sábado, 20 de julho de 2013

DESENVOLVIMENTO DO ITEM LEXICAL "TRIGO" EM LÍNGUAS ROMÂNICAS



Ana Berenice
Daniel Rameh
Ernani
Raquel Teles
Ricardo Napoleão








DESENVOLVIMENTO DO ITEM LEXICAL
TRIGO EM LÍNGUAS ROMÂNICAS





Trabalho requisitado pela disciplina de
Filologia Românica, ministrada pelo
prof. César Nardelli.





Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte 14 de maio de 2008



TRIGO

I - Identificação do campo semântico e do conceito em análise: Cereais à Trigo

II - Quadro sinóptico com os itens lexicais correspondentes em línguas românicas:

Dados principais
português
trigo  (Machado (1995:338))
espanhol
trigo (Corominas (1991: 575))
catalão
blat (Giralt i Radigales (2006: versão online))
francês
blé (Robert (1993))
italiano
Grano (Migliorini & Bruno (1953:253))
romeno
Grîu (Cioranescu (1958))

Dados complementares
aragonês
trigo (Meyer-Lübke (1935))
galego
trigo (Wikipédia(2008))
liguriano
gran (Wikipédia (2008))
provençal
blat (Meyer-Lübke (1935))
siciliano
furmento (Wikipédia (2008))
valão
frumint (Wikipédia (2008))



III - Análise individual de cada item lexical

III.1. Português trigo (1ª atestação: [em doc. port.] 1089 (Houaiss (2001:2767))

            - Origem: lat. cl. triticum
            - Evolução de triticu-

Latim
/trītĭkŭ/
a) Manutenção /t-/ em sílaba inicial (Lausberg (1987:167 [§304]))
b) Perda da quantidade e manutenção do timbre /ī/ tônico (Lausberg (1987:116 [§166]))
c) Sonorização de /-t-/ (Lausberg (1987:192 [§ 378])                                     
d) Perda da quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 250]))
e) Sonorização de /-k-/ intervocálico seguido de e, o, u (Williams (1975:78 [§73])   
f) Síncope /-d-/ intervocálico (*mudança imprevista)                   
g) Contração de duas vogais em hiato (Williams (1975:103 [§99])                              
Português
/trītĭkŭ/
/tritikŭ/
/tridikŭ/
/tridiko/
/tridigo/
/triigo/
/trigo/
/trigo/

Observação: * A síncope do /-d-/ intervocálico em português é uma mudança irregular, imprevista e não consta em Lausberg nem em Williams. Williams, porém, cita a queda de /-d-/ intervocálico em mesmo e na segunda pessoa do plural “em todos os tempos em que permaneceu intervocálico, desenvolvimento que pode ter sido de origem dialetal, isto é, pode ter-se originado de alguma região em que o d intervocálico (do lat. cl. t.) sempre caía, como é o caso hoje em dia em San Martin de Trevejo e outras partes da Espanha. A mesmo modificação ocorreu mas muito mais cedo no desenvolvimento de metipsimum para meesmo, hoje mesmo” (Williams (1975:79 [§74]). Veja também sobre a fricatização de  /-d-/ intervocálico e perda de [δ] em línguas românicas em Lausberg, 1987:192, § 377.

III. 2. Espanhol trigo (primeira atestação: séc. X (Documento leonés de 964) (Corominas (1991: 575)))

Observação: Outras vezes aparecem formas mais tradicionais: tridicu em documento alto-aragonés de 1024, tridico em outro da mesma procedência de 1101, tridigo em escrituras leonesas de 1003 e 1111. (Corominas(1991: 575))

            - Origem: latim triticum
            - Evolução de triticu-
Latim
/trītĭkŭ/
a) Manutenção /t-/ em sílaba inicial (Lausberg (1987:167 [§304]))
b) Perda da quantidade e manutenção do timbre /ī/ tônico (Lausberg (1987:116 [§166]))
c) Sonorização de /-t-/ intervocálico (Lausberg (1987:192 [§ 378]))
d) Perda da quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 250]))
e)  Sonorização de /-k-/ intervocálico seguido de e, o, u (Williams (1975:78 [§73])*
f) Síncope de /-i-/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])**
g) Fricatização do /-d-/ e perda de [δ] (Lausberg (1987:192 [§ 377])***
/trītĭkŭ/
/tritikŭ/
/tridikŭ/
/tridiko/
/tridigo/
/tridγo/
/triγo/
Espanhol
/triγo/

Observação:
1)      Livro de Esopo: aparecimento de triigo (port. sec. XIV) – Dá a entender que TRIDICUM passou a triego e logo trigo, perdendo a -d- intervocálica. No entanto, tal evolução é rechassada por M. P., pois seria contrariaria todo o tratamento das postônicas do espanhol, que não é possível aceitá-la. Assim, a grafia do Livro de Esopo não tem importância por tratar-se de uma das tantas duplicaçoes meramente gráficas e anti-etimológicas correspondentes ao textos medievais (principalmente portugueses). (Corominas(1991: 575))

2)      Sobre a evolução fonética: -ATICUM e análogos passaram primeiro a –adgo com -d- fricativa e fraca, antes de chegar o –azgo; o mesmo aconteceu com tridgo, mas neste caso o d sempre fraco, foi eliminado pela dissimilação do t-. (Corominas(1991: 575))

e) Síncope de /-i-/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])*
f) Fricatização do /-d-/ e perda de [δ] (Lausberg (1987:192 [§ 377])**
/tridγo/
/triγo/


*Na parte meridional da România ocidental, em espanhol moderno e catalão, [g] é afrouxado para [γ] (securu esp. Seguro [-γ-], cat. Segur [-γ-]),  enquanto em português este afrouxamento só se encontra esboçado (seguro). (Lausberg (1987:197 [§ 401]))

**As vogais postónicas têm pouca compreensão respiratória (cf. § 118). Em sardo e it. (centro e sul da Itália (...) mantêm-se em quase toda a sua totalidade. O rom. já não mostra o mesmo grau de conservação. O esp. e port. reduzem ainda mais as vogais postónicas. (Lausberg (1987:155 [§ 272]))

***Segundo (Lausberg (1987:192 [§ 377])), na România ocidental o -d- latino passa à fricativa [δ], qual evolui diferentemente nas diversas áreas. Em castellano, asism como na língua escrita espanhola, encontramos, a par da queda normal (pede pié, videre ver, audire oir). Esta seria a justificativa da queda do -d- presente em trigo.


III.3. Catalão blat (1ª atestação: séc. IX (Giralt i Radigales (2006: versão online))

            - Origem: celta blato- (Giralt i Radigales (2006: versão online))
            - Evolução de blato-

Celta
/blato/
a) Sonorização de /-t-/ intervocálico (Lausberg (1987:192 [§378])
b) Apócope de /-o/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272])
c) Desvozeamento de oclusiva final (Duarte i Montserrat & Alsina i Keith (1984: 215))
/blado/
/blad/
/blat/
Catalão
/blat/

Observação: Apesar de não ser de origem latina, a data da entrada do vocábulo na língua o predispõe a sofrer as mesmas mudanças fonéticas/fonológicas do léxico proveniente do latim vulgar


III. 4. Francês blé (1ª atestação: 1080 blet (Robert: 1993))

- Origem: frâncico *blatum (trigo) (Meyer-Lübke: 1935)
- Evolução de blatu-

Frâncico
/blatu/
a) Sonorização de /-t-/ intervocálico (Lausberg (1987:192 [§378]))
b) Palatalização de /-a-/ tônico em sílaba aberta (Lausberg (1993: 228 [§174]))
c) Perda de quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 250]))
c) Apócope de /-o/ pós-tônico (Lausberg (1987:155[§ 272]))
d) Desvozeamento de oclusiva final (Lausberg (1993: 434[§ 547]))
e) Apócope de /-t/ em final de palavra (Lausberg (1993: 434 [§ 547]))
/bladŭ /
/bledŭ /
/bledo/
/bled/
/blet/
/ble/
Francês moderno
/ble/


Observação:
Robert (1993) considera a possibilidade da origem da palavra blé ser o gaulês blad, caso no qual a evolução ocorreria da seguinte maneira:

Glaulês
/blad/
a) Palatalização de /-a-/ tônico em sílaba aberta (Lausberg (1993: 228 [§174])
b) Desvozeamento de oclusiva final (Lausberg (1993: 434[§ 547]))
c) Apócope de /-t/ em final de palavra (Lausberg (1993: 434 [§ 547])
/bled/
/blet/
/ble/
Francês moderno
/ble/


III. 5. Italiano grano (Migliorini & Bruno (1953:253))

-         Origem: lat. granu(m), análogo ao gótico kaurn, ted. Korn, ingl. corn (Olivieri (1953:356))
-         Evolução de granu-

Latim
/granŭ/
a) perda da quantidade e rebaixamento de /ŭ/ átono (Lausberg (1987:149 [§ 249,250]))
/grano/
Italiano
/grano/


III. 6. Romeno grîu

            - Origem: lat. grānum (Cioranescu, 1958: 380)
            - Evolução de granu-:

Latim
grānŭm/
a) Perda da quantidade e alçamento do /-ā/ em /-î/ (Lausberg (1987: 142 [§231]))
b) Perda da quantidade e manutenção do timbre /u/ (Lausberg (1987: 149 [§250]))
c) Assimilação do /n/ em /r/   (Cioranescu (1958: 380))
d) Dissimilação eliminadora do /r/ (Cioranescu (1958: 380))                                    
         /grînŭ/
/grînu/
/grîru/
/grîu/
Romeno
/grîu/

 Observação:
A evolução da palavra é controversa. O resultado comum deveria ser a formação do termo "grîn" , a partir da perda do /u/ (Lausberg (1987:158 [§281]), o que, entretanto, não ocorre. A explicação acima apresentada foi encontrada em CIORANESCU, 1958, p.380. É o próprio autor quem enumera outras análises concebidas por outros filólogos: para Miklosich, trata-se de um termo autóctone; Skok, por outro lado, diz que a explicação deve ser encontrada no fato de a vogal nasal estar em posição final, o que levaria à inovação; paralelamente a este, Rosetti também sustenta que o /-u/ final condicionaria a inovação. (apud Cioranescu, 1958: 380).


IV. Análise comparativa dos itens lexicais

IV. 1 Origem:

a) Formas provenientes de triticum: aragonês/galego/port./esp. trigo;
b) Formas provenientes de *blatum: provençal/cat. blat, fran. blé
c) Formas provenientes de granum: ita. grano, rom. grîu
d) Formas provenientes de frumentum: valão frumint, siciliano furmento

IV. 2 Problemas relativos à regularidade das mudanças fônicas:

a) Síncope de /-d-/ intervocálico no port.


V. Distribuição areal

a) O esp. e o port. preservaram a forma mais antiga (triticu-) por serem áreas mais afastadas do centro de difusão.
b) Por ser Roma o centro difusor, o italiano fixou a forma mais nova (granu-), que também se fixou no rom. por ser esta área de latinização tardia.
c) O fr. e o cat. fixaram a forma do substrato celta.



VI. Referências bibliográficas:

CIORANESCU, Alejandro. Diccionario etimológico rumano. Tenerife : Univ. de la Laguna, 1958.
GIRALT I RADIGALES, Jesús. (Dir) Gran diccionari de la llengua catalana. Barcelona: Enciclopèdia Catalana, 1998. [Versão online:  /www.grec.net/home/cel/dicc
DISC. Dizionario Italiano Sabatini Coletti. Eletrônico. 1997.
LABORDERIE, Noelle. Précis de phonétique historique. Paris: Nathan, 1994.
LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
___________________. Lingüística románica. 4.ed. Madrid: Gredos, 1993.
MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Livros Horizontes, 1995.
MEYER-LÜBKE, Wilhelm. Romanisches etymologisches Wörterbuch. 3. aufl. / rev. e           aum. Heidelberg: Carl Winters Universitäs-Buchhandlung, 1935.
MIGLIORINI, Bruno. Prontuário etimológico della língua italiana. Torino: Paravia, 1953.
OLIVIERI, Dante. Dizionario etimológico italiano: concordato. Milano: Ceschina, 1953.
PRATI, Angélico. Vocabolario etimológico italiano. Torino: Garzanti, 1951.
ROBERT, Paul. Le nouveau petit Robert : dictionnaire alphabetique et analogique de la langue française. Nouvelle ed. Paris: Dictionnaires Le Robert, 1993.
WILLIAMS, Edwin Bucher. Do latim ao português. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,         1975.

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