Ana Berenice
Daniel Rameh
Ernani
Raquel Teles
Ricardo Napoleão
DESENVOLVIMENTO DO ITEM LEXICAL
TRIGO EM LÍNGUAS ROMÂNICAS
Trabalho requisitado pela disciplina de
Filologia Românica, ministrada pelo
prof. César Nardelli.
Faculdade de Letras
Universidade
Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte 14
de maio de 2008
TRIGO
I - Identificação do campo semântico e do
conceito em análise: Cereais à Trigo
II - Quadro sinóptico com os itens lexicais
correspondentes em línguas românicas:
Dados principais
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português
|
trigo (Machado (1995:338))
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espanhol
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trigo (Corominas
(1991: 575))
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catalão
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blat (Giralt i
Radigales (2006: versão online))
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francês
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blé (Robert (1993))
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italiano
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Grano (Migliorini & Bruno (1953:253))
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romeno
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Grîu (Cioranescu
(1958))
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Dados complementares
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aragonês
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trigo (Meyer-Lübke
(1935))
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galego
|
trigo
(Wikipédia(2008))
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liguriano
|
gran (Wikipédia
(2008))
|
provençal
|
blat (Meyer-Lübke (1935))
|
siciliano
|
furmento (Wikipédia
(2008))
|
valão
|
frumint (Wikipédia
(2008))
|
III - Análise individual de cada item lexical
III.1.
Português trigo (1ª atestação: [em doc. port.] 1089 (Houaiss
(2001:2767))
- Origem: lat. cl. triticum
- Evolução de triticu-
Latim
|
/trītĭkŭ/
|
a) Manutenção /t-/ em sílaba
inicial (Lausberg (1987:167 [§304]))
b) Perda da quantidade e
manutenção do timbre /ī/ tônico (Lausberg (1987:116 [§166]))
c) Sonorização de /-t-/
(Lausberg (1987:192 [§ 378])
d) Perda da quantidade e
rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 250]))
e) Sonorização de /-k-/
intervocálico seguido de e, o, u (Williams (1975:78 [§73])
f) Síncope /-d-/ intervocálico
(*mudança imprevista)
g) Contração de duas vogais
em hiato (Williams (1975:103 [§99])
Português
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/trītĭkŭ/
/tritikŭ/
/tridikŭ/
/tridiko/
/tridigo/
/triigo/
/trigo/
/trigo/
|
Observação: * A síncope do /-d-/ intervocálico
em português é uma mudança irregular, imprevista e não consta em Lausberg nem
em Williams. Williams, porém, cita a queda de /-d-/ intervocálico em mesmo
e na segunda pessoa do plural “em todos os tempos em que permaneceu
intervocálico, desenvolvimento que pode ter sido de origem dialetal, isto é,
pode ter-se originado de alguma região em que o d intervocálico (do lat.
cl. t.) sempre caía, como é o caso hoje em dia em San Martin de Trevejo e
outras partes da Espanha. A mesmo modificação ocorreu mas muito mais cedo no
desenvolvimento de metipsimum para meesmo, hoje mesmo”
(Williams (1975:79 [§74]). Veja também sobre a fricatização de /-d-/ intervocálico e perda de [δ] em línguas românicas em Lausberg,
1987:192, § 377.
III. 2. Espanhol trigo (primeira
atestação: séc. X (Documento leonés de 964) (Corominas (1991: 575)))
Observação: Outras vezes aparecem formas mais
tradicionais: tridicu em documento
alto-aragonés de 1024, tridico em
outro da mesma procedência de 1101, tridigo
em escrituras leonesas de 1003 e 1111. (Corominas(1991: 575))
-
Origem: latim triticum
-
Evolução de triticu-
Latim
|
/trītĭkŭ/
|
a) Manutenção /t-/ em sílaba
inicial (Lausberg (1987:167 [§304]))
b) Perda da quantidade e
manutenção do timbre /ī/ tônico (Lausberg (1987:116 [§166]))
c) Sonorização de /-t-/ intervocálico
(Lausberg (1987:192 [§ 378]))
d) Perda da quantidade e
rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 250]))
e) Sonorização de /-k-/ intervocálico seguido
de e, o, u (Williams (1975:78 [§73])*
f) Síncope de /-i-/
pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])**
g) Fricatização do /-d-/ e
perda de [δ] (Lausberg (1987:192 [§
377])***
|
/trītĭkŭ/
/tritikŭ/
/tridikŭ/
/tridiko/
/tridigo/
/tridγo/
/triγo/
|
Espanhol
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/triγo/
|
Observação:
1) Livro de Esopo: aparecimento de triigo (port. sec. XIV) – Dá a entender que TRIDICUM passou a triego e logo trigo, perdendo a -d- intervocálica. No entanto, tal
evolução é rechassada por M. P., pois seria contrariaria todo o tratamento das
postônicas do espanhol, que não é possível aceitá-la. Assim, a grafia do Livro
de Esopo não tem importância por tratar-se de uma das tantas duplicaçoes
meramente gráficas e anti-etimológicas correspondentes ao textos medievais
(principalmente portugueses). (Corominas(1991: 575))
2) Sobre a
evolução fonética: -ATICUM e análogos passaram primeiro a –adgo com -d-
fricativa e fraca, antes de chegar o –azgo; o mesmo aconteceu com tridgo, mas neste caso o d sempre fraco,
foi eliminado pela dissimilação do t-. (Corominas(1991: 575))
e) Síncope de /-i-/
pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])*
f) Fricatização do /-d-/ e
perda de [δ] (Lausberg (1987:192 [§
377])**
|
/tridγo/
/triγo/
|
*Na parte meridional da România ocidental, em
espanhol moderno e catalão, [g] é afrouxado para [γ] (securu esp. Seguro [-γ-],
cat. Segur [-γ-]), enquanto em português
este afrouxamento só se encontra esboçado (seguro). (Lausberg (1987:197 [§ 401]))
**As vogais postónicas têm pouca compreensão
respiratória (cf. § 118). Em
sardo e it. (centro e sul da Itália (...) mantêm-se em quase toda a sua
totalidade. O rom. já não mostra o mesmo grau de conservação. O esp. e port.
reduzem ainda mais as vogais postónicas. (Lausberg (1987:155 [§ 272]))
***Segundo (Lausberg (1987:192 [§ 377])), na România ocidental o -d- latino
passa à fricativa [δ], qual evolui diferentemente nas
diversas áreas. Em castellano, asism como na língua escrita espanhola,
encontramos, a par da queda normal (pede pié,
videre ver, audire oir). Esta seria a justificativa da
queda do -d- presente em trigo.
III.3.
Catalão blat (1ª atestação: séc. IX (Giralt i Radigales (2006: versão
online))
- Origem: celta blato- (Giralt i Radigales (2006: versão online))
- Evolução de blato-
Celta
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/blato/
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a) Sonorização de /-t-/ intervocálico (Lausberg (1987:192 [§378])
b) Apócope de /-o/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])
c) Desvozeamento de oclusiva final (Duarte i Montserrat & Alsina i
Keith (1984: 215))
|
/blado/
/blad/
/blat/
|
Catalão
|
/blat/
|
Observação: Apesar de não ser de origem latina,
a data da entrada do vocábulo na língua o predispõe a sofrer as mesmas mudanças
fonéticas/fonológicas do léxico proveniente do latim vulgar
III. 4. Francês blé (1ª atestação: 1080 blet (Robert: 1993))
- Origem: frâncico *blatum (trigo) (Meyer-Lübke: 1935)
- Evolução de blatu-
Frâncico
|
/blatu/
|
a) Sonorização de /-t-/ intervocálico (Lausberg (1987:192 [§378]))
b) Palatalização de /-a-/ tônico em sílaba aberta (Lausberg (1993: 228
[§174]))
c) Perda de quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149
[§ 250]))
c) Apócope de /-o/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272]))
d) Desvozeamento de oclusiva final (Lausberg (1993: 434[§ 547]))
e) Apócope de /-t/ em final de palavra (Lausberg (1993: 434 [§ 547]))
|
/bladŭ /
/bledŭ /
/bledo/
/bled/
/blet/
/ble/
|
Francês moderno
|
/ble/
|
Observação:
Robert (1993) considera a possibilidade da
origem da palavra blé ser o gaulês blad, caso no qual a evolução ocorreria
da seguinte maneira:
Glaulês
|
/blad/
|
a) Palatalização de /-a-/ tônico em sílaba aberta (Lausberg (1993: 228
[§174])
b) Desvozeamento de oclusiva final (Lausberg (1993: 434[§ 547]))
c) Apócope de /-t/ em final de palavra (Lausberg (1993: 434 [§ 547])
|
/bled/
/blet/
/ble/
|
Francês moderno
|
/ble/
|
III. 5.
Italiano grano (Migliorini & Bruno (1953:253))
-
Origem: lat. granu(m), análogo ao gótico
kaurn, ted. Korn, ingl. corn (Olivieri (1953:356))
-
Evolução de granu-
Latim
|
/granŭ/
|
a) perda da quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149
[§ 249,250]))
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/grano/
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Italiano
|
/grano/
|
III. 6.
Romeno grîu
- Origem:
lat. grānum (Cioranescu, 1958: 380)
- Evolução de granu-:
Latim
|
grānŭm/
|
a) Perda da quantidade
e alçamento do /-ā/ em /-î/ (Lausberg (1987: 142 [§231]))
b) Perda da quantidade
e manutenção do timbre /u/ (Lausberg (1987: 149 [§250]))
c) Assimilação do /n/
em /r/ (Cioranescu (1958: 380))
d) Dissimilação eliminadora do /r/ (Cioranescu (1958: 380))
|
/grînŭ/
/grînu/
/grîru/
/grîu/
|
Romeno
|
/grîu/
|
Observação:
A evolução da
palavra é controversa. O resultado comum deveria ser a formação do
termo "grîn" , a partir da perda do /u/ (Lausberg (1987:158
[§281]), o que, entretanto, não ocorre. A explicação acima apresentada foi
encontrada em CIORANESCU, 1958, p.380. É o próprio autor quem enumera outras
análises concebidas por outros filólogos: para Miklosich, trata-se de um termo
autóctone; Skok, por outro lado, diz que a explicação deve ser encontrada no
fato de a vogal nasal estar em posição final, o que levaria à inovação;
paralelamente a este, Rosetti também sustenta que o /-u/ final condicionaria a
inovação. (apud Cioranescu, 1958: 380).
IV. Análise comparativa dos itens lexicais
IV. 1 Origem:
a) Formas provenientes
de triticum: aragonês/galego/port./esp. trigo;
b) Formas provenientes
de *blatum: provençal/cat. blat,
fran. blé
c) Formas provenientes
de granum: ita. grano,
rom. grîu
d) Formas provenientes
de frumentum: valão frumint,
siciliano furmento
IV. 2 Problemas
relativos à regularidade das mudanças fônicas:
a) Síncope de /-d-/
intervocálico no port.
V. Distribuição areal
a) O esp. e o port. preservaram a forma mais antiga (triticu-) por
serem áreas mais afastadas do centro de difusão.
b) Por ser Roma o centro difusor, o italiano fixou a forma mais nova (granu-),
que também se fixou no rom. por ser esta área de latinização tardia.
c) O fr. e o cat. fixaram a forma do substrato celta.
VI. Referências bibliográficas:
CIORANESCU,
Alejandro. Diccionario etimológico rumano. Tenerife :
Univ. de la Laguna, 1958.
GIRALT I
RADIGALES, Jesús. (Dir) Gran diccionari
de la llengua catalana. Barcelona: Enciclopèdia Catalana,
1998. [Versão online: /www.grec.net/home/cel/dicc
DISC.
Dizionario Italiano Sabatini Coletti. Eletrônico. 1997.
LABORDERIE,
Noelle. Précis de phonétique historique.
Paris: Nathan, 1994.
LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. 2.ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
___________________. Lingüística románica. 4.ed. Madrid:
Gredos, 1993.
MACHADO, José Pedro. Dicionário
etimológico da língua portuguesa. Livros Horizontes, 1995.
MEYER-LÜBKE,
Wilhelm. Romanisches etymologisches
Wörterbuch. 3. aufl. / rev. e aum.
Heidelberg: Carl Winters Universitäs-Buchhandlung, 1935.
MIGLIORINI, Bruno. Prontuário
etimológico della língua italiana. Torino: Paravia, 1953.
OLIVIERI,
Dante. Dizionario etimológico italiano: concordato. Milano: Ceschina,
1953.
PRATI,
Angélico. Vocabolario etimológico italiano. Torino: Garzanti, 1951.
ROBERT, Paul. Le
nouveau petit Robert : dictionnaire alphabetique et
analogique de la langue française. Nouvelle ed. Paris: Dictionnaires Le
Robert, 1993.
WILLIAMS,
Edwin Bucher. Do latim ao português. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
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