terça-feira, 9 de julho de 2013

PRAGMÁTICA, ENUNCIAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA LÍNGUA



FACULDADE DE LETRAS DA UFMG – GRADUAÇÃO: 2006/01
CURSO: SEMÂNTICA DO PORTUGUÊS – LET033
PROFESSOR: WANDER IMEDIATO
TEMA: PRAGMÁTICA, ENUNCIAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA LÍNGUA
ATIVIDADE: RESUMO ACADÊMICO
DATA DE ENTREGA: 28.04.2006                      
ALUNO: RAQUEL TELES YEHEZKEL – 2004028801


Referências Bibliográficas:
FIORIN, José Luiz (Org.). “Pragmática”, in: Introdução à Lingüística II. Princípios de análise. São Paulo: Contexto, p.161-185
EMEDIATO, Wander. “Enunciação e Subjetividade na Língua”. in: apostila do curso: Semântica do Português. Belo Horizonte: UFMG, 2006.



RESUMO

INTRODUÇÃO


O capítulo “Pragmática”, do livro Introdução à Lingüística de autoria de José Luiz Fiorin, inicia-se com um interessante diálogo (Alice: Lewis Carrol), a partir do qual Fiorin propõe uma discussão do sentido das palavras no discurso direto entre personagens da história (Alice e a Rainha). Assim, o autor mostra com facilidade que palavras como hoje e outro não têm sentidos fixos; que só produzem sentido no ato discursivo, ou seja, na produção do enunciado no ato de fala; no caso da escrita, as referências a essas palavras precisam estar contidas no enunciado do próprio texto: “O significado da palavra ‘hoje’ e ‘outro’ se dá na relação com a situação de comunicação”.
            Fiorin dedica esse capítulo à pragmática (Ciência do uso lingüístico que estuda as condições que governam a utilização da linguagem - a prática lingüística; já que certos fatos lingüísticos só podem ser entendidos em função do ato de enunciar) e, especificamente, ao estudo da dêixis: “todo enunciado é realizado numa situação definida pelos participantes da comunicação (eu/tu), pelo momento da enunciação (agora) e pelo lugar em que o enunciado é produzido (aqui). As referências a essa situação constituem a dêixis e os elementos lingüísticos que servem para situar o enunciado são os dêiticos (elementos lingüísticos que indicam o lugar e/ou o tempo em que o enunciado é produzido; ou os participantes de uma situação de produção do enunciado, ou seja, de uma enunciação). Exemplos:
1. Pronomes pessoais que indicam os participantes da comunicação: eu / tu.
2. Marcadores de espaço como advérbios de lugar: aqui, lá.
3. Pronomes demonstrativos: este, esse, aquele.
4. Marcadores de tempo: agora, ontem, hoje.
Um dêitico só pode ser entendido dentro da situação da comunicação/de uso. Num texto escrito a situação de enunciativa deve ser explicitada, pois não se pode saber quem é o ‘eu’, quando é ‘ontem’ e onde é ‘aqui’ se a referência não estiver enunciada no próprio texto - no contexto. (p.161-162)
  

CITAÇÕES


Enunciação: é o ato produtor do enunciado ® realizações lingüísticas concretas. Segundo Benveniste: “é a colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização” (Benveniste, 1974,80) /’falação’/, ou seja, um falante utiliza-se da língua para produzir enunciados. (p.162)     
·        Enunciação é a instância lingüística constutiva do enunciado, portanto, pressupõe a existência de um enunciado e comporta seus traços e suas marcas. (p.162)    Enunciação ® enunciado.
  • O enunciado comporta elementos que remetem à instância da enunciação: pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos, adjetivos e advérbios apreciativos, espaciais e temporais, etc. ® Esse conjunto de marcas enunciativas no interior do enunciado não é a enunciação propriamente dita, mas é a enunciação enunciada. (p.162)
  • Enunciação enunciada: conjunto de marcas identificáveis que remetem à enunciação ® “Eu digo que a terra é redonda” ® enuncia-se no enunciado o próprio ato de dizer (p.162).
  • Enunciado: seqüência enunciada desprovida de marcas de enunciação ® “A Terra é redonda”. (p.162)
  • “Somente ao produzir o ato de fala é que o homem se constitui como sujeito, constitui-se como ‘eu’ (1974,80).” ‘Eu’ é aquele que diz ‘eu’ e só existe em oposição ao ‘tu’. Ou seja, o ‘eu’ estabelece uma outra pessoa quando o chama de ‘tu’. (p.163)
  • A categoria de pessoa é essencial para que a linguaguem se torne discurso. Espaço e tempo estão na dependência do ‘eu’, já que a pessoa enuncia num dado espaço e num determinado tempo. ‘Aqui’ é o espaço do ‘eu’ e o ‘agora’ é o momento da enunciação. A partir do ‘aqui’ e do ‘agora’ organizam-se todas as relações espaciais e temporais. (p.163)
  • Como a enunciação é o lugar de instauração do sujeito e este é o ponto de referência das relações espaço-temporais, a enunciação é o lugar do ‘eu’. (p.163)
·        As categorias de ‘pessoa’, de ‘espaço’ e de ‘tempo’ são constitutivas do ato de produção do enunciado em qualquer língua ou linguagem (ex: linguagens visuais). (p.163)
  • Em um mesmo texto aparecem diversos ‘eu’, que remetem a diferentes instâncias enunciativas: Encontrei-me com Pedro que me disse: “Estou insatisfeito com minha relação com Adélia”. O ‘eu’ que encontrou Pedro não remete à mesma instância enunciativa que aquele que afirma estar insatisfeito. (p.163)
  • Num texto, há, basicamente, 3 instâncias enunciativas:
1. A do enunciador e do enunciatário. O enunciador é o ‘eu’ que fala;  um ‘eu’ implícito, não projetado no enunciado. O enunciatário é o ‘tu’ a quem ele se dirige. Enunciador e enunciatário correspondem ao autor e leitor implícitos ou abstratos. O enunciatário, como filtro e instância pressuposta no ato de enunciar, é também sujeito produtor do discurso, pois o enunciador, ao produzir um enunciado, leva em conta o enunciatário a quem ele se dirige. (p.163)
2. O segundo nível de hierarquia enunciativa é constituído do ‘eu’ e do ‘tu’ instalados no enunciado, chamados de narrador e narratário. Eles podem permanecer implícitos, como, por exemplo, em uma narrativa em terceira pessoa (p.163).
3. Quando o narrador dá voz a uma personagem, em discurso direto. O ‘eu’ e o ‘tu’ desse nível são chamados de interlocutor e interlocutário. (p.164)

Pessoa – Fiorin cita Benveniste para mostrar que as 3 pessoas não têm o mesmo estatuto:
  1. Há traços comuns na 1° e na 2° pessoas, que as diferenciam da 3°: enquanto ‘eu’ e ‘tu’ são sempre participantes da comunicação, o ‘ele’ designa qualquer ser ou não designa nenhum. Usa-se a 3° pessoa quando não é determinada - expressão impessoal -, em que um processo é relatado como fenômeno cuja produção não está ligada a um agente ou a uma causa (Chove. Faz frio. Faz dois anos).
  2. ‘Eu’ e ‘tu’ são reversíveis na situação de enunciação (quando ‘eu’ falo o outro é o ‘tu’, quando me responde ele se torna o ‘eu’ e eu torno-me ‘tu’). Esta reversibilidade não é possível com a 3° pessoa ‘ele’. A 3° pessoa é a única que qualquer coisa é predicada verbalmente, pois pode representar qualquer sujeito ou nenhum, expresso ou não, mas jamais é instaurado como participante da situação de enunciação.
Por estes motivos, para Benveniste, a categoria de pessoa possui duas correlações:
    1. Da pessoalidade: em que se opõem pessoa (eu/tu) e não-pessoa (ele), ou seja, participantes da enunciação e elementos do enunciado.
    2. Da subjetividade: em que se opõem ‘eu’ x ‘tu’; a primeira é a pessoa subjetiva e a segunda é a pessoa não subjetiva.
É a situação de enunciação que especifica o que é pessoa e o que é não-pessoa, pois determina quem são as pessoas do ato enunciativo que quem não participa dele.
    1. Pessoas enunciativas: aquelas que participam do ato enunciativo (eu/tu).
    2. Pessoa enunciva: aquela que pertence ao domínio do enunciado (ele).
  1. Outra diferença entre a 3° e as demais está no fato de que esta apresenta uma forma feminina e faz o plural com o morfema ‘s’. As duas outras pessoas não têm formas específicas para masculino e feminino e têm formas distintas para a 1° e 2° pessoas do plural, o que mostra que não é uma simples pluralização, mas uma amplificação das pessoas (eu + outra pessoa = nós, ou, tu + terceira pessoa = vós), embora haja um ‘vós’ pluralizado. (p.164)
·        Significado das pessoas:
‘eu’: quem fala, ‘eu’ é quem diz ‘eu’;
‘tu’: aquele com quem se fala, aquele a quem o ‘eu’ diz ‘tu’, que por esse fato se torna interlocutário;
‘ele’: substituto pronominal de um nominal a que refere; participante do enunciado; aquele de que o‘eu’ e ‘tu’ falam;
‘nós’: inclusivo ® eu + tu (singular/plural); exclusivo ® eu + ele ou eles; misto ® eu + tu (singular/plural) e ele(s);
‘vós’: plural de tu (pessoa única); tu + ele ou eles;
‘eles’: pluralização de eles. (p.165)
  • Morfemas que expressam pessoa: pronomes pessoais retos e oblíquos; pronomes possessivos e as desinências número-pessoais dos verbos. Os retos exprimem a pessoa em função subjetiva e os oblíquos em função de complemento (p.165).
  • Adjetivos possessivos são variantes dos pronomes pessoais: meu livro; meu país; meu irmão; minha escola; meu amor; minha partida; minha morte; minha tristeza (p.165).
Tempo: “O tempo lingüístico se difere do tempo cronológico e do tempo físico. Sua singularidade é que ele está ligado ao exercício da fala, pois tem seu centro no presente da instância da fala (Benveniste, 1974,73)”. (p.166)
  • Quando o falante toma a palavra, instaura um ‘agora’ e em contraposição cria-se o ‘então’, tornando o ‘agora’ fundamento das oposições temporais da língua. Concomitância vs não-concomitância (anterioridade vs posterioridade) criam três momentos de referência: presente, passado e futuro, que precisam ser marcados no enunciado. (p.166)
  • O tempo presente indica a contemporaneidade entre o evento narrado e o momento da enunciação. “O ‘agora’ é reiventado a cada vez que o enunciador enuncia, é a cada ato de fala um tempo novo, ainda não vivido (1974,73).” (p.166)
  • O tempo do discurso é sempre uma criação da linguagem. O tempo lingüístico é que comanda as marcações cronológicas referidas no texto. Ex: “Estamos há cem milhões de anos. Os dinossauros passeiam pela Terra”. (p.166)
  • Há 3 significativos para o tempo lingüístico:
         -  ME: momento da enunciação;
         -  MR: momento de referência (presente, passado, futuro).
         -  MA: momento do acontecimento (concomitante, anterior e posterior a cada um dos momentos de referência). (p.166)
  • - O presente coincide entre o momento do acontecimento e o momento de referência presente. MA=MR=ME.
- O pretérito perfeito marca uma relação de anterioridade entre o momento do acontecimento e o momento de  referência presente.
      - O futuro do presente indica uma posterioridade do momento do acontecimento em relação a um momento de referência presente. (p.167)
  • Os advérbios de tempo articulam-se também em um sistema enunciativo e um enuncivo. Aquele centra-se num momento de referência presente, concomitante ao momento da enunciação; este organiza-se em torno de um momento de referência (pretérito ou futuro) inscrito no enunciado. (p.173)
  • Advérbios do sistema enunciativo:
- Anterior: há pouco, ontem, há uma (duas) semanas/meses/anos, no mês/ano passado; no último mês/dia 5,6...
     - Concomitante: agora, logo, hoje, neste momento, nesta altura.
     - Posterior: daqui a pouco, amanhã, dentro de ou em um(a) (duas) semana(s)/mês(es)/ano(s), no próximo dia  20/mês/ano.
  • Advérbios do sistema enuncivo
- Anterior: na véspera, na antevéspera, no dia/mês/ano, anterior, um(a) semana/mês, antes.
     - Concomitante: então, no mesmo dia/mês/ano...
     - Posterior: no dia/mês/ano seguinte, um(a) dia/semana/mês, depois, daí/dali uma(s) hora(s)/dias/mês. (p.174)
Espaço: O espaço lingüístico ordena-se a partir do lugar do ego. Todos os objetos são assim localizados, sem que tenha importância seu lugar físico no mundo, pois aquele que os situa se coloca como centro e ponto de referência da localização. (p.174)
  • O espaço lingüístico não é o espaço físico, mas aquele onde se desenrola a cena enunciativa. Pode ser expresso pelos demonstrativos e certos advérbios de lugar. (p.174)
  • Pronome demonstrativo: designa seres singulares que estão presentes para os participantes da enunciação seja na cena enunciativa ou no contexto.
- Função de designar ou mostrar (dêitico): da mesma forma como não se pode discursivizar sem temporalizar, também não se pode falar do mundo sem designar os seres a que nos referimos, usando apenas referências universais (demonstrativos e artigos designam, mas o primeiro não tem como o segundo a função de generalizar, além de ter a capacidade de localizar no tempo: ‘neste ano’). ‘Este’ (perto do enunciador/eu); ‘esse’ (perto do enunciatário/tu), mas no português de hoje podem se confundir e ter variação livre;
 - Função de retomar ou lembrar (anafórico): é também um dos mecanismos de coesão textual. Este/aquele (‘este’ referindo-se ao que foi dito por último e ‘aquele’ primeiro), aquilo (coisa);
 - Função de anunciar o que vai ser dito (catafórico): ‘este’ (Eu lhe dei esta informação, que seu telefone seria ser cortado. GT); ‘aquele/aquilo’ (que está fora do contexto, está no cotexto). (175-176)
  • Advérbios de lugar:
      Aquí: cena do ‘eu’, aí: cena do ‘tu’ e lá (enunciativos)
      Ali, lá, acolá, aí, naquele lugar (enuncivos quando em posição anafórica). (p.176)

COMENTÁRIO


Não é indiferente ao narrador/locutor/enunciador projetar-se no enunciado ou alhear-se dele. O mesmo pode-se dizer do narratário/locutário/enunciatário que como filtro e instância pressuposta no ato de enunciar é também sujeito produtor do discurso, pois o enunciador, ao produzir um enunciado, leva em conta o enunciatário a quem ele se dirige. Todos os mecanismos acima expostos produzem efeitos de sentido no discurso, reforçando a noção de subjetividade da língua e suas nuances de interpretações ao atentar-se, na análise semântica-discursiva, à polifonia, axiologia (avaliativa, afetiva), aos termos cotextuais e contextuais, suas intensões e intenções.



Um comentário:

  1. Muito valioso esse artigo, ampliou muito minha visão sobre a pragmática e suas enunciações.

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