sábado, 20 de julho de 2013

O ROMANCE DE GRACILIANO RAMOS



ALUNA: RAQUEL TELES YEHEZKEL / Mat: 2004028801
MATÉRIA: O ROMANCE DE GRACILIANO RAMOS
PROFa: CLÁUDIA CAMPOS
AVALIAÇÃO FINAL: 24.06.08

1-     Vidas secas começa por uma fuga e acaba com outra. Decorre entre duas situações idênticas, de tal modo que o fim, encontrando o princípio, fecha a ação num círculo” (CÂNDIDO, in: Ficção e confissão, p.39). Demonstre e interprete esta estrutura circular da narrativa.

            Vidas Secas é uma narrativa de carências, de faltas (expressas tanto na concisão da linguagem quanto nas necessidades de seus personagens), que, em “ritmo pendular”: chuva / seca, carência / abundância, fartura / privação, perfaz a forma de um ciclo de uma seca à outra. O livro começa com o capítulo “Mudança” e termina com “Fuga”, ambos retratando uma situação idêntica: a fuga da seca. De modo que o fim encontra o início, fechando o enredo em círculo. Representando o círculo que se fecha, há uma correspondência temática entre os capítulos, em ritmo pendular: o primeiro e o último (tratam da fuga: chegada e saída), o segundo e o penúltimo (tratam da visão de Fabiano sobre seu mundo: uma a reflexão durante os preparativos da chegada e, no outro, sobre a preeminência de novamente partir), o terceiro e o antipenúltimo (tratam dos encontros entre Fabiano e o Soldado Amarelo, um no habitat do soldado e outro no de Fabiano, refletindo sobre a situação de poder no sertão), “Sinhá Vitória” corresponde a “Contas” (tratam da ótica de Sinhá Vitória), “O menino mais velho” e “O menino mais novo” correspondem a “Festa” e “Baleia”, respectivamente (envolvem perspectivas das crianças sobre seu mundo), “Inverno” fica no centro, momento ímpar no livro: chuva torrencial que em torno do fogo une, ainda que de forma incompleta (goteiras, frio), a família em intimidade, para, no capítulo seguinte, recomeçar a desintegração até, novamente, a fuga da seca.
            Por essa construção aparentemente desintegrada, mas integrada pelo ciclo da seca, Vidas Secas é uma narrativa fatalista, pois simboliza a impossibilidade de fugir dessa estrutura cíclica, repetindo, dessa forma, a impossibilidade de as personagens fugirem ao ciclo da miséria. Assim sendo, continuar o enredo seria redundante, já que o ciclo tornaria a se repetir, mesmo se chegassem à cidade grande.

2-     Considere o trecho transcrito abaixo de Infância:

Espanto, e enorme, senti ao enxergar meu pai abatido na sala, o gesto lento. Habituara-me a vê-lo grave, silencioso, acumulando energia para gritos medonhos. Os gritos vulgares perdiam-se; os dele ocasionavam movimentos singulares: as pessoas atingidas baixavam a cabeça, humildes, ou corriam a executar ordens. Eu era ainda muito novo para compreender que a fazenda lhe pertencia. Notava diferenças entre os indivíduos que se sentavam nas redes e os que se acocoravam no alpendre. O gibão de meu pai tinha diversos enfeites; no de Amaro havia numerosos buracos e remendos. (...) Meu pai era terrivelmente poderoso, e essencialmente poderoso. Não me ocorria que o poder estivesse fora dele, de repente o abandonasse, deixando-o fraco e normal, um gibão roto sobre a camisa curta. (...) Na rua examinei o ente sólido, áspero com os trabalhadores, garboso nas cavalhadas. Vi-o arrogante, submisso, agitado, apreensivo – um despotismo que às vezes se encolhia, impotente e lacrimoso. Hoje acho naturais as violências que o cegavam. Se ele estivesse em baixo, livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos vivido em sossego. Mas no meio, receando cair, avançando a custo, perseguido pelo verão, arruinado pela epizootia, indeciso, obediente ao chefe político, à justiça e ao fisco, precisava desabafar, soltar a zanga concentrada. Aperreava o devedor e afligia-se temendo calotes. Venerava o credor e, pontual no pagamento, economizava com avareza. Só não economizava pancadas e repreensões. Éramos repreendidos e batidos.

Pode-se dizer que, no trecho transcrito acima, o narrador se coloca, simultaneamente próximo e distante do narrado. Apresente elementos e argumentos que confirmem essa afirmação.


            Mesmo sentindo “sempre um certo esqueleto de realidade escorando os arrancos da fantasia”, toda criação biográfica “contém maior ou menor dose de romance” (p.41), já que a objetividade pura inexiste na relação entre o sujeito e seu objeto de análise. No caso de Infância, uma autobiografia, o objeto de análise do narrador é sua própria infância, o que torna o distanciamento mais difícil e a objetividade mais suscetível, já que a relação narrador/personagem acarreta maior aproximação e, consequentemente, maior carga de subjetividade. Há também, em todo relato biográfico e em Infância especificamente, um distanciamento temporal, pois o narrador conta a história muito depois de ocorrida. Ao debruçar-se sobre o passado, trazendo as recordações para o presente, efetua-se a criação da linguagem. Sabemos que a memória é capaz de promover tanto o resgate do passado quanto o seu esquecimento, sabemos também que o texto nasce de lacunas, da falta de sentido e que é traço de uma ausência. Coloca-se então a questão da memória: do que vem ou não à tona, do que registrar ou deixar de registrar, o que interferirá, por certo, na objetividade da análise.        
            Em Infância, percebe-se um narrador crítico, ferrenhamente autocrítico, que busca uma análise mais distanciada apesar dessa aproximação, que sim investiga a vida psicológica, mas como resultante de determinada ordem histórico-social, claramente expressa na passagem citada acima, em que a visão do menino vem com a reflexão do adulto capaz de elaborar as dificuldades vividas então pelo pai “estivesse em baixo, livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos vivido em sossego”. Trata-se, portanto, de escolhas: de como e o que escrever. Há, portanto, a decisão do autor/narrador de trazer à tona acontecimentos passados, registrando-os, através da literatura, em um exercício de compreender o vivido. Por meio dessa cadeia de acontecimentos, o narrador de Infância deixa-nos perceber algumas razões pelas quais sofrimento e pessimismo tornaram-se a base da organização de seu mundo.

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