situação de enunciação.
(5) Qual é a boa de hoje?
É a ocupação do lugar do substantivo elíptico que nos
permite deduzir, recorrendo ao lugar de memória, como sendo “boa novidade” ou
“boa notícia”.
O termo elíptico aponta para o tema
– “notícia / novidade” – que (apesar de elíptico) se realiza na memória com
relativa facilidade, pois, indubitavelmente, podemos associá-lo ao adjetivo
“boa”.
Do ponto de vista referencial, o
tema elíptico (notícia / novidade) não se realiza, mas é inferido pelos
falantes graças à memória (historicidade) e à experiência que têm com o uso da
língua. Podemos dizer que há um lugar sintático vago a ser ocupado no ato da
fala, e que através do conhecimento que têm da estrutura da língua
(organicidade), os falantes envolvidos no ato enunciativo têm a capacidade de
preencher o que está subentendido, através do uso da memória.
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