sábado, 20 de julho de 2013

"SABERES POPULARES FAZENDO-SE SABERES ESCOLARES": PROJETO DE PESQUISA



Raquel Teles Yehezkel
Rogéria Rodrigues Ferreira







PROJETO DE PESQUISA:
“SABERES POPULARES FAZENDO-SE SABERES ESCOLARES”




Trabalho requisitado pela disciplina
Didática de Licenciatura,
profa. Vândiner Ribeiro.










Belo Horizonte 08 de maio de 2007-05-07
Faculdade de Educação / UFMG




1. INTRODUÇÃO

A princípio, o objetivo desta pesquisa seria colaborar para o resgate da memória da comunidade em que o aluno vive, registrando casos e cantigas contados e cantadas pelos mais velhos, valorizando, assim, as relações entre as gerações. Posteriormente verificamos a possibilidade de adensamento teórico, introduzindo a questão das variações lingüísticas apresentadas nos textos orais e escritos.
As histórias e cantigas populares detêm saberes que, aplicados na escola, transformam-se em saberes escolares, pois servem de instrumentos para que os alunos compreendam melhor a comunidade como um todo e também as suas particularidades, como a questão das variações da língua.
O objetivo desse trabalho de resgate de saberes populares junto aos alunos intenta garantir a preservação de práticas que correm o risco de extinção e, conseqüentemente, a ampliação do conhecimento, sendo papel da escola valorizar os mais velhos e os não-letrados cujos saberes devem ser levados à sala de aula.


2. PROBLEMA DE PESQUISA (definição do problema escolhido e justificativas)

  2.1. Por que resgatar os casos e cantigas populares da comunidade?
Supomos que ao resgatar e registrar os casos e cantigas populares das famílias da comunidade contados e cantados pelos mais velhos estaremos valorizando a manutenção da memória coletiva, tornando-a pública e lembrada.
Pretendemos também explicitar e conscientizar os alunos da importância das diversas maneiras de se expressar e de escrever diante de situações diversas, despindo-os de qualquer preconceito.

  2.2. Como preservar saberes populares na tentativa de fazê-los saberes escolares?
Devido às rápidas transformações tecnológicas, percebe-se na sociedade atual um rompimento com o passado, mesmo que recente, e o saber local passa progressivamente a ocupar um lugar menor numa escala de valores.  Hobsbawm (apud Chassot, p.6) ressalta como sendo papel dos historiadores “o ofício de lembrar o que os outros esquecem” e que Chassot acrescenta ser também responsabilidade dos educadores. É nesse intuito que nesta pesquisa buscamos nas raízes passadas novas perspectivas para o presente e para o futuro.
Cabe à escola transmitir um saber científico (que ela não produziu e nem sempre compreende em sua totalidade), mas ao mesmo tempo saber transmitir também a riqueza cultural da comunidade em que está inserida e que muitas vezes desconhece. Entre os três saberes, o saber popular é o de menor prestígio, mas deveríamos lembrar que esse saber foi, é ou poderá vir a ser um saber científico.
Para preservar um saber popular que está se extinguindo é necessário sistematizá-lo e difundi-lo, por isso essa proposta inclui também a elaboração de uma revista contendo os contos e cantigas selecionados e sua distribuição à comunidade participante do projeto.


3. REFERÊNCIAS TEÓRICAS

Com a intenção de chegar à resposta para as questões formuladas, baseamo-nos nos estudos teóricos de Marcos Bagno e Mário Perini sobre as questões das variações lingüísticas e suas práticas orais e escritas da língua portuguesa. A abordagem destes dois autores discute e faz um contraponto da escolha da língua culta como a língua padrão em detrimento das outras variantes lingüísticas da língua portuguesa.
E para desenvolver a questão da importância do resgate dos casos e cantigas populares fundamentamo-nos na dissertação de mestrado O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha, de Vera Lúcia Felício Pereira:

O conceito “sabença” indica a não ruptura entre a “cultura erudita” e a “cultura popular”, trata-se de um “saber saber” que implica a multiculturalidade, idéia de que culturas diferentes podem ser lidas e transformadas a partir de seu ponto de vista num gesto de reapresentação essencialmente antropofágico.


4. METODOLOGIA (detalhes dos procedimentos e os sujeitos da pesquisa)

Nossa investigação encontra-se fundamentada em nossa experiência acadêmica: aulas expositivas, trabalhos em grupos, palestras, leituras e discussões.
Pretendemos elaborar uma pesquisa-participante, segundo as propostas de Thiollent (apud Chassot, 2001: p.195):
  • interagindo com alunos e familiares;
  • focando a investigação na situação social e não nos sujeitos da pesquisa;
  • dando suporte aos alunos;
  • tentando resolver ou, pelo menos, esclarecer o nosso objeto de pesquisa;
  • centrando os objetivos na resolução do problema, na tomada de consciência e na produção de conhecimento, podendo ou não se processar simultaneamente;
  • definindo, ao longo da pesquisa, o procedimento operacional e o destino do estudo junto aos alunos.

  4.1. ATIVIDADE ESCOLAR: aplicação de histórias e cantigas populares em sala de aula


A atividade proposta a seguir é destinada a alunos que dominam a escrita: alunos a partir da 4a série do ensino fundamental.  A extensão para a aplicação deste projeto poderá ser bimestral / trimestral (conforme o cronograma seguido pela escola) ou semestral, de acordo com as necessidades da classe.
Essa atividade pode ajudar o professor a chamar a atenção dos alunos para a aula de português, além de servir para iniciar discussões sobre alguns fenômenos lingüísticos, mas seu objetivo principal é fazer com que os alunos apreciem e valorizem o saber popular, vendo-o aplicado ao ensino da língua portuguesa.
Ao discutir os saberes passados nos textos, sua aplicabilidade no ensino e a questão das variações da língua e sua riqueza cultural, espera-se que o aluno possa retornar esse saber à comunidade, valorizando as gerações mais velhas e as diferenças socioculturais da comunidade em que vive.

    4.1.1. Objetivos

  • Fazer com que os alunos recuperem informações implícitas e dedutivas, desenvolvendo a habilidade de ler nas entrelinhas, identificando os argumentos apresentados no texto.
  • Buscar reconstruir as intenções do texto popular, identificando os mecanismos lingüísticos que o constroem.
  • Desenvolver habilidades relacionadas ao processamento integrativo, estimulando o leitor a relacionar os vários textos que lê, percebendo as diferenças e semelhanças entre eles.
  • Fazer com que os alunos atentem para os aspectos ideológicos que há por trás das falas das personagens e das histórias populares.
  • Levar ao conhecimento do aluno a questão das variações lingüísticas e suas implicações sociais.
  • Levar o aluno refletir sobre a questão ideológica contida na adoção de uma única língua padrão e suas implicações na inclusão ou exclusão social.
  • Possibilitar ao aluno perceber a riqueza dos saberes populares e os benefícios que eles podem trazer à comunidade como um todo.
  • Produzir e imprimir uma coletânea de casos e cantigas e realizar seu lançamento junto à comunidade com o intuito de valorizar e de integrar os participantes do projeto: aqueles que contaram/cantaram, os alunos que escreveram e produziram o livreto e a comunidade escolar.

    4.1.2. Primeiros passos

  • Pede-se aos alunos que entrevistem pessoas mais velhas da comunidade, de preferência acima de 65 anos, colhendo histórias e cantigas que deverão anotar.
  • Os textos serão trabalhados em sala de aula e lidos em voz alta para toda a turma.

    4.1.3. Sugestão para a atividade tendo como base um texto-exemplo


EU PLANTEI UM GRÃO DE MIO,
IM OITU DIA ELE BROTÔ
DOIS MEIS LEVÔ CRESCENO;
NO TERCERU IMBUNECÔ,
NO QUARTU MÉIS, DEU ISPIGA
E NO QUINTU MÉIS, SECÔ!

  • Quem está falando para quem? Trace o perfil do locutor: idade, classe social, naturalidade, profissão, valores, apontando os elementos do texto que permitiram você tirar essas conclusões.
  • Qual o objetivo da pessoa que fala no texto? Sobre o que ela fala? Quais os elementos que levaram você a essa conclusão?
  • Comente a linguagem usada pelo locutor. Ele usa a mesma língua que você? E o dialeto, é o mesmo? Aponte as expressões do texto que possibilitaram você a chegar a essa conclusão.
  • O que você aprendeu de novo com esse texto? Há nele saberes que você desconhecia?
  • É possível relacionar o conteúdo do verso com pessoas ou situações que você conhece?

    4.1.4. Concluindo a atividade

  • Após as atividades e discussões envolvendo os textos, o aluno receberá seu texto de volta podendo reelaborá-lo.
  • Nessa etapa ele pode voltar ao idoso, explicar melhor o projeto, pedir autorização para publicar seu texto, pedir sugestões e algum dado que possa estar faltando.
  • De posse do texto final, o professor fará a revisão dos textos, sugerindo ou não modificações.
  • Uma comissão será escolhida pela classe. Cada um poderá digitar seu trabalho em casa ou no laboratório da escola e entregá-lo à comissão, que será responsável por acompanhar a diagramação, a revisão final e a impressão da revista.

    4.1.5. Avaliação

  • Nas atividades que estão sendo propostas, o processo é mais importante que o produto, portanto, a participação do aluno nas discussões e os significados que ele formulou e reformulou, as comparações entre as interpretações e as dos colegas, bem como as relações que estabeleceu entre os textos e a realidade, devem ser levadas em consideração como um trabalho produtivo que, conseqüentemente, vai gerar no aluno a aprendizagem, desenvolvendo habilidades de leitura e de expressão oral que farão dele a cada dia um leitor mais crítico e melhor cidadão.
  • Durante as discussões feitas pelos alunos, interpretações destoantes deverão ter sua pertinência analisada e julgada pela turma, de forma a permitir a convivência das diferenças, sem, contudo, deixar passar a idéia equivocada de que qualquer sentido construído para o texto é permitido e desejado.
  • Será desejável que o aluno relacione as personagens das histórias populares com pessoas de nosso cotidiano e, portanto, seja capaz de perceber a intenção do texto.
  • Ao final dessa atividade, espera-se que o aluno saiba perceber os elementos da situação discursiva, seu objetivo, e como a linguagem é manipulada em função dele.

    4.1.6. Alguns comentários sobre os textos

            Os textos podem conter palavras regionais e/ou palavras em desuso, o que pode dificultar a sua compreensão, mas o importante é o aluno entender o sentido como um todo, ou seja, quem está falando, para quem e com que intenção. Mais importante do que a resposta certa, é refletir sobre a língua.
            Neste tipo de texto, os alunos usam um registro muito coloquial e informal, típico dos falantes de sua região e o que dá a sensação de uma fala espontânea, mas mesmo assim é importante que o aluno perceba que o texto não reproduz fielmente a fala. É muito difícil ler transcrições de falas espontâneas, por isso, ao compor seus textos, eles devem ter percebido que na escrita evitamos muitas características da fala, como as repetições, hesitações, frases truncadas, marcadores conversacionais (né, tá, entende), etc.
            Devem ter percebido também que podemos escolher muitas variantes do português para escrever nossos textos, pois o português não é só a variante padrão. É preciso, no entanto, ao escrever, ter o cuidado de fazer escolhas de palavras, de estruturas adequadas ao registro mais ou menos formal que está sendo usado. Se o texto é informal devemos usar recursos adequados à escrita informal.


5. RESULTADOS (o que significou fazer esta pesquisa e os resultados e como isso se insere às questões levantadas)

  5.1. Qual o retorno que estamos dando à comunidade daquilo que pesquisamos?
Há uma necessidade social de se reverter os benefícios de uma pesquisa, numa postura despida de preconceitos, aos sujeitos que ofereceram sua contribuição. Essa atividade, ao buscar casos e cantigas junto à comunidade, visa transformá-los em saberes escolares, devolvendo-os à comunidade como um produto desses saberes.
Os resultados podem ser significativos, gerando diálogo entre as gerações, já que muitas vezes o jovem se surpreende com o saber dos mais velhos e estes se sentem gratificados com o reconhecimento verificado por eles, pela escola e pela academia. Os contos e casos relatados e registrados exercem um papel importante na construção da identidade e na fundação de uma consciência histórica.


6. BIBLIOGRAFIA

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Contexto, 2004.

CHASSOT, Attico. Saberes populares fazendo-se saberes escolares.
_________. Procurando resgatar a ciência nos saberes populares. In: Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Ed. INIJUI, 2001. p. 192-216.

COSCARELLI, Carla Viana. Livro de receitas do professor de português – Atividades para a sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

FELICIO Pereira, Vera Lúcia. O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha, UFMG/PUC-Minas, 1996, 206 pp.Maíra Santi Bühler Graduanda em Ciências Sociais – USP REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2000, V. 43 nº 2.
 

PERINI, Mario A. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Editora Ática, 1997.

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