ALUNA: RAQUEL TELES YEHEZKEL / Mat: 2004028801
MATÉRIA: O ROMANCE DE GRACILIANO RAMOS
PROFa: CLÁUDIA CAMPOS
AVALIAÇÃO
FINAL: 24.06.08
1-
“Vidas secas começa por uma fuga e acaba
com outra. Decorre entre duas situações idênticas, de tal modo que o fim,
encontrando o princípio, fecha a ação num círculo” (CÂNDIDO, in: Ficção e
confissão, p.39). Demonstre e interprete esta estrutura circular da narrativa.
Vidas Secas é uma narrativa de carências, de faltas (expressas tanto na
concisão da linguagem quanto nas necessidades de seus personagens), que, em “ritmo
pendular”: chuva / seca, carência / abundância, fartura / privação, perfaz a
forma de um ciclo de uma seca à outra. O livro começa com o capítulo “Mudança”
e termina com “Fuga”, ambos retratando uma situação idêntica: a fuga da seca. De
modo que o fim encontra o início, fechando o enredo em círculo. Representando o
círculo que se fecha, há uma correspondência temática entre os capítulos, em
ritmo pendular: o primeiro e o último (tratam da fuga: chegada e saída), o
segundo e o penúltimo (tratam da visão de Fabiano sobre seu mundo: uma a
reflexão durante os preparativos da chegada e, no outro, sobre a preeminência
de novamente partir), o terceiro e o antipenúltimo (tratam dos encontros entre
Fabiano e o Soldado Amarelo, um no habitat do soldado e outro no de Fabiano,
refletindo sobre a situação de poder no sertão), “Sinhá Vitória” corresponde a
“Contas” (tratam da ótica de Sinhá Vitória), “O menino mais velho” e “O menino
mais novo” correspondem a “Festa” e “Baleia”, respectivamente (envolvem
perspectivas das crianças sobre seu mundo), “Inverno” fica no centro, momento
ímpar no livro: chuva torrencial que em torno do fogo une, ainda que de forma
incompleta (goteiras, frio), a família em intimidade, para, no capítulo
seguinte, recomeçar a desintegração até, novamente, a fuga da seca.
Por essa construção aparentemente
desintegrada, mas integrada pelo ciclo da seca, Vidas Secas é uma
narrativa fatalista, pois simboliza a impossibilidade de fugir dessa estrutura
cíclica, repetindo, dessa forma, a impossibilidade de as personagens fugirem ao
ciclo da miséria. Assim sendo, continuar o enredo seria redundante, já que o
ciclo tornaria a se repetir, mesmo se chegassem à cidade grande.
2-
Considere
o trecho transcrito abaixo de Infância:
Espanto,
e enorme, senti ao enxergar meu pai abatido na sala, o gesto lento.
Habituara-me a vê-lo grave, silencioso, acumulando energia para gritos
medonhos. Os gritos vulgares perdiam-se; os dele ocasionavam movimentos
singulares: as pessoas atingidas baixavam a cabeça, humildes, ou corriam a
executar ordens. Eu era ainda muito novo para compreender que a fazenda lhe
pertencia. Notava diferenças entre os indivíduos que se sentavam nas redes e os
que se acocoravam no alpendre. O gibão de meu pai tinha diversos enfeites; no
de Amaro havia numerosos buracos e remendos. (...) Meu pai era terrivelmente
poderoso, e essencialmente poderoso. Não me ocorria que o poder estivesse fora
dele, de repente o abandonasse, deixando-o fraco e normal, um gibão roto sobre
a camisa curta. (...) Na rua examinei o ente sólido, áspero com os
trabalhadores, garboso nas cavalhadas. Vi-o arrogante, submisso, agitado,
apreensivo – um despotismo que às vezes se encolhia, impotente e lacrimoso.
Hoje acho naturais as violências que o cegavam. Se ele estivesse em baixo,
livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos
vivido em sossego. Mas
no meio, receando cair, avançando a custo, perseguido pelo verão, arruinado
pela epizootia, indeciso, obediente ao chefe político, à justiça e ao fisco,
precisava desabafar, soltar a zanga concentrada. Aperreava o devedor e
afligia-se temendo calotes. Venerava o credor e, pontual no pagamento,
economizava com avareza. Só não economizava pancadas e repreensões. Éramos
repreendidos e batidos.
Pode-se dizer que, no trecho transcrito acima, o
narrador se coloca, simultaneamente próximo e distante do narrado. Apresente
elementos e argumentos que confirmem essa afirmação.
Mesmo sentindo “sempre um certo
esqueleto de realidade escorando os arrancos da fantasia”, toda criação
biográfica “contém maior ou menor dose de romance” (p.41), já que a
objetividade pura inexiste na relação entre o sujeito e seu objeto de análise.
No caso de Infância, uma autobiografia, o objeto de análise do narrador é
sua própria infância, o que torna o distanciamento mais difícil e a
objetividade mais suscetível, já que a relação narrador/personagem acarreta maior
aproximação e, consequentemente, maior carga de subjetividade. Há também, em
todo relato biográfico e em Infância especificamente, um distanciamento
temporal, pois o narrador conta a história muito depois de ocorrida. Ao
debruçar-se sobre o passado, trazendo as recordações para o presente, efetua-se
a criação da linguagem. Sabemos que a memória é capaz de promover tanto o
resgate do passado quanto o seu esquecimento, sabemos também que o texto nasce de
lacunas, da falta de sentido e que é traço de uma ausência. Coloca-se então a
questão da memória: do que vem ou não à tona, do que registrar ou deixar de
registrar, o que interferirá, por certo, na objetividade da análise.
Em Infância, percebe-se um
narrador crítico, ferrenhamente autocrítico, que busca uma análise mais
distanciada apesar dessa aproximação, que sim investiga a vida psicológica, mas
como resultante de determinada ordem histórico-social, claramente expressa na
passagem citada acima, em que a visão do menino vem com a reflexão do adulto
capaz de elaborar as dificuldades vividas então pelo pai “estivesse em baixo,
livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos
vivido em sossego”. Trata-se, portanto, de escolhas: de como e o que escrever.
Há, portanto, a decisão do autor/narrador de trazer à tona acontecimentos
passados, registrando-os, através da literatura, em um exercício de compreender
o vivido. Por meio dessa cadeia de acontecimentos, o narrador de Infância deixa-nos
perceber algumas razões pelas quais sofrimento e pessimismo tornaram-se a base
da organização de seu mundo.
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