domingo, 7 de julho de 2013

REGISTRO DA VIAGEM DO ESCRITOR PEDRO NAVA A ISRAEL EM 1958



RAQUEL TELES YEHEZKEL











PAISAGENS E IMPRESSÕES DE ISRAEL
Registro da viagem do escritor Pedro Nava a Israel, em 1958









Trabalho baseado no diário de viagem de Pedro Nava:
“Viagem ao Egito, Jordânia e IsraeL”. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004;
para o Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG (NEJ),
sob a orientação e coordenação da
Prof. Doutora Lyslei Nascimento.


 

 

 

 

 

 


 

 

 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – FACULDADE DE LETRAS

 

Belo Horizonte, janeiro de 2009
Introdução


Pedro Nava (1903-1984), memorialista mineiro nascido em Juiz de Fora, começou a escrever aos 65 anos, após se aposentar como médico especialista em reumatologia. “A madureza, mais do que lhe marcar o estilo, constitui elemento fundamental de sua obra, sem a qual seria impossível escrever a série de memórias como, Baú de ossos e outros cinco volumes” (p.47, Revista Entre Livros, Ano I, No 1, São Paulo: Duetto Editorial, 2004): Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo-das-Trevas e O Círio Perfeito.

Viagem ao Egito, Jordânia e Israel, lançado após a morte do autor, pela Ateliê Editorial em 2004, é um fragmento dos diários de Pedro Nava com anotações referentes à sua  viagem de duas semanas ao Egito, Jordânia e Israel, entre os dias 25 de janeiro a 9 de fevereiro de 1958. Segundo a abertura dos editores dessa primeira edição, o trecho desta viagem consta do “Caderno 2”, que contém registros de janeiro de 1955 a abril de 1958. Esses diários, dentre outros documentos e dossiês, foram herdados pelos sobrinhos do autor, Egberto e Paulo Penido, após a morte de Antonieta Penido – esposa de Pedro Nava, e atualmente incorporam o acervo do autor que se encontra na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

A publicação desse fragmento do “Caderno 2” de Nava nos é apresentada em forma de diário e contém fac-similes de anotações e de desenhos do autor. Talvez, em nossos dias, fosse mais apropriado chamá-la de “agenda”, pois Nava registra tudo de forma concisa: rotas, nomes de lugares que visitou, algumas curiosidades que desenha e especifica, e, resumidamente, registra impressões que esses lugares, povos e cultura lhe causaram.

Apesar da aparente simplicidade dessas anotações, elas se apresentam especialmente relevantes para os estudiosos e admiradores da obra de Pedro Nava, pois lançam centelhas sobre o processo criativo utilizado pelo autor, permitem entrever fragmentos de sua personalidade e, ainda, põem em debate temas tão atuais como o confronto entre israelenses e palestinos e o conflito cultural entre o Ocidente de raízes judaico-cristã e o Oriente Médio de raízes mulçumana.

Sobretudo, essas anotações revelam, na atenção aos detalhes, a potencialidade do escritor memorialista subitamente interrompida; deixando em nós, leitores, o sabor de perda e de incompletude, fazendo-nos crer que - com a morte do observador atento, portador de senso crítico, do médico experiente, acostumado a anotar resumidamente prontuários de pacientes, do conhecedor do gênero humano, que registrava acontecimentos, impressões, curiosidades, novidades em forma de diário – tenhamos perdido também a oportunidade de ver esta obra editada por ele mesmo, seja em forma de memórias ou como fonte de inspiração e referências para outras.

Por fim, este fragmento do “Caderno 2” de Nava é de grande importância para nós, estudiosos do impacto da cultura judaica, suas tradições e costumes, sobre a produção literária mundial e, principalmente, sobre a literatura brasileira, seja ela de escritores com ascendência judaica ou não.


Contextualização histórica
No ano de 1958, em que Pedro Nava empreendeu sua viagem à Europa e ao Oriente Médio, Juscelino Kubitschek era o presidente do Brasil, e, apesar de levantes contra o governo, de inúmeras greves trabalhistas e da euforia da torcida brasileira com a possibilidade da conquista do título de Campeão Mundial (que veio a se concretizar nesse mesmo ano), o que marcava esse período eram os ares de desenvolvimento conduzidos pela construção de Brasília e, principalmente, pela flexibilização social proporcionada pelo intenso crescimento urbano, a efervescência do movimento modernista, a franca expansão econômica dos setores industrial e de serviços.

Já no Oriente Médio, a aliança militar dos países árabes e as ameaças de tropas egípcias posicionadas em 1956 na penísula do Sinai, impedindo que navios israelenses entrassem no Golfo de Eilat, constituíam uma ameaça a Israel, que, em resposta, promoveu a Campanha do Sinai, operação que durou 8 dias e ocupou Gaza e a penísula do Sinai, posicionando a leste do Canal de Suez. Em 1957, após a decisão da ONU de manter uma força de emergência estacionada ao longo da fronteira entre Israel e Egito e de assegurar a livre navegação no Golfo de Aqba/Eilat, Israel retirou-se de Gaza e do Sinai, mas a situação continuou tensa ainda por longos anos no Canal de Suez.

Na época da visita de Nava à região, em 1958, a Cidade Velha de Jerusalém e toda a Cisjordânia, habitadas por palestinos, encontravam-se sob a jurisdição da Jordânia, sob o reinado do rei Hussein, pai do rei atual. Ben Gurion era o primeiro-ministro de Israel e, na parte judaica, a fronteira de Israel chegava às cercanias da Cidade Velha pelo lado oeste, onde crescia e se desenvolvia em ritmo acelerado uma Jerusalém ativa e moderna, formada a partir de pequenas comunidades judaicas já existentes fora dos limites da muralha desde o século XIX com a crescente chegada de imigrantes judeus vindos da Europa, devido ao acirramento do anti-semitismo. Nesse ano, Israel comemorava o 10o aniversário de sua independência. Em Jerusalém, foi inaugurado o novo campus da Universidade Hebraica. A população do país atingia a cifra de 2 milhões, sendo a metade de novos imigrantes que não paravam de chegar. Ainda prevalecia o programa nacional de racionamento de alimentos, que logo seria extinto, em 1959, devido ao acelerado desenvolvimento econômico do país.

A região do Oriente Médio designada como Terra Santa foi sempre palco de disputas por servir de rota a vários povos da antiguidade. A presença do povo judeu na Terra Santa – cuja contagem da história de seu povo se encontra no ano de 5769, de acordo com o calendário hebreu regido pelo ciclo lunar, - pode ser evidenciada desde o ano de 1200 a.C, mas pode ser remontada a partir de sinais de colônias permanentes na região muito antes disso, a partir de 10 mil anos a.C, sendo a de Jericó datada de aproximadamente 7mil anos a.C. O auge da cultura judaica na região foi aproximadamente em 1000 a.C, com o reinado de David e o estabelecimento da capital do reino judaico em Jerusalém e, em seguida, com o reinado de Salomão e a construção do Primeiro Templo no local onde Abraão esteve prestes a sacrificar seu filho. Em 586 a.C, os babilônios conquistam Jerusalém, destruíram o Primeiro Templo e enviram os israelitas para o exílio, alguns para o cativeiro na Babilônia. Em 539 a.C: os persas, liderados por Ciro o Grande, derrotam os babilônios e os judeus têm permissão para retornar a sua terra. Alguns retornam, outros não e no 6o sec. a.C, os judeus que voltaram a Jerusalém construíram um novo templo no local do primeiro, inaugurando o chamado período histórico do Segundo Templo. Em 332 a.C, Alexandre o Grande, tendo o centro de seu império em Alexandria, hoje no Egito, conquistou a Palestina, difundindo a cultura grega que dominou toda região, mas os judeus resistiram ao processo de aculturação, principalmente Jerusalém. Em 164 a.C, Antíoco decide punir a rebeldia de Jerusalém com a morte de judeus que observassem a lei hebraica. Uma revolta dos judeus, liderados por Judas Macabeu, resulta na independência judaica e até hoje esta data é celebrada em dezembro, na festa judaica de Hanuca, “Festa das Luzes”. Em 63 a.C, legiões romanas conquistaram Jerusalém. Em 37-4 a.C, Herodes o Grande, reinou na Judéia, quando, presume-se, surgiu o cristianismo, dissidência dos seguidores de Jesus de Nazaré. Em 66-70 d.C, deu-se a Primeira Guerra Judaica contra os romanos, que, em represália, destruíram por completo o Segundo Templo. Três anos depois, em outra guerra, em Masada, os romanos subjugam os judeus que se dispersam pelo mundo, em um fenômeno conhecido como a Diáspora Judaica. Parte é levada para Roma como escravos, parte foge rumo em direção Egito, norte da África e Europa, outros aderem à colônia judaica fixada na Babilônia desde a destruição do Primeiro Templo. No 4o século. d.C, o imperador Constantino, convertido ao cristianismo, mudou a capital do Império Romano para Bizâncio - que já possuía larga tradição da cultura grego-latina herdada do Império de Alexandre -, sendo rebatizada de Constantinopla (hoje Istambul). Iniciam-se aí, com o do Império Romano Bizantino estabelecido, as peregrinações à Terra Santa. Sob ordem de Constantino, à pedido de sua mãe, devota da fé cristão, erguem-se as primeiras igrejas cristãs em lugares relacionados à vida de Jesus. Em fins do 4o século, no reinado de Teodósio, o cristianismo tornou a religião oficial do Estado romano e após a divisão do Império (395) entre seus dois filhos, o Império do Ocidente caiu sob o domínio dos bárbaros. Sobreviveu o Império do Oriente, dominado pelo idioma grego e conhecido como Império Bizantino, que levou prosperidade e estabilidade à Terra Santa. Em 614, deu-se a invasão do exército persa e em 628 tropas bizantinas expulsaram os invasores.

No ano em que Bizâncio reconquistou a Palestina, um exército comandado pelo profeta Maomé conquistou Meca, fato que marcou o surgimento de uma nova força religiosa no Oriente e que, em pouco mais de dez anos, mudaria por completo a face da Terra Santa. Em 638 as tropas do sucessor de Maomé, Califa Omar, derrotaram os bizantinos na região onde hoje é a Síria e também conquistaram a Palestina. Entre 691 a 705, os mulçumanos tomaram a área do Templo, fecharam o Portão de Ouro - por onde Jesus entrara na cidade no Domingo de Ramos e por onde o Messias, segundo a tradição judaica, um dia deverá entrar - e construíram duas mesquitas: o Domo da Rocha e El-Aqsa, chamando o lugar de Haram esh-Sharif, “Local Sagrado”, que passou a ser proibido aos “infiéis” - judeus ou cristãos -, que podiam viver na cidade desde que pagassem impostos, dos quais os mulçumanos estavam isentos. Em 1071, deu-se a captura de Jerusalém pelos turcos, que proibiram a entrada de peregrinos cristãos. Em 1099, com as Cruzadas - incursões à Terra Santa com o intuito de reconquistá-la do poder dos mulçumanos -, cristãos europeus capturaram Jerusalém e lugares sagrados ao cristianismo, mas em 1187 deu-se a reconquista de Jerusalém por Saladino - líder mulçumano que liderava a região o que hoje é a Síria – dando origem à Terceira Cruzada. Os cristãos não retomam o domínio da Cidade Sagrada, mas o rei Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, que regeu pessoalmente a legião, negociou com Saladino o direito de acesso aos peregrinos. Quando, entre 1244 e 1260, Jerusalém foi dominada por bandos de mercenários islâmicos a serviço do Egito, organizou-se a Última Grande Cruzada, liderada por Luis IX, rei da França, que não conseguiu libertar a Terra Santa. Tentou então invadir o Egito, também sem êxito, e acaou morrendo em Túnis no ano de 1270.

Entre 1260 e 1400 deu-se o domínio mameluco. Em 1260 o mameluco Baybars I tornou-se sultão do Egito, e em 1291 tomaram as últimas fortalezas latinas na Terra Santa, entre elas Acre/Akko, tornando a Terra Santa parte do Egito. Embora tenham expulsado os cruzados da Terra Santa, os mamelucos permitiam a peregrinação cristã e em 1333 os franciscanos foram autorizados a se estabelecer em Jerusalém, ocupando a suposta Sala da Última Ceia, local onde hoje está construída a belíssima Igreja da Dormição, ainda sob o comando dos franciscanos.

Em 1492, o rei Fernando expulsou os judeus da Espanha, incentivando o retorno de muitos judeus à Terra Santa, que, a essa época, preferiram instalar-se na Galiléia, na região montanhosa de Safed e nas proximidades do lago de Tiberíades. Em 1516, os turcos otomanos derrotaram os mamelucos e dominaram a Palestina e o Egito, formando o Império Otomano. Em 1537, Suleimam o Magnífico, sultão otomano, mandou reconstruir as muralhas de Jerusalém e portões de acesso à cidade. Em 1798, Napoleão chegou ao Egito, mas foi expulso no ano seguinte pelo governador otomano Ahmed Pasha el Jazzar.

No século XIX, estimulados pelo crescente anti-semitismo e pelos pogroms adotados no Leste Europeu e no Império Russo, deu-se o início o movimento sionista e ondas de imigrantes judeus chegaram à Terra Santa, formando, em 1860, a primeira comunidade judaica em Jerusalém depois da Diáspora. Após a Primeira Guerra Mundial, em 1922, a Liga das Nações ratificou o controle britânico na Palestina e do rei Abdullah na Jordânia, terminando definitivamente com domínio dos turcos otomanos, que apoiaram a Alemanha. Após a Segunda Guerra, em decorrência do holocausto do povo judeu da Europa pelo regime nazista, foi em 1948 declarado o Estado de Israel, dando início às guerras entre árabes e israelenses. Em 1951, o rei Abdullah da Jordânia foi assassinado por extremistas palestinos e em 1955, Hussein, neto de Abdullah, foi coroado rei da Jordânia (período em que Pedro Nava visitou a Jordânia e Israel), governando até a sua morte, em 1999, e assinando o acordo de paz entre Jordânia e Israel, em 1994, com o então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin. Em 1979, deu-se a assinatura dos acordos de paz de Camp David entre o Egito, pelo presidente Sadat, e Israel, pelo primeiro-ministro Menahen Begin.


Viagem de Pedro Nava ao Egito, Jordânia e Israel


25.1.1958 – Pedro Nava, acompanhado de sua esposa e de um pequeno grupo de conhecidos, chega ao Cairo, às 4:05h da manhã, vindo de Roma, Itália. Hospeda-se no Hotel Semiramis: quarto com vista sobre o Nilo, (...) coberto dos vapores da madrugada (p.17). O Nilo como um lago, não se percebendo a direção de sua correnteza. Sobre a ponte dos Leões (p.20).
            Visita mesquitas e túmulos de sultões e califas, bazares muito pitorescos e, à noite, um cabaré com música árabe (início das flamencas!) e dança do ventre das mais frenéticas (p.18).
Porém, o que parece ter-lhe mais impressionado nesse primeiro dia de visitas foi o estado de pobreza dos bairros por onde passou: Bairros pobres onde o aspecto de miséria é constrangedor; e também o enorme cemitério de 5km x 1km com sepulturas desde as mais simples até aquelas que são dotadas de sala de jantar e quartos e onde as famílias se instalam por ocasião da festa anual dos mortos. O aspecto do cemitério é de ruína, tudo coberto de poeira (p.17-18).

26.1.58 – Visita Mênfis (efígie e colosso de Ramsés II), as necrópoles de Sakkarah e Gizeh (os árabes pronunciam Guizá - p.18), as pirâmides e a Esfinge: A impressão dada pela Esfinge e pelas pirâmides é esmagadora e de uma desesperadora tristeza. Tudo na grandiosidade egípcia tem um tom funerário que deprime tragicamente. Nada para dar a impressão de solidão como a necrópole de Gizeh. Areia, pedras e deserto (p.19).

27.1.58 – Nesse dia empreendem uma viagem a Alexandria fracassada pela deficiência dos guias (p.19), valendo apenas pela visita do Museu Greco-romano e dois dos palácios de Farouk: luxo pesado, mau gosto esmagador, mistura do que há de feio no oriental e no ocidental (idem). Segundo Nava, o que valeu o dia foi, de volta ao Cairo, a visita das pirâmides e da esfinge, ao luar (p.20).

28.1.58 – Visita ao museu do Cairo: manutenção do museu é má. Tesouro de Tutankamon fabulosíssimo. Coleção e jóias e, comoventíssima, a (coleção) dos objetos de uso corrente: domésticos, de agricultura (p.21).

Nessa tarde, partiram do aeroporto do Cairo para Amã, na Jordânia. Sobrevoaram o canal de Suez, o mar Vermelho, a penísula do Sinai, o Golfo de Aqaba onde termina geograficamente a África e começa a Ásia (p.21). Voamos [...] primeiro na direção sudeste, até Aqaba e, depois, nordeste para Aman, para não sobrevoar Israel (p.24). Sobrevoamos só terras desérticas, sem sombra de vegetação, sobressolo ora plano, ora montanhoso, roído pela erosão: um rapadouro pior que a nossa Serra do Cipó (p.24).

Após descer no aeroporto de Amã, capital da Jordânia, tomaram outro avião para Jerusalém: vinte minutos de vôo (p.24). É bom lembrar que em 1958 Jerusalém encontrava-se sob o controle da Jordânia, situação que mudou em 1967 quando Israel conquistou Jerusalém e a Cisjordânia na Guerra dos Seis Dias.

Em Jerusalém, hospeda-se no Hotel Embassador e demonstra ter boas impressões do hotel, das pessoas e da cidade. Do quarto – no. 402, e do hotel anota: excelente, num prédio moderno e alegre (p.24). O guia Jerusalém e a Terra Santa, da Folha de São Paulo, edição de 2000, registra sobre o hotel Ambassador: “Fora do centro. Em local adorável, este hotel confortável e reformado há pouco é famoso por seu serviço e pelo ambiente calmo (p.232). Sobre as pessoas e a cidade, Nava comenta: A impressão da Jordânia é, à primeira vista, melhor que a dada pelo Egito: gente mais bem  vestida, soldados bem fardados, nenhum avança para o “baschiche” (p.24-25), que em árabe quer dizer “gorgeta”. Não fica claro no texto se quem pede “bakshishe” são os guardas ou outros prestadores de serviços quaisquer. À noite, passeio de automóvel pela cidade: muito morta, triste, ninguém nas ruas, a não ser soldados embalados em quase todas as esquinas (p. 25). Por soldados embalados, pressupõe-se que estão bem cobertos do frio rigoroso no inverno montanhoso de Jerusalém.

29.1.58 – Nesse dia o escritor visitou o Monte das Oliveiras (p.25), que fica no lado leste da Cidade Velha. Essa colina foi sempre considerada sagrada por todos os habitantes da cidade, em todos os tempos. Nela encontram-se vários locais relacionados aos últimos dias da vida de Jesus: cenário do martírio, a traição de Judas no Jardim de Getsêmani e ascenção ao Céu. Proporciona uma excelente vista, cartão-postal da Cidade Velha e do Vale de Josefá onde se encontram os cemitérios judeus, com tumbas datadas desde os séculos II e I a.C. Muitos judeus desejam ser sepultados no Monte das Oliveiras (Har haZait) por sua proximidade ao Vale de Josafá, de onde, acreditam, a humanidade ressuscitará no Dia do Juízo Final, em que o Messias entrará em Jerusalém pela Porta de Ouro. Acredita-se que por essa razão, os mulçumanos tenham fechado o portão no sec.VII: Vista sobre o Vale de Josafá e a Porta de Ouro ou Dourada, fechada por pedras, e por onde o Cristo entrou em Jerusalém no Domingo de Ramos (p.25).

Visita ao Jardim de Getsêmani ou Jardim das Oliveiras (p.25): “Jesus passou com seus discípulos ao outro lado do riacho de Cedron, onde havia um pomar no qual entrou com seus discípulos” (S. João 18, 1). “Chegaram ao lugar que se chama Getsêmani, e disse a seus discípulos: Sentem-se aqui enquanto eu oro” (S. Marcos 14, 32). Jesus e seus discípulos costumavam ir a este lugar para esconder-se e orar, e, conforme a tradição, é para onde foram após a ceia pascoal.

Na antiguidade, Getsêmani era um lugar agrícola com pomar de oliveiras, situado fora dos muros de Jerusalém: (era aí a propriedade de Lucas) com as Oliveiras que dizem ter 2500 anos (p.25). Segundo historiadores, os romanos destruíram as árvores nos arredores da cidade durante o sítio a Jerusalém, mas como as oliveiras podem renascer depois de cortadas, existe a possibilidade de que sejam as mesmas oliveiras do tempo de Jesus.

Capela e Gruta de Getsêmani (p.25) “E ele se afastou deles a uma distância como de um tiro de pedra, e de joelhos orava dizendo: Senhor, se queres, afasta de mim este cálice; mas não se faça a minha vontade, senão a tua” (S. Lucas 22, 41). Seria esse o lugar em que Jesus se recolheu em oração, ao se afastar de seus discípulos; e onde Judas Iscariote - que não se encontrava entre os que o acompanhara após a ceia – chegou acompanhado de um grupo, de sacerdotes, escribas e anciãos para lhe dar o beijo que indicaria ser ele, o Cristo/Messias. “Mas também Judas, o que lhe entregara, conhecia aquele lugar, porque Jesus costumava reunir-se ali com seus discípulos” (S. João 18, 2). “Aquele a quem eu der um beijo, esse é, prendam-o e levem-o com cautela.” “Ao chegar, aproximou-se dele e disse: Rabi! E lhe deu um beijo” (S. Marcos 14, 44-45). No sec. IV esta gruta foi transformada em capela e renovada em 1956 com a instalação de três altares: um central, dedicado à pregação de Jesus aos discípulos, o da direita, ao beijo de traição de Judas, e o da esquerda: Sepultura da Virgem e possivelmente de São José e Santa Ana, de acordo com a tradição (p.25).

Visita à Igreja de Todas as Nações, também conhecida como Igreja da Agonia. Igreja das Nações, onde se vê a pedra onde orou o Senhor e mais ao lado aquela onde os discípulos dormiram (p.25). “Quando se levantou de orar e volveu a seus discípulos e os encontrou adormecidos, lhes disse: Por que estão dormindo? Levantem-se e orem, para que não caíam em tentação” (S. Lucas 22, 45-46). Os cruzados reconstruíram no séc. IV o templo que fora destruído por um terremoto em 747, mas o fizeram diferente, de forma a cobrir três saliências rochosas com o objetivo de evocar as três orações noturnas de Jesus. Essa igreja foi abandonada e em 1924 foi reconstruída com a contribuição de doze nações, de onde advém o nome e as doze abóbodas que contêm os brasões destas nações. Para simular a sensação de angústia vivida por Jesus em seus últimos dias, as abóbodas são baixas, com mosaico de cores fechadas: estrelas sobre fundo azul e ramas de oliveiras verdes.

Chegou à Cidade Velha pela Porta de Santo Estêvão ou Porta dos Leões – Visitou os seguintes lugares: Igreja de Santa Ana: sobre o local onde nasceu a Virgem (p.25); Piscina Probática (onde Jesus curou um paralítico num sábado); Casa de Pilates (flagelação): lugar onde Cristo teria sido açoitado pelos soldados após receber a condenação; Arco do Ecce Homo: “Heis aqui o homem!”, palavras com que Pilates teria apresentado Jesus aos juízes. Esse lugar encontra-se incorporado a uma capela; a Mesquita de Omar (rocha do sacrifício de Abraão), mesquita de Al-Aqsa: Ambas no vasto recinto onde foi o Templo de Salomão e que lembram a circuncisão, a apresentação e a discussão com os doutores (p.26).
Mesquita de Omar – vestígios de bombardeio por parte dos israelenses, com danos incalculáveis aos mosaicos e vitrais que não têm preço (p.43); Muro das Lamentações: com os pregos e pequenas porções de cimento, nas juntas, que os judeus aí colocam simbolizando a reconstrução do Sion (p.26); Campo de Hasseldama (preço do sangue) onde Judas se enforcou (p.26).

À tarde, para registrar o passeio de modo sucinto, o autor usa setas indicando o caminho que percorreu a pé: entrou na Cidade Velha pela Porta de Damasco, uma seta indica que seguiu pelo mercado árabe: Shuk Kahn-Ez-Zeit, outra sinaliza a volta também pela Porta de Damasco, seta indicando que tomou a Rua Jericó e a última sinaliza que seguiu para o hotel.

30.1.58 Participou de uma excursão a Belém, onde visitou a Basílica da Natividade: linda,com mosaicos das paredes e do chão bizantinos, batistério do 5o século, colunas, cada uma com um santo pintado, ícones e ex-votos de primeira ordem (p.27); Local da Natividade: estrebaria – cavada na rocha. [...] Vimos: o local do nascimento (onde há um altar); o local, um pouco adiante, da adoração dos pastores (idem). [...] A gruta do leite, feia como uma igreja de Juiz de Fora (idem).

No caminho de volta apreciou a vista do campo de Booz (Boaz), onde os pastores viram a estrela, o Herodium, montanha mais alta da paisagem, onde está sepultado Herodes, e o túmulo de Raquel.

Nava registra a impressão que lhe causou o frio do inverno que neva e a simpatia dos árabes locais, que, comparados aos egípicios são “mais ocidentalizáveis”: Durante o dia presos no hotel: frio intenso, ventania, neve e chuva (p.28).
Muito mais simpático o árabe da Jordânia do que o do Egito – no aspecto menos feios e, no trato, de uma suavidade encantadora. Ao contrário dos egípcios, falam mais baixo, menos asperamente e com tonalidade cantante. São mais próximos de nós, mais “ocidentalizáveis” (p.28).

Nesse dia, o autor anexa ao diário um folheto de propaganda, em inglês, de uma loja de souvenires, que decerto achou interessante: “Petra Bazar [...] Before buying your goods compare our prices” (p.27).


31.1.58 – Fazem uma excursão a Betânia, Jericó, Jordão e Mar Morto. Em Betânia visita o túmulo de Lázaro e a igreja franciscana no local da casa de Lázaro, Marta e Maria. Passam por onde se deu o episódio do Bom Samaritano e onde existem ruínas de um castelo dos cruzados (p.28).

Como fato curioso, registra que na estrada para Jericó há um ponto que dá o nível do Mediterrâneo e depois do qual se descem ainda quatrocentos metros para se chegar ao Mar Morto (p.29), local de baixo do planeta. Anota que Jericó atual, datada do período bizantino, foi construída nas proximidades mais ou menos das outras duas; a dos cananeus e a de Herodes (p.29). Registra que passaram pelo deserto de São João, avistam a montanha onde houve a cidadela de Macheros e o Monte Nebo onde está sepultado Moisés (p.29), quando o túmulo de Moisés nunca foi encontrado. Ainda hoje há controvérsias sobre qual, entre os vários montes da cadeia montanhosa, seria o Monte Nebo.

Visitam o Monte da Tentação de Cristo, onde o autor colhe um ramo do Spina Christi, com o qual se acredita ter sido feita a coroa de Jesus e onde há várias covas que habitavam eremitas até o 5o século e há um convento grego.
  • O Jordão corre tortuoso entre margens alegradas pela vegetação e depois dessa orla, só deseto. Local do Batismo, que é o mesmo da passagem dos israelitas vindos para a terra prometida e de onde Elias foi arrebatado num carro de fogo. Detivemo-nos na margem direita, palestínica. Do outro lado, na margem esquerda, a Trans-Jordânia (p.30).
Estivemos na praia escura e pedegrosa do Mar Morto, diante do ponto onde aparece restos pedregosos que os árabes chamam de Palácio de Lot, de acordo com a tradição que admite que Sodoma e Gomorra estejam no fundo do Mar Morto, que as cobriu depois da chuva de fogo. O Mar Morto é uma espécie de Guarapari da Palestina para onde vêm os reumáticos, que aí se enterram na areia ou se banham no mar em curas de dez dias. Haverá algum efeito das águas que contêm sais numa proporção de 25%? (p.31). 

À tarde, passeio pelas ruas tortuosas, becos e arcadas de Jerusalém. Entramos pela Porta de Damasco e saímos pela de Jaffa (p.31).

1.2.58 – Via dolorosa:
  • Arco de Ecce Homo: de onde Cristo foi apresentado aos juízes.
  • Litostratos: lugar do julgamento de Jesus.
  • Coluna da Flagelação
  • Cisterna de Santa Cruz.
  • Igreja do Santo Sepulcro: construída ao redor do suposto local do martírio, sepultamento e ressurreição de Cristo é o local mais sagrado para a fé cristã. Abriga o Monte Calvário, a Pedra da Unção onde Cristo teria sido ungido e envolto em lençois conforme a tradição judaica, o Túmulo de José de Arimatéia onde Jesus foi enterrado e de onde ressussitou. Abriga também a Capela de Adão, que segundo a tradição Cristo teria sido crucificado sobre a sepultura do crânio de Adão. A primeira basílica foi construída no local pelo imperador romano Constantino, entre 326 e 335, a pedido de sua mãe, devota fervorosa do cristianismo, mais tarde canonizada como Santa Helena. Foi destruída em 1009 pelo sultão Hakim e reconstruída mais pelos cruzados entre 1114 e 1170.

À tarde, passeio a pé pelo caminho do Monte das Oliveiras: Crepúsculo belorizontino (p.31).

2.2.58 – Pela manhã: passeio a pé pela Cidade Velha, com entrada e saída pela Porta de Damasco. Caminharam, por fora das muralhas da Cidade Velha até o Portão de Herodes. Almoço no Resturante Omayyah.

À tarde, passeio de automóvel ao alto do Monte das Oliveiras, cortando o fundo do Vale de Josafá, e ao ponto de onde Cristo chorou sobre Jerusalém (há uma capela moderna, construída sobre restos da igreja bizantina com inscrição que determina o local exato: é a chamada igreja do Dominus Flevit (p.32), que significa “o Senhor chorou”. Pois foi construída no local em que peregrinos medievais identificaram com sendo a rocha em que Jesus, em peregrinação a Jerusalém, com seus discípulos, vindo de Betânia, ao avistar Jerusalém sentou para lamentar o destino da cidade: “Quando estava perto, ao ver a cidade, chorou por ela” (S. Lucas XIX, 41). “Se também tu entendesses neste dia a mensagem de paz! Mas até agora tem estado oculta a teus olhos” (S. Lucas, XIX, 42). “Jerusalém, Jerusalém...! Quantas vezes quis juntar seus filhos, assim como a galinha junta seus filhotes debaixo de suas asas...!” (S. Mateus XXIII, 37). Da janela Oeste desta pequena igreja tem-se uma vista belíssima da Cidade Velha.

Nesse dia, Pedro Nava faz a seguinte observação em seu diário:
·         Questão judeu-árabe – sem solução possível. A exaltação de ânimos entre mulçumanos e católicos ou cristãos árabes é a mesma. Questão dos refugiados. Minorias árabes em Israel. Bombardeio da Mesquita de Omar, lugar sagrado para cristãos, judeus e mulçumanos, pois ali está a pedra do sacrifício de Abraão (p.33). Apenas aponta pontos conflitantes, mas não estende os comentários.

3.2.58 – Nava, acompanhado de sua comitiva, passa a fronteira do lado da Jordânia para o lado de Israel, ainda nas imediações de Jerusalém. O autor relata: Passamos de um lado para o outro pela Mandelbaum Gate. Na “terra de ninguém” ruínas dos bombardeios do conflito de 1948. O aspecto das ruas de Jerusalém de Israel é inteiramente diferente. Desparecem a kafia e o hagam e aparecemm as barbas rabínicas e o chapelão posto para trás que conhecemos da rua Senhor dos Passos (p.35). Hospedou-se no Hotel Eden, apartamento 42. Visitas:

Monte Sião:
·         Túmulo de Davi: cheio de judeus em oração e no pátio velas acesas em louvor aos mortos e que se não conhece o túmulo, vítimas dos extermínios da última guerra (p.35). Em 1958, os judeus não tinham acesso ao Muro das Lamentações, por isso, até 1967, o  túmulo de Davi era a principal referência religiosa dos judeus em Jerusalém.
·         Igreja da Dormição da Virgem e Cenáculo: suposto lugar da última ceia. Vestígio de bombardeio por parte dos jordanianos. Sua torre é um posto avançado israelense, cheio de sacos de areia (p.43). “No primeiro dia da festa dos pães ázimos, quando sacrificavam o cordeiro pascoal, seus discípulos disseram: ‘Onde quereis que façamos os preparativos para que comeis o cordeiro da Páscoa?’ E ele disse a um dos discípulos: ‘Vá a cidade e o saudará um homem levando um cântaro de água. Siga-o; e onde ele entrar, diga ao dono da casa: O Mestre disse ‘Onde está onde hei de comer a Páscoa com meus discípulos?’ E ele os mostrará um grande aposento alto, já arrumado e preparado. Façam ali os preparativos.’ Ao entardecer foi com os doze, e quando estavam sentados à mesa, comendo, Jesus disse: ‘Eu vos asseguro que um de vós, que come comigo, me entregará.’” (S. Marcos XIV, 12-16). “Ao chegar o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. E de repente veio um estrondo do Céu.”

Segundo a tradição, depois da crucifiação os discípulos se reuniam com Maria e outros crentes nesse lugar. Foi ali que a Virgem Maria teria “caído em sono eterno”. Também foi ali que Jesus apareceu ante seus discípulos depois de sua ressurreissão e onde o Espírito Santo desceu sobre eles em Pentecostes, que, segundo a crença, puderam falar os idiomas de todos os povos para difundir o Evangelho e se formou o primeiro núcleo de cristãos.


Vila de Ain-Keren:
·         Gruta do Nascimento de São João Batista
·         Igreja da Visitação: local de moradia de São Zacarias e Santa Isabel. O templo celebra a visita da Virgem Maria à Santa Izabel, então grávida de São João Batista, cena ilustrada no mosaico da fachada do prédio. No jardim há um muro com placas de mármore onde está gravado o Magnificat [Lucas I, 46-45 - hino de gratidão de Maria, em 42 línguas ] em todas as línguas do mundo” (p.36).

No caminho de volta ao hotel:
  • Costeamos o túmulo do fundador do sionismo (jardim-monumento) (p.36). Creio ser o jardim que hoje se chama Har Hertzel, em homenagem ao fundador do sionismo, onde estão enterrados os grandes líderes de Israel.
  • Universidade de Jerusalém: os pavilhões, uns prontos, outros em construção (atualmente três mil estudantes) (Idem).

No dia de sua chegada a Israel, Nava anotou várias de suas impressões:
  • O judeu de Israel não se parece em nada com o tipo padrão do judeu dos ghetos que conhecemos e que fora de seu ambiente tem sempre como gentio a amabilidade cautelosa e desconfiada que é o seu traço. Aqui sua cortesia é a normal e a de quem se sente em casa. Nenhum servilismo. É interessante também verificar que existem alguma coisa além do nosso judeu, vendedor de móveis – aqui vemos o judeu rico, o elegante, o garçon, o operário, o motorista e até o pobre, andrajoso e meio esfarrapado (p.37).
  • Uma mesma cidade, Jerusalém. Mas a Jerusalém na Jordânia e a Jerusalém de Israel diferem como se fossem dois mundos separados no tempo e no espaço. A Jerusalém da Jordânia é uma visão das Mil e Uma Noites, Mil e Uma Noites piolhenta, sórdida e colorida, mas sempre Mil e Uma Noites. Cheia de movimento de um formigueiro de comerciantes, crianças, soldados, burros de cargas e de mulheres e homens de véus e kafias policrômicos. É difícil dar a medida de seu encanto e de sua simpatia, de sua profunda humanidade e sua incomparável doçura. É viva como os seus doces de todas as cores, saborosa como o rahat-loukoum dos tabuleiros de cada esquina. Cheira a estrume, incenso, amendoim e carne de carneiro. A Jerusalém de Israel é uma cidade do nosso tempo – limpa, normal, americanizada e cheia da força banal do progresso e da criação (p. 37-38).
  • Na igreja da Visitação o nosso cicerone foi o Superior do convento dos franciscanos. Alegre, falante, majestoso e enfático não dava a impressão de capuchinho mas sim de um ator que estivesse representando o papel de Superior dos capuchinhos. (p.38-37).

Creio ser a impressão a seguir, a crítica mais contundente dessa viagem:
·         Descendo da igreja das Visitação, uma das mais fabulosas paisagens que já vi. As montanhas da Judéia sob a luz irreal de um céu liso, compacto, opalescente e sem nuvens – todo avermelhado no poente e leitoso no nascente onde subia a lua cheia. Frio e silêncio. Em baixo o vale cheio de prateleiras de vegetação como degraus na montanha trabalhada. Diante, Ain-Karen acendendo suas luzes e com as ruas cheias de crianças. Dá pena imaginar que toda essa paz seja fictícia e que as populações separadas por poucos metros de casas destruídas e pelos arames farpados da no man’s land, que corta a cidade de Jerusalém, estejam na realidade afastadas por quilômetros de ódio e de incompreensão – sem perceber que o túmulo de Davi, o Santo Sepulcro e a Mesquita de Omar – encostados uns nos outros só indicam a necessidade de coexistência e entendimento. O símbolo a ser tomado seria o da Mesquita de Omar – onde está a pedra do sacrifício de Abraão – sagrada para mulçumanos, cristãos e judeus. A lição de inutilidade da luta está nas construções superpostas: igrejas bizantinas destruídas [pelos persas], reconstrução dos cruzados – destruição das igrejas dos cruzados por Saladino, reconstrução nos tempos modernos. Esse jogo monótono devia parar (39-41).

Nava enumera em seu diário os: Problemas de Israel
·         pequena população de 2 milhões. Aliás, se todos os israelitas do mundo viessem para Israel, ainda assim seriam uma população pouco ponderável diante da massa mulçumana que lhe é adversa, unanimemente, de Marrocos à Índia. Indiferença ou possível hostilidade do mundo cristão.
·         Só uma política muito humana com as minorias árabes e cristãs poderia dirimir aquelas nuvens. Essa política, do ponto de vista realista, é quase impossível porque a luta é por terra e a expropriação das minorias é fatal.
·         Os refugiados árabes – suas condições nos grandes e inomináveis campos (só em Jericó vimos campos de refugiados contendo 95 mil) são uma atuação permanente contra a política israelita – tanto mais viva e eficaz quanto testemunhada pela ONU – a cujo cargo estão expatriados (p.41-42).

4.2.58 – Viagem de carro de Jerusalém até Haifa, aproximadamente 130 km, onde hospeda-se no Zion Hotel, apartamento 404.

Ao deixar Jerusalém, descreve a sua última visão da cidade e seus arredores: his p24
·         a última visão da cidade e arredores foi a do Vale de Josefá. Logo depois vilas árabes destruídas em 1948. É notável logo que se sai de Jerusalém o que se vê como trabalho de reflorestamento e reconquista do deserto (p.43).
·         O trabalho de recuperação da terra feito pelos israelense é verdadeiramente gigantesco. Primeiro os muros de sustentação criando platibandas nas montanhas e impedindo seu desmoronamento para os pântanos. Drenagem desses pântanos por retificação de escoadouros e eucalipitos (p.44).

A seguir, faz reflexões interessantes a respeito do estímulo dado às plantações de eucaliptos e ciprestes nas cercanias da cidade:
·         Se o vegetal vive dos solo, por outro lado cria o bom solo, pois é laboratório onde se fabrica o elemento orgânico que é devolvido à terra (p.44).
·         Plantação de casuarinas, eucaliptos, pinheiros e ciprestes (ás vezes a paisagem parece italiana, pelas árvores). Há um estímulo para a plantação que tem aspecto vívico como a de um bosque de 6000000 de árvores – uma para cada judeu morto pelos nazistas – ou de homenagem a outros países como o “Bosque Kubitschek”, próximo a Eshtaol, plantado pelos judeus brasileiros em homenagem ao nosso presidente (p.44-45).
·         ... água que é escassa é aproveitada de todos os modos. É tratada como produto precioso como o petróleo... (p.45).

Descreve o caminho que percorre, principalmente a faixa estreita, coluna central do país, da seguinte forma:
·         Quem vê a fertilidade das terras entre Lod e Hadera e caminha nesse corredor estreito (que em certos pontos permite olhar todo o país, do Mediterrâneo a oeste à Jordânia a leste), cheio de laranjas, vinhedos e bananais, compreende que um deserto pode-se transformar em terras domesticadas. É a paisagem que se vê em Israel reconquistada das areias, cruzada de estradas estupendas cheias de caminhões, carros-tanques, tratores e bueldozens (p.45).
·         Em toda a extensão de Jerusalém e Haifa vi uma única carroça de tração animal e só um menino descalço (p.45-46).
·         A impressão de vida, trabalho e prosperidade é a mesma que se tem atravessando o Oeste Paulista (p.46).

Durante o trajeto passam por:
·         Ramla: terra de José de Arimatéia.
·         Lod: pátria de São Jorge, o do dragão e padroeiro dos ingleses. Lugar em que se encontra o Aeroporto Internacional Ben Gurion.
·         Petah-Tiqwa: magnífico Hostipal Beilinson, hoje Hospital Itzhak Rabin. O médico-escritor se encanta com a eficiência desse hospital público, comparando-o ao Hospital dos Servidores onde trabalhava no Rio de Janeiro: Médicos, cerca de 100. 800 leitos. Pessoal: 1,2 por leito (nos Servidores 5 por leito!). Policlínica reumatológica [especialidade do autor] aberta há poucas semanas. Pós-graduação para médicos. Biblicoteca (predomínio de livros e revistas de língua inglesa). Centro de pesquisas de primeira ordem como equipamento e organização.[...] No hospital não há distinção de classes e realmente o tratamento na classe única é de primeira ordem. A impressão do visitante no hospital é excelente: construção moderna e harmoniosa, funcionalidade perfeita, corredores vazios (sem o aspecto de gare dado nos Servidores) [...] Varandas envidraçadas à Niemeyer. Instalações primorosas. Não há no Rio um único hospital que lembre de longe esse hospital asiático. Fui recebido pelo administrador e depois pelo Dr. S. Gitter que pediu que lhe mandasse as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e do Butantã (ofereci também o Brasil Médico) para: Library of Beilinson Hospital – Petah-Tikva – Israel (p.48). Na página 49 há um desenho de um banco de espera: muito prático, segundo o autor.
·         Universidade de Barilan: fica á beira do caminho Jerusalém/Haifa, em Ramat Gan.
·         Hadera
·         Cesaréia: ruínas romanas – Ruínas de um admirável foro. Ruínas do Porto Romano e de aqueduto que trazia água do Monte Carmelo à Cesaréia (p.50).
·         Monte Carmelo: de onde Elias subiu aos céus num carro de fogo; numa das grutas das montanhas de Carmel, foi encontrado o Homo Carmelis, datado de 100 mil anos a.C. (p.47).

Chega-se a Haifa costeando o Mediterrâneo e à vista dos lagos artificiais para criação de carpas – elemento básico da alimentação em Israel e que dá a cota de proteínas que não pode vir da carbe porque os rebanhos só servem para dar leite e são escassos, como a criação de aves que é ainda insuficiente (p.46-47).

Em Haifa:
·         visita ao Monte Carmelo (frades) e a Igreja Stella Maris, cujo altar-mor é construído sobre a gruta do profeta Elias. Belvedere sobre a cidade divisando-se um panorama que lembra Nápoles e de onde se vê a cúpula do mausoléu e do Centro Bahaísta. Essa religião, amálgama de todoas, junta na mesma adoração o Cristo, Mafoma e Buda. É uma interlíngua de crenças humanas.  Seu criador, bem intencionado, Bahai?, naturalmente olhando o q se passa na terra Santa teve essa idéia pacificadora (p.50).

Visita a Acre ou Akko:
·         capital da Galiléia ocidental, antigo bastião dos Cruzados (muralhas otomanas, mesquita e a admirável igreja de Santo André, bizantina) (p.50-51). A cidade é de população árabe, considerados árabes-israelenses, com direito de voto no parlamento.

Nesse dia, o autor escreve uma nota com a seguinte conjectura sobre o povo de Israel e seu exército:
·         As correntes migratórias para Israel correm com mais forças dos países onde lavra mairo anti-semitismo. No início Europa. Agora África do Norte e países árabes. Parece que esses sefardins é que constituem o grosso das tropas israelenses. Na realidade os soldados de tipo longilíneo e enxuto e muito morenos (a maioria) contrastam com o tipo comum do judeu alourado e cor de fiambre que predomina no resto da população. Não será esse elemento fortemente mesclado do árabe que dá a combatividade ao exército de Israel? A perseguição nos países árabes estaria assim concorrendo para o fornecimento de boa carne militar aos judeus. O serviço militar é obrigatório (homens, dois anos e meio; mulheres; dois anos) (p.51). Atualmente o homem serve o exército três anos e as mulheres dois.
            A observação do autor, acima em destaque, não tem fundamentação alguma, pois, além de todos servirem igualmente ao exército, na verdade, demoraram anos para que os sefardins fossem absorvidos em cargos de comando dentro das instituições do país. A população asquenazita, fundadora do país e do Exército de Defesa de Israel, julgava-se mais culta por ter sua origem em países de cultura européia e leste-européia.

5.2.58 – Viagem a Tel Aviv passando por um kibutz, Nazaré, kefar Kanna, Mar de Tiberíades, Monte das Beatitudes, Kefar Tabor, Monte Tabor, Afula, Megido, Hadera, Netânia.
Saindo de Haifa, visita ao kibutz Iagur:
·         que reúne 1500 habitantes. Há casas, isoladas, para cada família e áreas comum como enfermaria, cozinha, refeitório: onde está o cinema, onde se dança e fazem reuniões. Há creches, divididas por idade, enquanto os pais trabalham. Escola. No trabalho há revesamento de três em três meses para os trabalhos no jardim, cozinha, limpeza, cuidados dos animais domésticos, etc. A vida é em comum: mesmo os presentes que um recebe vão para uma central de distribuição. A direção pertence a um comitê eleito anualmente. Há kibutz socializantes, religiosos, conservadores (p.52-53).
Nava deixa transparecer no registro a péssima impressão que esse kibutz lhe causou. Mas, apesar do sistema socialista dos kibutzim terem praticamente fracassado em quase toda Israel, há kibutzim adoráveis que se adaptaram às novas necessidades e fabricam produtos manufaturados ou vivem do turismo local, como hotel.
·         O aspecto do kibutz que visitei não é dos mais agradáveis. Pouco cuidado, desordenado, e com a tristeza impessoal e nua dos internatos, das casernas e das prisões (p.53).

Vistia a Nazaré:
·         Basílica da Anunciação - onde está a Gruta da Anunicação, local da oficina de José. Gruta da Sagrada família. Sinagoga onde Jesus vinha orar e onde fez a primeira prédica: hoje é templo católico (p.53-54).
·         Mercado árabe. A parte mais antiga da cidade é habitada por árabes israelenses.
·         Fonte da Virgem de Nazaré.

Passagem por Caná (atual Kefar Kanna): onde foi transformada a água em vinho: há uma igreja no local onde se realizaram as bodas e onde se processou o primeiro milagre do Senhor. Essa igreja está construída sobre os fundamentos de outra, bizantina, de que há restos (p.53).

Chegada ao lago de Tiberíades ou Genesaré, conforme Nava. Em hebraico é chamado de Tibérias ou Mar Kneret, na verdade um lago de água doce formado a partir de nascentes ao norte do lago, localizadas nas montanhas de Golan. Fica a 200m abaixo do nível do mar.
·         Águas de Tiberíades – boas para reumatismo. Em torno do lago há fontes para banhos terapêuticos e também ruínas de banhos romanos (p.57).
·         Entre Tibérias e Migdal, umas poucas ruínas mostram o local Magdala onde nasceu Santa Maria Madalena (p.54).
·         Tabgha, local da pesca milagrosa, há a igreja da multiplicação dos pães e dos peixes. Mosaicos bizantinos nesse templo, chamado igreja do Milagre dos Pães e Peixes. (p.54-55).
·         Monte das Beatitudes (local do sermão da Montanha) vêem-se os restos do templo dos Cruzados (p.55).
·         Cafarnaum: escavações descobriram vários objetos de pedra da época pré-israelita – prensas para azeite, pilões e moinhos para pão, pressoir de vinho. Há uma sinagoga (arte greco-romana) identificada apenas por estarem esculpidas nas colunas as estrelas de Salomão e Davi e o candelabro de sete ramos. Junto dessa sinagoga e do atual Convento dos Franciscanos, ruínas de capela bizantina, que se admite tr sido construída sobre a casa de Pedro (p.55).
·         Vale do Jordão [ao sul do lago] (lindo como o Vale Tejo, em Santarém p.56).
·         Ao nordeste: Vista do Monte Hermon (Síria), coberto de neve.
·         A oeste: as montanhas da Jordânia.
·         Circundamos o Monte Tabor (transfiguração). É um monte regular como uma calota e inteiramente isolado dos outros que o circundam (p.56).
·         Vista do Monte Precipício.
·         Há uma vila (passamos ao longe) de judeus chineses. Aliás, os há também quase pretos (p.57). Esta é uma observação interessante, pois nesse período os judeus mais escuros eram os de origem iemanitas e os hindus. Apenas em 1984 seria realizada a Operação Moisés, quando Israel trouxe 7 mil judeus negros da milenária comunidade da Etiópia.

Passamos por Afula e por Natânia, pegamos a estrada, rente ao Mediterrâneo, até Tel-Aviv (p.56). Hospedagem no Ramat-Aviv Hotel, bungalow 53: pavilhão central e vilas/bungalows nos jardim (p.52).

6.2.58 -  Passeio a Tel Aviv:
·         A cidade, como toda em crescimento, é cheia de aspectos provisórios, com uns trechos terminados e outros em começo, cheia de terrenos baldios e ruas sem pavimentação. Pé direito dos prédios de cerca de cinco andares. Arquitetura utilitária e sem gost, do moderno sintético não por simplicidade mas por economia. Lembra vagamente uma Juiz de Fora – quatro vezes maior. Maior não na qualidade e sim na quantidade. Uma Juiz de Fora imaginária, com três avenidas Rio Branco, quatro ruas Halfeld e cinco ruas do Espírito Santo (p. 57).
·         A praia, muito bonita, com estreita faixa de areia fina e escura (p. 58).
·         Jaffa, em continuidade, é, como toda aglomeração árabe, uma seqüência de ruas de aspecto piolhento. Mas não há mais árabes (p. 58).

Pedro Nava termina seu passeio a Israel anotando duas observações:
·         O entusiasmo do judeu atual construindo Israel deve ser o mesmo dos hebreus que atravessaram o Mar Vermelho e vieram derrubar os muros de Jericó a trombetadas (p. 58).
·         Judeus ingleses, franceses, alemães, polacos, chineses, negros, mulatos (porque os há!) é difícil imaginar o que sairá desse melting-pot que é a Israel moderna (p. 58).

7.2.58 – O escritor parte em direção a Istambul.

8.2.58 – Passeio à cidade em autocar. Visita à Mesquita Azul de Achmed I. Visita sobre o Corno de Ouro e sobre o Bósforo.

9.2.58 – Partida de Istambul por um Viscount quadrimotor da British European Airways...

A página final deste diário traz uma receita de molho de bife “escondidinho”, anotada sem nenhum comentário pelo autor, ainda em viagem pela Europa, a 4 de abril de 1958, em Lisboa.

Conclusão

O intuito deste trabalho foi registrar, dentro do contexto histórico de sua época, as impressões do escritor Pedro Nava sobre os lugares, povos e costumes dos países que visitou em sua viagem ao Oriente Médio, para que sirvam como mais um referencial a diálogos e debates entre pensadores com visões diferentes; com o objetivo maior de ampliar os canais de comunicação por meio do diálogo literário, construindo pontes entre a diversidade de vozes da cultura humana.

Bibliografia


Milner, Moshé e Salomón Yehuda. Jerusalém de Los Cielos: La Ciudad Eterna a Vista de Pájaro. Israel: Alfa Communication Ltda, 1994.

Nava, Pedro. Viagem ao Egito, Jordânia e Israel. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

_________ . Guia Visual da Folha de São Paulo: Jerusalém e a Terra Santa. São Paulo: Publifolha.

_________ . Jesús 2000: Um recorrido com Jesús por Tierra Santa. Ramat Hasharon, Israel: Alfa Communication, 2000.

_________ . Israel, Ano 50: 1948-1998. Jerusalém: Ministério das Relações Exteriores,1998.

_________ . Israel: Guia Ilustrado – 262 Fotos Coloridas. Hertzlya, Israel: Palphot Ltd.

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