Raquel Teles Yehezkel
Rogéria Rodrigues Ferreira
PROJETO DE PESQUISA:
“SABERES POPULARES FAZENDO-SE SABERES ESCOLARES”
Trabalho requisitado pela disciplina
Didática de Licenciatura,
profa. Vândiner Ribeiro.
Belo Horizonte 08 de maio de 2007-05-07
Faculdade de Educação / UFMG
1. INTRODUÇÃO
A princípio, o objetivo desta pesquisa seria colaborar
para o resgate da memória da comunidade em que o aluno vive, registrando casos
e cantigas contados e cantadas pelos mais velhos, valorizando, assim, as
relações entre as gerações. Posteriormente verificamos a possibilidade de
adensamento teórico, introduzindo a questão das variações lingüísticas
apresentadas nos textos orais e escritos.
As histórias e cantigas populares detêm saberes que,
aplicados na escola, transformam-se em saberes escolares, pois servem de
instrumentos para que os alunos compreendam melhor a comunidade como um todo e
também as suas particularidades, como a questão das variações da língua.
O objetivo desse trabalho de resgate de saberes
populares junto aos alunos intenta garantir a preservação de práticas que
correm o risco de extinção e, conseqüentemente, a ampliação do conhecimento,
sendo papel da escola valorizar os mais velhos e os não-letrados cujos saberes
devem ser levados à sala de aula.
2. PROBLEMA DE PESQUISA (definição do
problema escolhido e justificativas)
2.1. Por que resgatar os
casos e cantigas populares da comunidade?
Supomos que ao resgatar e registrar os
casos e cantigas populares das famílias da comunidade contados e cantados pelos
mais velhos estaremos valorizando a manutenção da memória coletiva, tornando-a
pública e lembrada.
Pretendemos também explicitar e conscientizar os alunos
da importância das diversas maneiras de se expressar e de escrever diante de
situações diversas, despindo-os de qualquer preconceito.
2.2. Como preservar saberes
populares na tentativa de fazê-los saberes escolares?
Devido às rápidas transformações tecnológicas,
percebe-se na sociedade atual um rompimento com o passado, mesmo que recente, e
o saber local passa progressivamente a ocupar um lugar menor numa escala de
valores. Hobsbawm (apud Chassot, p.6)
ressalta como sendo papel dos historiadores “o ofício de lembrar o que os
outros esquecem” e que Chassot acrescenta ser também responsabilidade dos
educadores. É nesse intuito que nesta pesquisa buscamos nas raízes passadas
novas perspectivas para o presente e para o futuro.
Cabe à escola transmitir um saber científico (que ela
não produziu e nem sempre compreende em sua totalidade), mas ao mesmo tempo
saber transmitir também a riqueza cultural da comunidade em que está inserida e
que muitas vezes desconhece. Entre os três saberes, o saber popular é o de
menor prestígio, mas deveríamos lembrar que esse saber foi, é ou poderá vir a
ser um saber científico.
Para preservar um saber popular que está se extinguindo
é necessário sistematizá-lo e difundi-lo, por isso essa proposta inclui também
a elaboração de uma revista contendo os contos e cantigas selecionados e sua
distribuição à comunidade participante do projeto.
3. REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Com a
intenção de chegar à resposta para as questões formuladas, baseamo-nos nos
estudos teóricos de Marcos Bagno e Mário Perini sobre as questões das variações
lingüísticas e suas práticas orais e escritas da língua portuguesa. A abordagem
destes dois autores discute e faz um contraponto da escolha da língua culta
como a língua padrão em detrimento das outras variantes lingüísticas da língua
portuguesa.
E para
desenvolver a questão da importância do resgate dos casos e cantigas populares
fundamentamo-nos na dissertação de mestrado O artesão da memória no Vale do
Jequitinhonha, de Vera Lúcia Felício Pereira:
O conceito “sabença” indica a não
ruptura entre a “cultura erudita” e a “cultura popular”, trata-se de um “saber
saber” que implica a multiculturalidade, idéia de que culturas diferentes podem
ser lidas e transformadas a partir de seu ponto de vista num gesto de
reapresentação essencialmente antropofágico.
4. METODOLOGIA (detalhes dos
procedimentos e os sujeitos da pesquisa)
Nossa investigação encontra-se fundamentada em nossa
experiência acadêmica: aulas expositivas, trabalhos em grupos, palestras,
leituras e discussões.
Pretendemos elaborar uma pesquisa-participante, segundo
as propostas de Thiollent (apud Chassot, 2001: p.195):
- interagindo com alunos e familiares;
- focando a investigação na situação social e não nos sujeitos da pesquisa;
- dando suporte aos alunos;
- tentando resolver ou, pelo menos, esclarecer o nosso objeto de pesquisa;
- centrando os objetivos na resolução do problema, na tomada de consciência e na produção de conhecimento, podendo ou não se processar simultaneamente;
- definindo, ao longo da pesquisa, o procedimento operacional e o destino do estudo junto aos alunos.
4.1. ATIVIDADE ESCOLAR: aplicação de histórias e cantigas populares em sala de aula
A atividade proposta a seguir é destinada a alunos que
dominam a escrita: alunos a partir da 4a série do ensino
fundamental. A extensão para a aplicação
deste projeto poderá ser bimestral / trimestral (conforme o cronograma seguido
pela escola) ou semestral, de acordo com as necessidades da classe.
Essa atividade
pode ajudar o professor a chamar a atenção dos alunos para a aula de português,
além de servir para iniciar discussões sobre alguns fenômenos lingüísticos, mas
seu objetivo principal é fazer com que os alunos apreciem e valorizem o saber
popular, vendo-o aplicado ao ensino da língua portuguesa.
Ao discutir os saberes passados nos textos, sua
aplicabilidade no ensino e a questão das variações da língua e sua riqueza
cultural, espera-se que o aluno possa retornar esse saber à comunidade,
valorizando as gerações mais velhas e as diferenças socioculturais da
comunidade em que vive.
4.1.1. Objetivos
- Fazer com que os alunos recuperem informações implícitas e dedutivas, desenvolvendo a habilidade de ler nas entrelinhas, identificando os argumentos apresentados no texto.
- Buscar reconstruir as intenções do texto popular, identificando os mecanismos lingüísticos que o constroem.
- Desenvolver habilidades relacionadas ao processamento integrativo, estimulando o leitor a relacionar os vários textos que lê, percebendo as diferenças e semelhanças entre eles.
- Fazer com que os alunos atentem para os aspectos ideológicos que há por trás das falas das personagens e das histórias populares.
- Levar ao conhecimento do aluno a questão das variações lingüísticas e suas implicações sociais.
- Levar o aluno refletir sobre a questão ideológica contida na adoção de uma única língua padrão e suas implicações na inclusão ou exclusão social.
- Possibilitar ao aluno perceber a riqueza dos saberes populares e os benefícios que eles podem trazer à comunidade como um todo.
- Produzir e imprimir uma coletânea de casos e cantigas e realizar seu lançamento junto à comunidade com o intuito de valorizar e de integrar os participantes do projeto: aqueles que contaram/cantaram, os alunos que escreveram e produziram o livreto e a comunidade escolar.
4.1.2. Primeiros passos
- Pede-se aos alunos que entrevistem pessoas mais velhas da comunidade, de preferência acima de 65 anos, colhendo histórias e cantigas que deverão anotar.
- Os textos serão trabalhados em sala de aula e lidos em voz alta para toda a turma.
4.1.3. Sugestão para a atividade tendo como base um texto-exemplo
EU PLANTEI UM GRÃO DE MIO,
IM OITU DIA ELE BROTÔ
DOIS MEIS LEVÔ CRESCENO;
NO TERCERU IMBUNECÔ,
NO QUARTU MÉIS, DEU ISPIGA
E NO QUINTU MÉIS, SECÔ!
- Quem está falando para quem? Trace o perfil do locutor: idade, classe social, naturalidade, profissão, valores, apontando os elementos do texto que permitiram você tirar essas conclusões.
- Qual o objetivo da pessoa que fala no texto? Sobre o que ela fala? Quais os elementos que levaram você a essa conclusão?
- Comente a linguagem usada pelo locutor. Ele usa a mesma língua que você? E o dialeto, é o mesmo? Aponte as expressões do texto que possibilitaram você a chegar a essa conclusão.
- O que você aprendeu de novo com esse texto? Há nele saberes que você desconhecia?
- É possível relacionar o conteúdo do verso com pessoas ou situações que você conhece?
4.1.4. Concluindo a atividade
- Após as atividades e discussões envolvendo os textos, o aluno receberá seu texto de volta podendo reelaborá-lo.
- Nessa etapa ele pode voltar ao idoso, explicar melhor o projeto, pedir autorização para publicar seu texto, pedir sugestões e algum dado que possa estar faltando.
- De posse do texto final, o professor fará a revisão dos textos, sugerindo ou não modificações.
- Uma comissão será escolhida pela classe. Cada um poderá digitar seu trabalho em casa ou no laboratório da escola e entregá-lo à comissão, que será responsável por acompanhar a diagramação, a revisão final e a impressão da revista.
4.1.5. Avaliação
- Nas atividades que estão sendo propostas, o processo é mais importante que o produto, portanto, a participação do aluno nas discussões e os significados que ele formulou e reformulou, as comparações entre as interpretações e as dos colegas, bem como as relações que estabeleceu entre os textos e a realidade, devem ser levadas em consideração como um trabalho produtivo que, conseqüentemente, vai gerar no aluno a aprendizagem, desenvolvendo habilidades de leitura e de expressão oral que farão dele a cada dia um leitor mais crítico e melhor cidadão.
- Durante as discussões feitas pelos alunos, interpretações destoantes deverão ter sua pertinência analisada e julgada pela turma, de forma a permitir a convivência das diferenças, sem, contudo, deixar passar a idéia equivocada de que qualquer sentido construído para o texto é permitido e desejado.
- Será desejável que o aluno relacione as personagens das histórias populares com pessoas de nosso cotidiano e, portanto, seja capaz de perceber a intenção do texto.
- Ao final dessa atividade, espera-se que o aluno saiba perceber os elementos da situação discursiva, seu objetivo, e como a linguagem é manipulada em função dele.
4.1.6. Alguns comentários sobre os textos
Os textos podem
conter palavras regionais e/ou palavras em desuso, o que pode dificultar a sua
compreensão, mas o importante é o aluno entender o sentido como um todo, ou
seja, quem está falando, para quem e com que intenção. Mais importante do que a
resposta certa, é refletir sobre a língua.
Neste tipo de
texto, os alunos usam um registro muito coloquial e informal, típico dos
falantes de sua região e o que dá a sensação de uma fala espontânea, mas mesmo
assim é importante que o aluno perceba que o texto não reproduz fielmente a
fala. É muito difícil ler transcrições de falas espontâneas, por isso, ao
compor seus textos, eles devem ter percebido que na escrita evitamos muitas
características da fala, como as repetições, hesitações, frases truncadas, marcadores
conversacionais (né, tá, entende), etc.
Devem ter percebido
também que podemos escolher muitas variantes do português para escrever nossos
textos, pois o português não é só a variante padrão. É preciso, no entanto, ao
escrever, ter o cuidado de fazer escolhas de palavras, de estruturas adequadas
ao registro mais ou menos formal que está sendo usado. Se o texto é informal
devemos usar recursos adequados à escrita informal.
5. RESULTADOS (o que significou fazer
esta pesquisa e os resultados e como isso se insere às questões levantadas)
5.1. Qual o retorno que
estamos dando à comunidade daquilo que pesquisamos?
Há uma necessidade social de se reverter os benefícios de uma
pesquisa, numa postura despida de preconceitos, aos sujeitos que ofereceram sua
contribuição. Essa atividade, ao buscar casos e cantigas junto à comunidade,
visa transformá-los em saberes escolares, devolvendo-os à comunidade como um
produto desses saberes.
Os
resultados podem ser significativos, gerando diálogo entre as gerações, já que
muitas vezes o jovem se surpreende com o saber dos mais velhos e estes se
sentem gratificados com o reconhecimento verificado por eles, pela escola e
pela academia. Os contos e casos relatados e registrados exercem um papel
importante na construção da identidade e na fundação de uma consciência
histórica.
6. BIBLIOGRAFIA
BAGNO, Marcos. A língua de
Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Contexto, 2004.
CHASSOT, Attico. Saberes populares fazendo-se saberes escolares.
_________. Procurando resgatar a ciência nos saberes populares. In:
Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Ed.
INIJUI, 2001. p. 192-216.
COSCARELLI, Carla Viana. Livro de receitas do professor de português – Atividades para a sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
FELICIO Pereira, Vera Lúcia. O artesão da memória no
Vale do Jequitinhonha, UFMG/PUC-Minas, 1996, 206 pp.Maíra Santi Bühler Graduanda
em Ciências Sociais – USP REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2000, V. 43
nº 2.
PERINI, Mario A. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Editora
Ática, 1997.
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