RAQUEL
TELES YEHEZKEL
PAISAGENS E IMPRESSÕES DE ISRAEL
Registro da viagem do escritor Pedro Nava a Israel, em 1958
Trabalho
baseado no diário de viagem de Pedro Nava:
“Viagem ao Egito, Jordânia e
IsraeL”. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004;
para o Núcleo de Estudos
Judaicos da UFMG (NEJ),
sob a orientação e
coordenação da
Prof. Doutora Lyslei
Nascimento.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS –
FACULDADE DE LETRAS
Belo Horizonte, janeiro de 2009
Introdução
Pedro Nava (1903-1984),
memorialista mineiro nascido em Juiz de Fora, começou a escrever aos 65 anos, após
se aposentar como médico especialista em reumatologia. “A madureza, mais do que
lhe marcar o estilo, constitui elemento fundamental de sua obra, sem a qual
seria impossível escrever a série de memórias como, Baú de ossos e
outros cinco volumes” (p.47, Revista Entre Livros, Ano I, No 1, São Paulo:
Duetto Editorial, 2004): Balão Cativo, Chão de
Ferro, Beira-Mar, Galo-das-Trevas e O Círio Perfeito.
Viagem ao Egito, Jordânia e Israel, lançado após a morte do autor, pela Ateliê Editorial em 2004, é
um fragmento dos diários de Pedro Nava com anotações referentes à sua viagem de duas semanas ao Egito,
Jordânia e Israel, entre os dias 25 de janeiro a 9 de fevereiro de 1958. Segundo
a abertura dos editores dessa primeira edição, o trecho desta viagem consta do
“Caderno 2”, que contém registros de janeiro de 1955 a abril de 1958. Esses
diários, dentre outros documentos e dossiês, foram herdados pelos sobrinhos do
autor, Egberto e Paulo Penido, após a morte de Antonieta Penido – esposa de
Pedro Nava, e atualmente incorporam o acervo do autor que se encontra na Casa
de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
A publicação desse fragmento do “Caderno 2” de Nava nos é apresentada em
forma de diário e contém fac-similes de anotações e de desenhos do
autor. Talvez, em nossos dias, fosse mais apropriado chamá-la de “agenda”, pois
Nava registra tudo de forma concisa: rotas, nomes de lugares que visitou,
algumas curiosidades que desenha e especifica, e, resumidamente, registra
impressões que esses lugares, povos e cultura lhe causaram.
Apesar da aparente simplicidade dessas
anotações, elas se apresentam especialmente relevantes para os estudiosos e
admiradores da obra de Pedro Nava, pois lançam centelhas sobre o processo
criativo utilizado pelo autor, permitem entrever fragmentos de sua
personalidade e, ainda, põem em debate temas tão atuais como o confronto entre
israelenses e palestinos e o conflito cultural entre o Ocidente de raízes
judaico-cristã e o Oriente Médio de raízes mulçumana.
Sobretudo, essas anotações revelam, na
atenção aos detalhes, a potencialidade do escritor memorialista subitamente
interrompida; deixando em nós, leitores, o sabor de perda e de incompletude,
fazendo-nos crer que - com a morte do observador
atento, portador de senso crítico, do médico experiente, acostumado a anotar
resumidamente prontuários de pacientes, do conhecedor do gênero humano, que
registrava acontecimentos, impressões, curiosidades, novidades em forma de
diário – tenhamos perdido também a oportunidade de ver esta obra editada por
ele mesmo, seja em forma de memórias ou como fonte de inspiração e referências
para outras.
Por fim, este fragmento do “Caderno 2” de Nava é de grande
importância para nós, estudiosos do impacto da cultura judaica, suas tradições
e costumes, sobre a produção literária mundial e, principalmente, sobre a
literatura brasileira, seja ela de escritores com ascendência judaica ou não.
Contextualização histórica
No ano de 1958, em que Pedro Nava
empreendeu sua viagem à Europa e ao Oriente Médio, Juscelino Kubitschek era o
presidente do Brasil, e, apesar de levantes contra o governo, de inúmeras
greves trabalhistas e da euforia da torcida brasileira com a possibilidade da
conquista do título de Campeão Mundial (que veio a se concretizar nesse mesmo
ano), o que marcava esse período eram os ares de desenvolvimento conduzidos
pela construção de Brasília e, principalmente, pela flexibilização social
proporcionada pelo intenso crescimento urbano, a efervescência do movimento
modernista, a franca expansão econômica dos setores industrial e de serviços.
Já no Oriente
Médio, a aliança militar dos países árabes e as ameaças de tropas egípcias
posicionadas em 1956 na penísula do Sinai, impedindo que navios israelenses
entrassem no Golfo de Eilat, constituíam uma ameaça a Israel, que, em resposta,
promoveu a Campanha do Sinai, operação que durou 8 dias e ocupou Gaza e a
penísula do Sinai, posicionando a leste do Canal de Suez. Em 1957, após a decisão
da ONU de manter uma força de emergência estacionada ao longo da fronteira
entre Israel e Egito e de assegurar a livre navegação no Golfo de Aqba/Eilat,
Israel retirou-se de Gaza e do Sinai, mas a situação continuou tensa ainda por
longos anos no Canal de Suez.
Na época da
visita de Nava à região, em 1958,
a Cidade Velha de Jerusalém e toda a Cisjordânia,
habitadas por palestinos, encontravam-se sob a jurisdição da Jordânia, sob o
reinado do rei Hussein, pai do rei atual. Ben Gurion era o primeiro-ministro de
Israel e, na parte judaica, a fronteira de Israel chegava às cercanias da
Cidade Velha pelo lado oeste, onde crescia e se desenvolvia em ritmo acelerado
uma Jerusalém ativa e moderna, formada a partir de pequenas comunidades
judaicas já existentes fora dos limites da muralha desde o século XIX com a
crescente chegada de imigrantes judeus vindos da Europa, devido ao acirramento
do anti-semitismo. Nesse ano, Israel comemorava o 10o aniversário de
sua independência. Em Jerusalém, foi inaugurado o novo campus da Universidade
Hebraica. A população do país atingia a cifra de 2 milhões, sendo a metade de
novos imigrantes que não paravam de chegar. Ainda prevalecia o programa
nacional de racionamento de alimentos, que logo seria extinto, em 1959, devido ao
acelerado desenvolvimento econômico do país.
A região do
Oriente Médio designada como Terra Santa foi sempre palco de disputas por
servir de rota a vários povos da antiguidade. A presença do povo judeu na Terra
Santa – cuja contagem da história de seu povo se encontra no ano de 5769, de
acordo com o calendário hebreu regido pelo ciclo lunar, - pode ser evidenciada
desde o ano de 1200 a.C,
mas pode ser remontada a partir de sinais de colônias permanentes na região
muito antes disso, a partir de 10 mil anos a.C, sendo a de Jericó datada de
aproximadamente 7mil anos a.C. O auge da cultura judaica na região foi aproximadamente
em 1000 a.C,
com o reinado de David e o estabelecimento da capital do reino judaico em
Jerusalém e, em seguida, com o reinado de Salomão e a construção do Primeiro
Templo no local onde Abraão esteve prestes a sacrificar seu filho. Em 586 a.C, os babilônios
conquistam Jerusalém, destruíram o Primeiro Templo e enviram os israelitas para
o exílio, alguns para o cativeiro na Babilônia. Em 539 a.C: os persas, liderados
por Ciro o Grande, derrotam os babilônios e os judeus têm permissão para
retornar a sua terra. Alguns retornam, outros não e no 6o sec. a.C,
os judeus que voltaram a Jerusalém construíram um novo templo no local do
primeiro, inaugurando o chamado período histórico do Segundo Templo. Em 332 a.C, Alexandre o Grande, tendo
o centro de seu império em Alexandria, hoje no Egito, conquistou a Palestina,
difundindo a cultura grega que dominou toda região, mas os judeus resistiram ao
processo de aculturação, principalmente Jerusalém. Em 164 a.C, Antíoco decide punir
a rebeldia de Jerusalém com a morte de judeus que observassem a lei hebraica.
Uma revolta dos judeus, liderados por Judas Macabeu, resulta na independência
judaica e até hoje esta data é celebrada em dezembro, na festa judaica de
Hanuca, “Festa das Luzes”. Em 63
a.C, legiões romanas conquistaram Jerusalém. Em 37-4 a.C, Herodes o Grande, reinou
na Judéia, quando, presume-se, surgiu o cristianismo, dissidência dos
seguidores de Jesus de Nazaré. Em 66-70 d.C, deu-se a Primeira Guerra Judaica
contra os romanos, que, em represália, destruíram por completo o Segundo
Templo. Três anos depois, em outra guerra, em Masada, os romanos subjugam os
judeus que se dispersam pelo mundo, em um fenômeno conhecido como a Diáspora
Judaica. Parte é levada para Roma como escravos, parte foge rumo em direção Egito, norte
da África e Europa, outros aderem à colônia judaica fixada na Babilônia desde a
destruição do Primeiro Templo. No 4o século. d.C, o imperador
Constantino, convertido ao cristianismo, mudou a capital do Império Romano para
Bizâncio - que já possuía larga tradição da cultura grego-latina herdada do
Império de Alexandre -, sendo rebatizada de Constantinopla (hoje Istambul).
Iniciam-se aí, com o do Império Romano Bizantino estabelecido, as peregrinações
à Terra Santa. Sob ordem de Constantino, à pedido de sua mãe, devota da fé
cristão, erguem-se as primeiras igrejas cristãs em lugares relacionados à vida
de Jesus. Em fins do 4o século, no reinado de Teodósio, o
cristianismo tornou a religião oficial do Estado romano e após a divisão do
Império (395) entre seus dois filhos, o Império do Ocidente caiu sob o domínio
dos bárbaros. Sobreviveu o Império do Oriente, dominado pelo idioma grego e
conhecido como Império Bizantino, que levou prosperidade e estabilidade à Terra
Santa. Em 614, deu-se a invasão do exército persa e em 628 tropas bizantinas
expulsaram os invasores.
No ano em que Bizâncio
reconquistou a Palestina, um exército comandado pelo profeta Maomé conquistou
Meca, fato que marcou o surgimento de uma nova força religiosa no Oriente e
que, em pouco mais de dez anos, mudaria por completo a face da Terra Santa. Em 638
as tropas do sucessor de Maomé, Califa Omar, derrotaram os bizantinos na região
onde hoje é a Síria e também conquistaram a Palestina. Entre 691 a 705, os mulçumanos tomaram
a área do Templo, fecharam o Portão de Ouro - por onde Jesus entrara na cidade
no Domingo de Ramos e por onde o Messias, segundo a tradição judaica, um dia deverá
entrar - e construíram duas mesquitas: o Domo da Rocha e El-Aqsa, chamando o
lugar de Haram esh-Sharif, “Local Sagrado”, que passou a ser proibido
aos “infiéis” - judeus ou cristãos -, que podiam viver na cidade desde que
pagassem impostos, dos quais os mulçumanos estavam isentos. Em 1071, deu-se a
captura de Jerusalém pelos turcos, que proibiram a entrada de peregrinos
cristãos. Em 1099, com as Cruzadas - incursões à Terra Santa com o intuito de
reconquistá-la do poder dos mulçumanos -, cristãos europeus capturaram
Jerusalém e lugares sagrados ao cristianismo, mas em 1187 deu-se a reconquista
de Jerusalém por Saladino - líder mulçumano que liderava a região o que hoje é
a Síria – dando origem à Terceira Cruzada. Os cristãos não retomam o domínio da
Cidade Sagrada, mas o rei Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, que regeu
pessoalmente a legião, negociou com Saladino o direito de acesso aos
peregrinos. Quando, entre 1244 e 1260, Jerusalém foi dominada por bandos de
mercenários islâmicos a serviço do Egito, organizou-se a Última Grande Cruzada,
liderada por Luis IX, rei da França, que não conseguiu libertar a Terra Santa.
Tentou então invadir o Egito, também sem êxito, e acaou morrendo em Túnis no
ano de 1270.
Entre 1260 e
1400 deu-se o domínio mameluco. Em 1260 o mameluco Baybars I tornou-se sultão
do Egito, e em 1291 tomaram as últimas fortalezas latinas na Terra Santa, entre
elas Acre/Akko, tornando a Terra Santa parte do Egito. Embora tenham expulsado
os cruzados da Terra Santa, os mamelucos permitiam a peregrinação cristã e em
1333 os franciscanos foram autorizados a se estabelecer em Jerusalém, ocupando
a suposta Sala da Última Ceia, local onde hoje está construída a belíssima
Igreja da Dormição, ainda sob o comando dos franciscanos.
Em 1492, o rei
Fernando expulsou os judeus da Espanha, incentivando o retorno de muitos judeus
à Terra Santa, que, a essa época, preferiram instalar-se na Galiléia, na região
montanhosa de Safed e nas proximidades do lago de Tiberíades. Em 1516, os
turcos otomanos derrotaram os mamelucos e dominaram a Palestina e o Egito, formando
o Império Otomano. Em 1537, Suleimam o Magnífico, sultão otomano, mandou
reconstruir as muralhas de Jerusalém e portões de acesso à cidade. Em 1798,
Napoleão chegou ao Egito, mas foi expulso no ano seguinte pelo governador
otomano Ahmed Pasha el Jazzar.
No século XIX, estimulados
pelo crescente anti-semitismo e pelos pogroms adotados no Leste Europeu
e no Império Russo, deu-se o início o movimento sionista e ondas de imigrantes
judeus chegaram à Terra Santa, formando, em 1860, a primeira comunidade
judaica em Jerusalém depois da Diáspora. Após a Primeira Guerra Mundial, em 1922, a Liga das Nações
ratificou o controle britânico na Palestina e do rei Abdullah na Jordânia,
terminando definitivamente com domínio dos turcos otomanos, que apoiaram a
Alemanha. Após a Segunda Guerra, em decorrência do holocausto do povo judeu da
Europa pelo regime nazista, foi em 1948 declarado o Estado de Israel, dando início
às guerras entre árabes e israelenses. Em 1951, o rei Abdullah da Jordânia foi assassinado
por extremistas palestinos e em 1955, Hussein, neto de Abdullah, foi coroado
rei da Jordânia (período em que Pedro Nava
visitou a Jordânia e Israel), governando até a sua morte, em 1999, e assinando
o acordo de paz entre Jordânia e Israel, em 1994, com o então primeiro-ministro
de Israel, Itzhak Rabin. Em 1979, deu-se a assinatura dos acordos de paz de
Camp David entre o Egito, pelo presidente Sadat, e Israel, pelo primeiro-ministro
Menahen Begin.
Viagem de Pedro Nava ao Egito, Jordânia e Israel
25.1.1958 – Pedro Nava, acompanhado de sua esposa e de um pequeno grupo de
conhecidos, chega ao Cairo, às 4:05h da manhã, vindo de Roma, Itália.
Hospeda-se no Hotel Semiramis: quarto com vista sobre o Nilo,
(...) coberto dos vapores da madrugada (p.17). O Nilo como um lago,
não se percebendo a direção de sua correnteza. Sobre a ponte dos Leões (p.20).
Visita mesquitas e túmulos de
sultões e califas, bazares muito pitorescos e, à noite, um cabaré com música
árabe (início das flamencas!) e dança do ventre das mais frenéticas (p.18).
Porém, o que parece ter-lhe mais impressionado nesse primeiro dia de
visitas foi o estado de pobreza dos bairros por onde passou: Bairros pobres
onde o aspecto de miséria é constrangedor; e também o enorme cemitério
de 5km x 1km com sepulturas desde as mais simples até aquelas que são dotadas
de sala de jantar e quartos e onde as famílias se instalam por ocasião da festa
anual dos mortos. O aspecto do cemitério é de ruína, tudo coberto de poeira
(p.17-18).
26.1.58 – Visita Mênfis (efígie e colosso de Ramsés II), as necrópoles
de Sakkarah e Gizeh (os árabes pronunciam Guizá - p.18), as pirâmides e a
Esfinge: A impressão dada pela Esfinge e pelas pirâmides é esmagadora e de
uma desesperadora tristeza. Tudo na grandiosidade egípcia tem um tom funerário
que deprime tragicamente. Nada para dar a impressão de solidão como a necrópole
de Gizeh. Areia, pedras e deserto (p.19).
27.1.58 – Nesse dia empreendem uma viagem a Alexandria fracassada pela
deficiência dos guias (p.19), valendo apenas pela visita do Museu
Greco-romano e dois dos palácios de Farouk: luxo pesado, mau gosto
esmagador, mistura do que há de feio no oriental e no ocidental (idem). Segundo
Nava, o que valeu o dia foi, de volta ao Cairo, a visita das
pirâmides e da esfinge, ao luar (p.20).
28.1.58 – Visita ao museu do Cairo: manutenção do museu é má. Tesouro de
Tutankamon fabulosíssimo. Coleção e jóias e, comoventíssima, a (coleção)
dos objetos de uso corrente: domésticos, de agricultura (p.21).
Nessa tarde,
partiram do aeroporto do Cairo para Amã, na Jordânia. Sobrevoaram o canal de
Suez, o mar Vermelho, a penísula do Sinai, o Golfo de Aqaba onde termina
geograficamente a África e começa a Ásia (p.21). Voamos [...] primeiro
na direção sudeste, até Aqaba e, depois, nordeste para Aman, para não sobrevoar
Israel (p.24). Sobrevoamos só terras desérticas, sem sombra de
vegetação, sobressolo ora plano, ora montanhoso, roído pela erosão: um
rapadouro pior que a nossa Serra do Cipó (p.24).
Após descer no
aeroporto de Amã, capital da Jordânia, tomaram outro avião para Jerusalém: vinte
minutos de vôo (p.24). É bom lembrar que em 1958 Jerusalém encontrava-se
sob o controle da Jordânia, situação que mudou em 1967 quando Israel conquistou
Jerusalém e a Cisjordânia na Guerra dos Seis Dias.
Em Jerusalém,
hospeda-se no Hotel Embassador e demonstra ter boas impressões do hotel, das
pessoas e da cidade. Do quarto – no. 402, e do hotel anota: excelente, num
prédio moderno e alegre (p.24). O guia Jerusalém e a Terra Santa, da
Folha de São Paulo, edição de 2000, registra sobre o hotel Ambassador: “Fora do
centro. Em local adorável, este hotel confortável e reformado há pouco é famoso
por seu serviço e pelo ambiente calmo (p.232). Sobre as pessoas e a cidade,
Nava comenta: A impressão da Jordânia é, à primeira vista, melhor que a dada
pelo Egito: gente mais bem vestida,
soldados bem fardados, nenhum avança para o “baschiche” (p.24-25), que em
árabe quer dizer “gorgeta”. Não fica claro no texto se quem pede “bakshishe”
são os guardas ou outros prestadores de serviços quaisquer. À noite, passeio
de automóvel pela cidade: muito morta, triste, ninguém nas ruas, a não ser
soldados embalados em quase todas as esquinas (p. 25). Por soldados
embalados, pressupõe-se que estão bem cobertos do frio rigoroso no inverno
montanhoso de Jerusalém.
29.1.58 – Nesse dia o escritor visitou o Monte das Oliveiras (p.25), que
fica no lado leste da Cidade Velha. Essa colina foi sempre considerada sagrada
por todos os habitantes da cidade, em todos os tempos. Nela encontram-se vários
locais relacionados aos últimos dias da vida de Jesus: cenário do martírio, a
traição de Judas no Jardim de Getsêmani e ascenção ao Céu. Proporciona uma
excelente vista, cartão-postal da Cidade Velha e do Vale de Josefá onde se
encontram os cemitérios judeus, com tumbas datadas desde os séculos II e I a.C.
Muitos judeus desejam ser sepultados no Monte das Oliveiras (Har haZait) por
sua proximidade ao Vale de Josafá, de onde, acreditam, a humanidade ressuscitará
no Dia do Juízo Final, em que o Messias entrará em Jerusalém pela Porta de
Ouro. Acredita-se que por essa razão, os mulçumanos tenham fechado o portão no
sec.VII: Vista sobre o Vale de Josafá e a Porta de Ouro ou Dourada, fechada
por pedras, e por onde o Cristo entrou em Jerusalém no Domingo de Ramos (p.25).
Visita ao
Jardim de Getsêmani ou Jardim das Oliveiras (p.25): “Jesus passou com seus
discípulos ao outro lado do riacho de Cedron, onde havia um pomar no qual
entrou com seus discípulos” (S. João 18, 1). “Chegaram ao lugar que se chama
Getsêmani, e disse a seus discípulos: Sentem-se aqui enquanto eu oro” (S.
Marcos 14, 32). Jesus e seus discípulos costumavam ir a este lugar para
esconder-se e orar, e, conforme a tradição, é para onde foram após a ceia
pascoal.
Na
antiguidade, Getsêmani era um lugar agrícola com pomar de oliveiras, situado
fora dos muros de Jerusalém: (era aí a propriedade de Lucas) com as
Oliveiras que dizem ter 2500 anos (p.25). Segundo historiadores, os romanos
destruíram as árvores nos arredores da cidade durante o sítio a Jerusalém, mas
como as oliveiras podem renascer depois de cortadas, existe a possibilidade de
que sejam as mesmas oliveiras do tempo de Jesus.
Capela e
Gruta de Getsêmani (p.25) “E ele se afastou deles a uma distância como de um
tiro de pedra, e de joelhos orava dizendo: Senhor, se queres, afasta de mim
este cálice; mas não se faça a minha vontade, senão a tua” (S. Lucas 22, 41).
Seria esse o lugar em que
Jesus se recolheu em oração, ao se afastar de seus
discípulos; e onde Judas Iscariote - que não se encontrava entre os que o
acompanhara após a ceia – chegou acompanhado de um grupo, de sacerdotes,
escribas e anciãos para lhe dar o beijo que indicaria ser ele, o
Cristo/Messias. “Mas também Judas, o que lhe entregara, conhecia aquele lugar,
porque Jesus costumava reunir-se ali com seus discípulos” (S. João 18, 2).
“Aquele a quem eu der um beijo, esse é, prendam-o e levem-o com cautela.” “Ao
chegar, aproximou-se dele e disse: Rabi! E lhe deu um beijo” (S. Marcos 14,
44-45). No sec. IV esta gruta foi transformada em capela e renovada em 1956 com
a instalação de três altares: um central, dedicado à pregação de Jesus aos
discípulos, o da direita, ao beijo de traição de Judas, e o da esquerda: Sepultura
da Virgem e possivelmente de São José e Santa Ana, de acordo com a tradição
(p.25).
Visita à Igreja
de Todas as Nações, também conhecida como Igreja da Agonia. Igreja das
Nações, onde se vê a pedra onde orou o Senhor e mais ao lado aquela onde os
discípulos dormiram (p.25). “Quando se levantou de orar e volveu a seus
discípulos e os encontrou adormecidos, lhes disse: Por que estão dormindo?
Levantem-se e orem, para que não caíam em tentação” (S. Lucas 22, 45-46). Os
cruzados reconstruíram no séc. IV o templo que fora destruído por um terremoto
em 747, mas o fizeram diferente, de forma a cobrir três saliências rochosas com
o objetivo de evocar as três orações noturnas de Jesus. Essa igreja foi
abandonada e em 1924 foi reconstruída com a contribuição de doze nações, de
onde advém o nome e as doze abóbodas que contêm os brasões destas nações. Para
simular a sensação de angústia vivida por Jesus em seus últimos dias, as
abóbodas são baixas, com mosaico de cores fechadas: estrelas sobre fundo azul e
ramas de oliveiras verdes.
Chegou à
Cidade Velha pela Porta de Santo Estêvão ou Porta dos Leões – Visitou os
seguintes lugares: Igreja de Santa Ana: sobre o local onde nasceu a Virgem (p.25);
Piscina Probática (onde Jesus curou um paralítico num sábado); Casa de Pilates
(flagelação): lugar onde Cristo teria sido açoitado pelos soldados após receber
a condenação; Arco do Ecce Homo: “Heis aqui o homem!”, palavras com que Pilates
teria apresentado Jesus aos juízes. Esse lugar encontra-se incorporado a uma
capela; a Mesquita de Omar (rocha do sacrifício de Abraão), mesquita de
Al-Aqsa: Ambas no vasto recinto onde foi o Templo de Salomão e que lembram a
circuncisão, a apresentação e a discussão com os doutores (p.26).
Mesquita
de Omar – vestígios de bombardeio por parte dos israelenses, com danos
incalculáveis aos mosaicos e vitrais que não têm preço (p.43); Muro das Lamentações: com os pregos e pequenas porções
de cimento, nas juntas, que os judeus aí colocam simbolizando a reconstrução do
Sion (p.26); Campo de Hasseldama (preço do sangue) onde Judas se
enforcou (p.26).
À tarde, para registrar
o passeio de modo sucinto, o autor usa setas indicando o caminho que percorreu
a pé: entrou na Cidade Velha pela Porta de Damasco, uma seta indica que seguiu
pelo mercado árabe: Shuk Kahn-Ez-Zeit, outra sinaliza a volta também pela Porta
de Damasco, seta indicando que tomou a Rua Jericó e a última sinaliza que
seguiu para o hotel.
30.1.58 Participou de uma excursão a Belém, onde visitou a Basílica da
Natividade: linda,com mosaicos das paredes e do chão bizantinos, batistério
do 5o século, colunas, cada uma com um santo pintado, ícones e
ex-votos de primeira ordem (p.27); Local da Natividade: estrebaria –
cavada na rocha. [...] Vimos: o local do nascimento (onde há um altar); o
local, um pouco adiante, da adoração dos pastores (idem). [...] A
gruta do leite, feia como uma igreja de Juiz de Fora (idem).
No caminho de
volta apreciou a vista do campo de Booz (Boaz), onde os pastores viram a estrela,
o Herodium, montanha mais alta da paisagem, onde está sepultado Herodes, e o túmulo
de Raquel.
Nava registra a impressão que lhe causou
o frio do inverno que neva e a simpatia dos árabes locais, que, comparados aos
egípicios são “mais ocidentalizáveis”: Durante o dia presos no hotel: frio
intenso, ventania, neve e chuva (p.28).
Muito mais
simpático o árabe da Jordânia do que o do Egito – no aspecto menos feios e, no
trato, de uma suavidade encantadora. Ao contrário dos egípcios, falam mais
baixo, menos asperamente e com tonalidade cantante. São mais próximos de nós,
mais “ocidentalizáveis” (p.28).
Nesse dia, o autor anexa ao diário um
folheto de propaganda, em inglês, de uma loja de souvenires, que decerto achou
interessante: “Petra Bazar [...] Before buying your goods compare our prices”
(p.27).
31.1.58 – Fazem uma excursão a Betânia, Jericó, Jordão e Mar Morto. Em
Betânia visita o túmulo de Lázaro e a igreja franciscana no local da casa de
Lázaro, Marta e Maria. Passam por onde se deu o episódio do Bom Samaritano e
onde existem ruínas de um castelo dos cruzados (p.28).
Como fato
curioso, registra que na estrada para Jericó há um ponto que dá o
nível do Mediterrâneo e depois do qual se descem ainda quatrocentos metros para
se chegar ao Mar Morto (p.29), local de baixo do planeta. Anota que Jericó
atual, datada do período bizantino, foi construída nas proximidades mais ou
menos das outras duas; a dos cananeus e a de Herodes (p.29). Registra que
passaram pelo deserto de São João, avistam a montanha onde houve a cidadela de
Macheros e o Monte Nebo onde está sepultado Moisés (p.29), quando o
túmulo de Moisés nunca foi encontrado. Ainda hoje há controvérsias sobre qual,
entre os vários montes da cadeia montanhosa, seria o Monte Nebo.
Visitam o Monte
da Tentação de Cristo, onde o autor colhe um ramo do Spina Christi, com o qual
se acredita ter sido feita a coroa de Jesus e onde há várias covas que
habitavam eremitas até o 5o século e há um convento grego.
- O Jordão corre tortuoso entre margens alegradas pela vegetação e depois dessa orla, só deseto. Local do Batismo, que é o mesmo da passagem dos israelitas vindos para a terra prometida e de onde Elias foi arrebatado num carro de fogo. Detivemo-nos na margem direita, palestínica. Do outro lado, na margem esquerda, a Trans-Jordânia (p.30).
Estivemos na praia escura e pedegrosa
do Mar Morto, diante do ponto onde aparece restos pedregosos que os árabes
chamam de Palácio de Lot, de acordo com a tradição que admite que Sodoma e
Gomorra estejam no fundo do Mar Morto, que as cobriu depois da chuva de fogo. O
Mar Morto é uma espécie de Guarapari da Palestina para onde vêm os reumáticos,
que aí se enterram na areia ou se banham no mar em curas de dez dias. Haverá
algum efeito das águas que contêm sais numa proporção de 25%? (p.31).
À tarde,
passeio pelas ruas tortuosas, becos e arcadas de Jerusalém. Entramos pela Porta
de Damasco e saímos pela de Jaffa (p.31).
1.2.58 – Via dolorosa:
- Arco de Ecce Homo: de onde Cristo foi apresentado aos juízes.
- Litostratos: lugar do julgamento de Jesus.
- Coluna da Flagelação
- Cisterna de Santa Cruz.
- Igreja do Santo Sepulcro: construída ao redor do suposto local do martírio, sepultamento e ressurreição de Cristo é o local mais sagrado para a fé cristã. Abriga o Monte Calvário, a Pedra da Unção onde Cristo teria sido ungido e envolto em lençois conforme a tradição judaica, o Túmulo de José de Arimatéia onde Jesus foi enterrado e de onde ressussitou. Abriga também a Capela de Adão, que segundo a tradição Cristo teria sido crucificado sobre a sepultura do crânio de Adão. A primeira basílica foi construída no local pelo imperador romano Constantino, entre 326 e 335, a pedido de sua mãe, devota fervorosa do cristianismo, mais tarde canonizada como Santa Helena. Foi destruída em 1009 pelo sultão Hakim e reconstruída mais pelos cruzados entre 1114 e 1170.
À tarde,
passeio a pé pelo caminho do Monte das Oliveiras: Crepúsculo belorizontino (p.31).
2.2.58 –
Pela manhã: passeio a pé pela Cidade Velha, com entrada e saída pela Porta de
Damasco. Caminharam, por fora das muralhas da Cidade Velha até o Portão de
Herodes. Almoço no Resturante Omayyah.
À tarde,
passeio de automóvel ao alto do Monte das Oliveiras, cortando o fundo do Vale
de Josafá, e ao ponto de onde Cristo chorou sobre Jerusalém (há uma capela
moderna, construída sobre restos da igreja bizantina com inscrição que
determina o local exato: é a chamada igreja do Dominus Flevit (p.32),
que significa “o Senhor chorou”. Pois foi construída no local em que peregrinos
medievais identificaram com sendo a rocha em que Jesus, em peregrinação a
Jerusalém, com seus discípulos, vindo de Betânia, ao avistar Jerusalém sentou
para lamentar o destino da cidade: “Quando estava perto, ao ver a cidade,
chorou por ela” (S. Lucas XIX, 41). “Se também tu entendesses neste dia a
mensagem de paz! Mas até agora tem estado oculta a teus olhos” (S. Lucas, XIX,
42). “Jerusalém, Jerusalém...! Quantas vezes quis juntar seus filhos, assim
como a galinha junta seus filhotes debaixo de suas asas...!” (S. Mateus XXIII,
37). Da janela Oeste desta pequena igreja tem-se uma vista belíssima da Cidade
Velha.
Nesse dia,
Pedro Nava faz a seguinte observação em seu diário:
·
Questão
judeu-árabe – sem solução possível. A exaltação de ânimos entre mulçumanos e
católicos ou cristãos árabes é a mesma. Questão dos refugiados. Minorias árabes
em Israel. Bombardeio da Mesquita de Omar, lugar sagrado para cristãos, judeus
e mulçumanos, pois ali está a pedra do sacrifício de Abraão (p.33). Apenas aponta pontos conflitantes, mas não estende os
comentários.
3.2.58 –
Nava, acompanhado de sua comitiva, passa a fronteira do lado da Jordânia para o
lado de Israel, ainda nas imediações de Jerusalém. O autor relata: Passamos
de um lado para o outro pela Mandelbaum Gate. Na “terra de ninguém” ruínas dos
bombardeios do conflito de 1948. O aspecto das ruas de Jerusalém de
Israel é inteiramente diferente. Desparecem a kafia e o hagam e aparecemm as
barbas rabínicas e o chapelão posto para trás que conhecemos da rua Senhor dos
Passos (p.35). Hospedou-se no Hotel Eden, apartamento 42. Visitas:
Monte Sião:
·
Túmulo de
Davi: cheio de judeus em oração e no pátio velas acesas em louvor aos mortos
e que se não conhece o túmulo, vítimas dos extermínios da última guerra
(p.35). Em 1958, os judeus não tinham acesso ao Muro das Lamentações, por isso,
até 1967, o túmulo de Davi era a
principal referência religiosa dos judeus em Jerusalém.
·
Igreja da
Dormição da Virgem e Cenáculo: suposto lugar da última ceia. Vestígio de
bombardeio por parte dos jordanianos. Sua torre é um posto avançado israelense,
cheio de sacos de areia (p.43). “No primeiro dia da festa dos pães ázimos,
quando sacrificavam o cordeiro pascoal, seus discípulos disseram: ‘Onde quereis
que façamos os preparativos para que comeis o cordeiro da Páscoa?’ E ele disse
a um dos discípulos: ‘Vá a cidade e o saudará um homem levando um cântaro de
água. Siga-o; e onde ele entrar, diga ao dono da casa: O Mestre disse ‘Onde
está onde hei de comer a Páscoa com meus discípulos?’ E ele os mostrará um
grande aposento alto, já arrumado e preparado. Façam ali os preparativos.’ Ao
entardecer foi com os doze, e quando estavam sentados à mesa, comendo, Jesus
disse: ‘Eu vos asseguro que um de vós, que come comigo, me entregará.’” (S.
Marcos XIV, 12-16). “Ao chegar o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no
mesmo lugar. E de repente veio um estrondo do Céu.”
Segundo a
tradição, depois da crucifiação os discípulos se reuniam com Maria e outros
crentes nesse lugar. Foi ali que a Virgem Maria teria “caído em sono eterno”.
Também foi ali que Jesus apareceu ante seus discípulos depois de sua
ressurreissão e onde o Espírito Santo desceu sobre eles em Pentecostes, que,
segundo a crença, puderam falar os idiomas de todos os povos para difundir o
Evangelho e se formou o primeiro núcleo de cristãos.
Vila de
Ain-Keren:
·
Gruta do
Nascimento de São João Batista
·
Igreja da
Visitação: local de moradia de São Zacarias e Santa Isabel. O templo celebra
a visita da Virgem Maria à Santa Izabel, então grávida de São João Batista,
cena ilustrada no mosaico da fachada do prédio. No jardim há um muro com placas
de mármore onde está gravado o Magnificat [Lucas I, 46-45 - hino de
gratidão de Maria, em 42 línguas ] em todas as línguas do mundo” (p.36).
No caminho de
volta ao hotel:
- Costeamos o túmulo do fundador do sionismo (jardim-monumento) (p.36). Creio ser o jardim que hoje se chama Har Hertzel, em homenagem ao fundador do sionismo, onde estão enterrados os grandes líderes de Israel.
- Universidade de Jerusalém: os pavilhões, uns prontos, outros em construção (atualmente três mil estudantes) (Idem).
No dia de sua
chegada a Israel, Nava anotou várias de suas impressões:
- O judeu de Israel não se parece em nada com o tipo padrão do judeu dos ghetos que conhecemos e que fora de seu ambiente tem sempre como gentio a amabilidade cautelosa e desconfiada que é o seu traço. Aqui sua cortesia é a normal e a de quem se sente em casa. Nenhum servilismo. É interessante também verificar que existem alguma coisa além do nosso judeu, vendedor de móveis – aqui vemos o judeu rico, o elegante, o garçon, o operário, o motorista e até o pobre, andrajoso e meio esfarrapado (p.37).
- Uma mesma cidade, Jerusalém. Mas a Jerusalém na Jordânia e a Jerusalém de Israel diferem como se fossem dois mundos separados no tempo e no espaço. A Jerusalém da Jordânia é uma visão das Mil e Uma Noites, Mil e Uma Noites piolhenta, sórdida e colorida, mas sempre Mil e Uma Noites. Cheia de movimento de um formigueiro de comerciantes, crianças, soldados, burros de cargas e de mulheres e homens de véus e kafias policrômicos. É difícil dar a medida de seu encanto e de sua simpatia, de sua profunda humanidade e sua incomparável doçura. É viva como os seus doces de todas as cores, saborosa como o rahat-loukoum dos tabuleiros de cada esquina. Cheira a estrume, incenso, amendoim e carne de carneiro. A Jerusalém de Israel é uma cidade do nosso tempo – limpa, normal, americanizada e cheia da força banal do progresso e da criação (p. 37-38).
- Na igreja da Visitação o nosso cicerone foi o Superior do convento dos franciscanos. Alegre, falante, majestoso e enfático não dava a impressão de capuchinho mas sim de um ator que estivesse representando o papel de Superior dos capuchinhos. (p.38-37).
Creio ser a
impressão a seguir, a crítica mais contundente dessa viagem:
·
Descendo
da igreja das Visitação, uma das mais fabulosas paisagens que já vi. As
montanhas da Judéia sob a luz irreal de um céu liso, compacto, opalescente e
sem nuvens – todo avermelhado no poente e leitoso no nascente onde subia a lua
cheia. Frio e silêncio. Em baixo o vale cheio de prateleiras de vegetação como
degraus na montanha trabalhada. Diante, Ain-Karen acendendo suas luzes e com as
ruas cheias de crianças. Dá pena imaginar que toda essa paz seja fictícia e que
as populações separadas por poucos metros de casas destruídas e pelos arames
farpados da no man’s land, que corta a cidade de Jerusalém, estejam na
realidade afastadas por quilômetros de ódio e de incompreensão – sem perceber
que o túmulo de Davi, o Santo Sepulcro e a Mesquita de Omar – encostados uns
nos outros só indicam a necessidade de coexistência e entendimento. O símbolo a
ser tomado seria o da Mesquita de Omar – onde está a pedra do sacrifício de
Abraão – sagrada para mulçumanos, cristãos e judeus. A lição de inutilidade da
luta está nas construções superpostas: igrejas bizantinas destruídas [pelos
persas], reconstrução dos cruzados – destruição das igrejas dos cruzados por
Saladino, reconstrução nos tempos modernos. Esse jogo monótono devia parar (39-41).
Nava enumera
em seu diário os: Problemas de Israel
·
pequena
população de 2 milhões. Aliás, se todos os israelitas do mundo viessem para
Israel, ainda assim seriam uma população pouco ponderável diante da massa
mulçumana que lhe é adversa, unanimemente, de Marrocos à Índia. Indiferença ou
possível hostilidade do mundo cristão.
·
Só uma
política muito humana com as minorias árabes e cristãs poderia dirimir aquelas
nuvens. Essa política, do ponto de vista realista, é quase impossível porque a
luta é por terra e a expropriação das minorias é fatal.
·
Os
refugiados árabes – suas condições nos grandes e inomináveis campos (só em
Jericó vimos campos de refugiados contendo 95 mil) são uma atuação permanente
contra a política israelita – tanto mais viva e eficaz quanto testemunhada pela
ONU – a cujo cargo estão expatriados (p.41-42).
4.2.58 – Viagem de carro de Jerusalém até Haifa, aproximadamente 130 km,
onde hospeda-se no Zion Hotel, apartamento 404.
Ao deixar
Jerusalém, descreve a sua última visão da cidade e seus arredores: his p24
·
a
última visão da cidade e arredores foi a do Vale de Josefá. Logo depois vilas
árabes destruídas em 1948. É notável logo que se sai de Jerusalém o que se vê
como trabalho de reflorestamento e reconquista do deserto (p.43).
·
O
trabalho de recuperação da terra feito pelos israelense é verdadeiramente
gigantesco. Primeiro os muros de sustentação criando platibandas nas montanhas
e impedindo seu desmoronamento para os pântanos. Drenagem desses pântanos por
retificação de escoadouros e eucalipitos (p.44).
A seguir, faz
reflexões interessantes a respeito do estímulo dado às plantações de eucaliptos
e ciprestes nas cercanias da cidade:
·
Se o
vegetal vive dos solo, por outro lado cria o bom solo, pois é laboratório onde
se fabrica o elemento orgânico que é devolvido à terra (p.44).
·
Plantação
de casuarinas, eucaliptos, pinheiros e ciprestes (ás vezes a paisagem parece
italiana, pelas árvores). Há um estímulo para a plantação que tem aspecto
vívico como a de um bosque de 6000000 de árvores – uma para cada judeu morto
pelos nazistas – ou de homenagem a outros países como o “Bosque Kubitschek”,
próximo a Eshtaol, plantado pelos judeus brasileiros em homenagem ao nosso
presidente (p.44-45).
·
...
água que é escassa é aproveitada de todos os modos. É tratada como produto
precioso como o petróleo... (p.45).
Descreve o caminho
que percorre, principalmente a faixa estreita, coluna central do país, da
seguinte forma:
·
Quem vê
a fertilidade das terras entre Lod e Hadera e caminha nesse corredor estreito
(que em certos pontos permite olhar todo o país, do Mediterrâneo a oeste à
Jordânia a leste), cheio de laranjas, vinhedos e bananais, compreende que um
deserto pode-se transformar em terras domesticadas. É a paisagem que se vê em
Israel reconquistada das areias, cruzada de estradas estupendas cheias de
caminhões, carros-tanques, tratores e bueldozens
(p.45).
·
Em toda
a extensão de Jerusalém e Haifa vi uma única carroça de tração animal e só um
menino descalço (p.45-46).
·
A
impressão de vida, trabalho e prosperidade é a mesma que se tem atravessando o
Oeste Paulista (p.46).
Durante o
trajeto passam por:
·
Ramla:
terra de José de Arimatéia.
·
Lod: pátria
de São Jorge, o do dragão e padroeiro dos ingleses. Lugar em que se
encontra o Aeroporto Internacional Ben Gurion.
·
Petah-Tiqwa:
magnífico Hostipal Beilinson, hoje Hospital Itzhak Rabin. O médico-escritor
se encanta com a eficiência desse hospital público, comparando-o ao Hospital
dos Servidores onde trabalhava no Rio de Janeiro: Médicos, cerca de 100. 800
leitos. Pessoal: 1,2 por leito (nos Servidores 5 por leito!). Policlínica
reumatológica [especialidade do autor] aberta há poucas semanas.
Pós-graduação para médicos. Biblicoteca (predomínio de livros e revistas de
língua inglesa). Centro de pesquisas de primeira ordem como equipamento e
organização.[...] No hospital não há distinção de classes e realmente o
tratamento na classe única é de primeira ordem. A impressão do visitante no
hospital é excelente: construção moderna e harmoniosa, funcionalidade perfeita,
corredores vazios (sem o aspecto de gare dado nos Servidores) [...] Varandas
envidraçadas à Niemeyer. Instalações primorosas. Não há no Rio um único
hospital que lembre de longe esse hospital asiático. Fui recebido pelo
administrador e depois pelo Dr. S. Gitter que pediu que lhe mandasse as
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e do Butantã (ofereci também o Brasil
Médico) para: Library of Beilinson Hospital – Petah-Tikva – Israel (p.48).
Na página 49 há um desenho de um banco de espera: muito prático, segundo
o autor.
·
Universidade
de Barilan: fica á beira do caminho Jerusalém/Haifa, em Ramat Gan.
·
Hadera
·
Cesaréia:
ruínas romanas – Ruínas de um admirável foro. Ruínas do Porto Romano e de
aqueduto que trazia água do Monte Carmelo à Cesaréia (p.50).
·
Monte
Carmelo: de onde Elias subiu aos céus num carro de fogo; numa das grutas
das montanhas de Carmel, foi encontrado o Homo Carmelis, datado de 100 mil anos
a.C. (p.47).
Chega-se a Haifa
costeando o Mediterrâneo e à vista dos lagos artificiais para criação de carpas
– elemento básico da alimentação em Israel e que dá a cota de proteínas que não
pode vir da carbe porque os rebanhos só servem para dar leite e são escassos,
como a criação de aves que é ainda insuficiente
(p.46-47).
Em Haifa:
·
visita
ao Monte Carmelo (frades) e a Igreja Stella Maris, cujo altar-mor é construído
sobre a gruta do profeta Elias. Belvedere sobre a cidade divisando-se um
panorama que lembra Nápoles e de onde se vê a cúpula do mausoléu e do Centro
Bahaísta. Essa religião, amálgama de todoas, junta na mesma adoração o Cristo,
Mafoma e Buda. É uma interlíngua de crenças humanas. Seu criador, bem intencionado, Bahai?,
naturalmente olhando o q se passa na terra Santa teve essa idéia pacificadora (p.50).
Visita a Acre ou
Akko:
·
capital
da Galiléia ocidental, antigo bastião dos Cruzados (muralhas otomanas, mesquita
e a admirável igreja de Santo André, bizantina)
(p.50-51). A cidade é de população árabe, considerados árabes-israelenses, com
direito de voto no parlamento.
Nesse dia, o autor
escreve uma nota com a seguinte conjectura sobre o povo de Israel e seu
exército:
·
As
correntes migratórias para Israel correm com mais forças dos países onde lavra
mairo anti-semitismo. No início Europa. Agora África do Norte e países árabes.
Parece que esses sefardins é que constituem o grosso das tropas israelenses. Na
realidade os soldados de tipo longilíneo e enxuto e muito morenos (a maioria)
contrastam com o tipo comum do judeu alourado e cor de fiambre que predomina no
resto da população. Não será esse elemento fortemente mesclado do árabe que dá
a combatividade ao exército de Israel? A perseguição nos países árabes estaria
assim concorrendo para o fornecimento de boa carne militar aos judeus. O
serviço militar é obrigatório (homens, dois anos e meio; mulheres; dois anos) (p.51). Atualmente o homem serve o exército três anos e as mulheres
dois.
A observação do autor, acima em
destaque, não tem fundamentação alguma, pois, além de todos servirem igualmente
ao exército, na verdade, demoraram anos para que os sefardins fossem absorvidos
em cargos de comando dentro das instituições do país. A população asquenazita,
fundadora do país e do Exército de Defesa de Israel, julgava-se mais culta por
ter sua origem em países de cultura européia e leste-européia.
5.2.58 – Viagem a Tel Aviv passando por um kibutz, Nazaré, kefar Kanna,
Mar de Tiberíades, Monte das Beatitudes, Kefar Tabor, Monte Tabor, Afula,
Megido, Hadera, Netânia.
Saindo de Haifa,
visita ao kibutz Iagur:
·
que
reúne 1500 habitantes. Há casas, isoladas, para cada família e áreas comum como
enfermaria, cozinha, refeitório: onde está o cinema, onde se dança e fazem
reuniões. Há creches, divididas por idade, enquanto os pais trabalham. Escola.
No trabalho há revesamento de três em três meses para os trabalhos no jardim,
cozinha, limpeza, cuidados dos animais domésticos, etc. A vida é em comum: mesmo
os presentes que um recebe vão para uma central de distribuição. A direção
pertence a um comitê eleito anualmente. Há kibutz socializantes, religiosos,
conservadores (p.52-53).
Nava deixa
transparecer no registro a péssima impressão que esse kibutz lhe causou. Mas,
apesar do sistema socialista dos kibutzim terem praticamente fracassado em
quase toda Israel, há kibutzim adoráveis que se adaptaram às novas necessidades
e fabricam produtos manufaturados ou vivem do turismo local, como hotel.
·
O
aspecto do kibutz que visitei não é dos mais agradáveis. Pouco cuidado,
desordenado, e com a tristeza impessoal e nua dos internatos, das casernas e
das prisões (p.53).
Vistia a Nazaré:
·
Basílica
da Anunciação - onde está a Gruta da Anunicação, local da oficina de José.
Gruta da Sagrada família. Sinagoga onde Jesus vinha orar e onde fez a primeira
prédica: hoje é templo católico (p.53-54).
·
Mercado
árabe. A parte mais antiga da cidade é habitada por árabes israelenses.
·
Fonte da
Virgem de Nazaré.
Passagem por Caná
(atual Kefar Kanna): onde foi transformada a água em vinho: há uma igreja no
local onde se realizaram as bodas e onde se processou o primeiro milagre do
Senhor. Essa igreja está construída sobre os fundamentos de outra, bizantina,
de que há restos (p.53).
Chegada ao lago de
Tiberíades ou Genesaré, conforme Nava. Em hebraico é chamado de Tibérias ou Mar
Kneret, na verdade um lago de água doce formado a partir de nascentes ao norte
do lago, localizadas nas montanhas de Golan. Fica a 200m abaixo do nível do
mar.
·
Águas
de Tiberíades – boas para reumatismo. Em torno do lago há fontes para banhos
terapêuticos e também ruínas de banhos romanos
(p.57).
·
Entre
Tibérias e Migdal, umas poucas ruínas mostram o local Magdala onde nasceu Santa
Maria Madalena (p.54).
·
Tabgha,
local da pesca milagrosa, há a igreja da multiplicação dos pães e dos peixes.
Mosaicos bizantinos nesse templo, chamado igreja do Milagre dos Pães e Peixes. (p.54-55).
·
Monte
das Beatitudes (local do sermão da Montanha) vêem-se os restos do templo dos
Cruzados (p.55).
·
Cafarnaum:
escavações descobriram vários objetos de pedra da época pré-israelita – prensas
para azeite, pilões e moinhos para pão, pressoir de vinho. Há uma sinagoga
(arte greco-romana) identificada apenas por estarem esculpidas nas colunas as
estrelas de Salomão e Davi e o candelabro de sete ramos. Junto dessa sinagoga e
do atual Convento dos Franciscanos, ruínas de capela bizantina, que se admite
tr sido construída sobre a casa de Pedro (p.55).
·
Vale do
Jordão [ao sul do lago] (lindo como o Vale Tejo,
em Santarém p.56).
·
Ao
nordeste: Vista do Monte Hermon (Síria), coberto de neve.
·
A oeste:
as montanhas da Jordânia.
·
Circundamos
o Monte Tabor (transfiguração). É um monte regular como uma calota e
inteiramente isolado dos outros que o circundam (p.56).
·
Vista
do Monte Precipício.
·
Há uma
vila (passamos ao longe) de judeus chineses. Aliás, os há também quase pretos (p.57). Esta é uma observação interessante, pois nesse período os
judeus mais escuros eram os de origem iemanitas e os hindus. Apenas em 1984 seria
realizada a Operação Moisés, quando Israel trouxe 7 mil judeus negros da
milenária comunidade da Etiópia.
Passamos por
Afula e por Natânia, pegamos a estrada, rente ao Mediterrâneo, até Tel-Aviv (p.56). Hospedagem no Ramat-Aviv Hotel, bungalow 53: pavilhão
central e vilas/bungalows nos jardim (p.52).
6.2.58 -
Passeio a Tel Aviv:
·
A
cidade, como toda em crescimento, é cheia de aspectos provisórios, com uns
trechos terminados e outros em começo, cheia de terrenos baldios e ruas sem
pavimentação. Pé direito dos prédios de cerca de cinco andares. Arquitetura
utilitária e sem gost, do moderno sintético não por simplicidade mas por
economia. Lembra vagamente uma Juiz de Fora – quatro vezes maior. Maior não na
qualidade e sim na quantidade. Uma Juiz de Fora imaginária, com três avenidas
Rio Branco, quatro ruas Halfeld e cinco ruas do Espírito Santo (p. 57).
·
A
praia, muito bonita, com estreita faixa de areia fina e escura (p. 58).
·
Jaffa,
em continuidade, é, como toda aglomeração árabe, uma seqüência de ruas de
aspecto piolhento. Mas não há mais árabes (p. 58).
Pedro Nava termina seu passeio a Israel anotando duas observações:
·
O
entusiasmo do judeu atual construindo Israel deve ser o mesmo dos hebreus que
atravessaram o Mar Vermelho e vieram derrubar os muros de Jericó a trombetadas (p. 58).
·
Judeus
ingleses, franceses, alemães, polacos, chineses, negros, mulatos (porque os
há!) é difícil imaginar o que sairá desse melting-pot
que é a Israel moderna (p. 58).
7.2.58 – O escritor parte em direção a
Istambul.
8.2.58 – Passeio à cidade em autocar.
Visita à Mesquita Azul de Achmed I. Visita sobre o Corno de Ouro e sobre o
Bósforo.
9.2.58 – Partida de Istambul por um
Viscount quadrimotor da British European Airways...
A página final deste diário traz uma receita de molho de bife
“escondidinho”, anotada sem nenhum comentário pelo autor, ainda em viagem pela
Europa, a 4 de abril de 1958, em Lisboa.
Conclusão
O intuito deste trabalho foi registrar,
dentro do contexto histórico de sua época, as impressões do escritor Pedro Nava
sobre os lugares, povos e costumes dos países que visitou em sua viagem ao
Oriente Médio, para que sirvam como mais um referencial a diálogos e debates
entre pensadores com visões diferentes; com o objetivo maior de ampliar os
canais de comunicação por meio do diálogo literário, construindo pontes entre a
diversidade de vozes da cultura humana.
Bibliografia
Milner, Moshé e Salomón Yehuda. Jerusalém
de Los Cielos: La Ciudad Eterna a Vista de Pájaro. Israel: Alfa
Communication Ltda, 1994.
Nava, Pedro. Viagem ao Egito, Jordânia e Israel. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2004.
_________ . Guia Visual da Folha de São Paulo: Jerusalém e a Terra
Santa. São Paulo: Publifolha.
_________ . Jesús 2000: Um recorrido com Jesús por Tierra Santa.
Ramat Hasharon, Israel: Alfa Communication, 2000.
_________ . Israel, Ano 50: 1948-1998. Jerusalém: Ministério
das Relações Exteriores,1998.
_________ . Israel: Guia Ilustrado – 262 Fotos Coloridas. Hertzlya, Israel: Palphot Ltd.
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