UFMG/FACULDADE
DE EDUCAÇÃO – FALE
CURSO:
Sociologia da Educação – 13.06.2006
PROFESSORA: Maria Teresa Gonzaga Alves
ATIVIDADE: Durkeim / Resumo Acadêmico
ALUNA:
Raquel Teles Yehezkel – 2004028801
Referência
Bibliográfica:
DURKHEIM. “A
educação, a sua natureza e o seu papel”, in: Educação e Sociologia.
Lisboa: Edições 70, 2001, p.43-69
INTRODUÇÃO
No texto A
educação, a sua natureza e o seu papel, Durkheim, primeiramente, delimita o
conceito de educação - com o qual se propõe trabalhar neste estudo - da
seguinte forma: “A ação das coisas sobre os homens é muito diferente da
proveniente dos próprios homens; e a ação dos contemporâneos sobres seus
contemporâneos difere daquela que os adultos exercem sobre os mais jovens.
É apenas esta que nos interessa aqui; é para ela que convém reservar a
palavra educação (p.44-45).
CITAÇÕES
1. Definições de educação e exame crítico
Segundo Kant, “o objetivo da educação é desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição
de que ele é capaz”. Mas o que deve entender por perfeição? Disse-se
freqüentemente que é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades
humanas. Levar ao ponto mais elevado que se possa ser atingido todas as
potencialidades que temos em nós. (p.44)
- Durkheim contesta o conceito Kantiano de educação: (Desenvolvimento harmônico das faculdades do indivíduo – Kant – vs funções diferentes que cada um deve desempenhar a favor do todo). Mas se, em certa medida, este desenvolvimento harmonioso é necessário e desejável, não é integralmente realizável; pois se encontra em contradição com uma outra regra da conduta humana que estabelece que nos consagremos a uma tarefa especial e restrita (p.44).
- Não podemos e não devemos dedicar-nos todos ao mesmo gênero de vida; temos, segundo nossas aptidões, funções diferentes a desempenhar e devemos nos colocar em harmonia com aquela que nos incumbe. Esta especialização não exclui um certo equilíbrio das funções tanto orgânicas quanto psíquicas (ação e reflexão), sem o qual a saúde do indivíduo seria comprometida, ao mesmo tempo que a coesão social. Mas nem por isso, não se pode inferir que uma harmonia perfeita possa ser apresentada como o fim último da conduta e da educação (p.44-45).
Definição
utilitária de James Mill segundo a qual a
educação teria por objetivo “fazer do indivíduo um instrumento de felicidade
para ele mesmo e para os seus semelhantes” (p.45).
- Durkheim rebate o conceito de Mill: a felicidade é essencialmente subjetiva, abandonando a educação à arbitrariedade individual (p.45).
- Spencer tentou definir objetivamente a felicidade: “as condições da felicidade são as da vida: a felicidade completa é a vida completa”. Mas o que se deve entender por vida?, Durkheim questiona e descarta: a felicidade seria um certo equilíbrio entre o organismo e o seu meio, porém, o standard of life, o padrão de vida varia infinitamente segundo as condições, os meios e os tempos (p.45).
Durkheim
aponta para o que chama de “censura geral”, ou seja, o que vetaria todas
definições citadas anteriormente: Elas partem do
postulado de que existe uma educação ideal, perfeita, válida para todos os
homens indistintamente. Mas a verdade é a história mostra que nada confirma tal
hipótese (p.45-46).
- A educação variou conforme os tempos e as regiões: a civilização moderna é em parte descendente da civilização latina. As sociedades cristãs da Idade Média não teriam sobrevivido se tivessem dado ao pensamento racional o lugar que hoje lhe é dado (p.46).
- Se começar por questionar qual deve ser a educação ideal, abstraindo completamente do tempo e do lugar, é porque se admite implicitamente que um sistema educativo não tem nada de real em si próprio, não se percebendo aí um conjunto de práticas e de instituições que se organizaram lentamente ao longo do tempo, solidárias com todas as outras instituições sociais e que as exprimem, que, por conseqüência, não podem ser mudadas mais facilmente do que a própria estrutura da sociedade (p.46-47).
- Os ensinamentos da história podem quando muito nos servir para nos evitar reincidir nos erros já cometidos (p.47).
- A influência da estrutura contemporânea – Cada sociedade, considerada num momento determinado do seu desenvolvimento, tem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos com uma força geralmente irresistível.
- É inútil pensarmos que podemos criar nossos filhos como queremos. Há, em cada momento do tempo, um tipo regulador de educação de que não nos podemos desligar sem chocar com as vivas resistências que reprimem as dissidências. Não fomos nós, individualmente, que fizemos os costumes e as idéias que determinam este modelo. São produtos da vida em comum e exprimem as suas necessidades. (p.47-48)
E conclui:
- A maneira como são formados e desenvolvidos os sistemas de educação dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estágio da indústria (p.48).
- Todo o passado da humanidade contribuiu para fazer este conjunto de máximas que dirigem a educação atual; toda a nossa história lhe deixou traços, e até mesmo a história dos povos que nos precederam. Como o indivíduo pode pretender reconstruir, através do único esforço da sua reflexão privada, o que não é obra do pensamento individual? (p.48)
2.
Definição de Educação
·
Para
definir educação é preciso aproximar e destrinchar os sistemas educativos que
existem ou existiram e encontrar o conjunto de características comuns: o qual
constituirá a definição de educação. (p.49)
·
Para que
haja educação é necessário haver uma geração de adultos e uma de jovens, e uma
ação exercida pelos primeiros sobre os segundos (p.49).
·
Qual a
natureza desta ação?, questiona e tenta responder:
O sistema educativo apresenta duplo aspecto: é, ao mesmo tempo, uno e
múltiplo (p.49).
Caráter
múltiplo da educação
·
Há tantos
modelos diferentes de educação quantos os meios diferentes de sociedade. Vemos,
ainda, a educação variar com as classes sociais ou mesmo com os habitats
(burguês/operário, cidade/campo). (p.49)
·
É evidente
que a educação das crianças não deve depender desses acasos: de ela nascer aqui
ou ali, mas mesmo com essa consciência a educação não se tornaria por isso mais
uniforme. (p.49-50)
·
Mesmo que
percurso de uma criança não seja predeterminado por uma hereditariedade cega, a
diversidade das profissões não deixaria de acarretar uma grande carga
pedagógica. Em cada profissão reinam certas idéias, usos, maneiras de ver as
coisas; e como a criança deve ser preparada para desempenhar a função a que
será chamada. (p.50)
·
A
heterogeneidade que assim se produz não se assenta em desigualdades injustas;
mas não é menor. (p.50)
Caráter
uno da educação
·
Repousam
todas numa base comum. Seja qual for a sociedade haverá sempre certo número de
idéias, sentimentos e práticas que a educação inculca a todas as crianças
indistintamente. Mesmo quando a sociedade está dividida em castas fechadas em
si, há sempre uma religião comum a todos que permeia os princípios da cultura
religiosa, fundamental para o entendimento de toda a população. (p.50-51)
·
Ao longo
da história constitui-se um conjunto de ideais acerca da natureza humana, da
sociedade, do indivíduo, do direito e dever, da arte, do progresso da ciência
que estão na base do espírito de nação; toda a educação, tanto a do rico quanto
a do pobre tem por objeto fixar esses valores na consciência. (p.51)
E
conclui:
·
É este
ideal ao mesmo tempo uno e diverso que é o pólo da educação, que tem por
objetivo suscitar na criança: 1o) certos estados físicos e mentais
que a sociedade à qual pertence considera não poder faltar em nenhum de seus
membros. 2o) certos estados físicos e mentais que o grupo social
particular (casta, classe, família, profissão) considera igualmente que se
devem encontrar em todos aqueles que o formam. (p.51-52)
·
Assim, é a
sociedade no conjunto e cada meio social em particular que determinam este
ideal que a educação realiza. A sociedade só pode subsistir se existir entre os
seus membros uma homogeneidade suficiente; a educação perpetua e reforça esta
homogeneidade fixando com antecedência na alma da criança as similitudes
essenciais que a vida coletiva exige. (p.52)
·
A educação
em si é apenas o meio pelo qual prepara no coração das crianças as condições
essenciais para a sua própria existência. O próprio indivíduo tem interesse em
se submeter a estas exigências. (p.52)
Definição: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre
aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objetivo
suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos,
intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade política no seu conjunto e o
meio especial ao qual está particularmente destinada (p.52).
3.
Conseqüência da definição precedente: caráter social da educação
·
A
educação consiste numa socialização
metódica da jovem geração (p.53).
·
Em cada
um de nós coexistem dois seres abstratos: ser
individual – um feito de todos os estados mentais que nos ligam a nós
mesmos e aos acontecimentos de nossa vida individual; Ser social –
sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós o grupo ou os
diferentes grupos de que fazemos parte (p.53).
·
Foi a
própria sociedade que, à medida que foi se formando e consolidando, que extraiu
de seu próprio seio estas grandes forças morais diante das quais o homem sentiu
sua inferioridade (p.53).
·
Se
abstrairmos as incertas tendências hereditárias, a
criança, ao entrar na vida, apenas leva consigo a sua natureza de indivíduo. A
sociedade encontra-se, pois, em presença de uma tábua quase rasa sobre a qual é
preciso construir tudo de novo. (...) Eis a obra da educação, e
apercebemo-nos de toda a sua grandeza. Ela cria no homem um ser novo (p.54).
·
Esta
virtude criadora é um privilégio especial da educação humana. É pela
educação que se faz a transmissão (p.54).
·
Durkheim
questiona: e responde: É possível conceber, de
fato, que as qualidades propriamente morais (...) apenas podem ser suscitadas
em nós por uma ação vinda de fora, não haverá outras que todo o homem está
interessado em adquirir e procura espontaneamente (p.54-55)?
·
A educação
responde antes de mais nada às necessidades sociais. (p.53-54)
·
O autor
cita Rosseau: “para satisfazer as necessidades
vitais, os sentidos, a experiência e o instinto poderiam ser suficientes como o
são para o animal. Se o homem não tivesse conhecido outras necessidades para
além daquelas (...), não teria procurado a ciência, tanto mais que ela só foi
adquirida após laboriosos e dolorosos esforços (p.55)”.
·
Na origem,
enquanto a organização social era simples (...), a tradição cega bastava, como
o instinto animal. Portanto, o pensamento e o livre arbítrio eram inúteis e mesmo
perigosos, pois só serviam para ameaçar a tradição (p.56).
·
Mesmo
as qualidades que parecem, à primeira vista, tão espontaneamente desejáveis,
apenas são procuradas pelo indivíduo quando a sociedade o convida, e este
procura-as da maneira que ela lhe prescreve (p.56).
·
Educação:
coersão / coesão; oprime / liberta – Ao mostrarmos
uma sociedade que, segundo as suas necessidades, moldava os indivíduos parece
que estes sofreriam assim uma insuportável tirania. Mas, na realidade, eles
próprios estavam interessados nessa submissão, até porque o ser novo que a ação
coletiva, por via da educação, edifica em cada um de nós, representa o que há
de melhor em nós, o que há em nós de verdadeiramente humano. O homem, com
efeito, só é um homem porque vive em sociedade (p.56-57).
·
A moral
libertadora - A moral está estreitamente
relacionada com a natureza das sociedades, pois que, (...) ela muda quando as
sociedades mudam. Quer dizer que resulta da vida em comum. É a sociedade, com
efeito, que nos liberta de nós mesmos, que nos obriga a contar com outros
interesses além dos nossos, é ela que nos ensinou a dominar as nossas paixões,
os nossos instintos, a fazer-lhe a própria lei, a privamo-nos, a
sacrificarmo-nos, a subordinar os nossos objetivos pessoais a objetivos mais elevados.
(...) Adquirimos esta potencialidade de resistirmos a nós próprios, este
domínio sobre as nossas tendências que é um dos traços distintivos da
fisionomia humana e que está tanto mais desenvolvido quanto nós mais plenamente
somos homens (p.57).
·
A língua,
a religião e a ciência como obra da sociedade – A
ciência é uma obra coletiva, pois que supõe uma vasta cooperação de todos os
sábios, não só de uma mesma época, mas de todas as épocas sucessivas da
história. (...) A ciência, aliás, foi a herdeira da religião. Ora, uma religião
é uma instituição social. Ao aprender uma língua aprendemos todos um sistema de
idéias, distintas e classificadas, e herdamos todo um o trabalho de onde saíram
essas classificações que resumem séculos de experiências. (...) Sem a língua,
não teríamos, por assim dizer, idéias gerais; pois é a palavra que, fixando-as,
dá aos conceitos uma consistência suficiente para que possam ser manuseados
comodamente pelo espírito (p.58).
E
conclui sobre a relação de interesses entre educação, indivíduo e sociedade:
·
Se (o
homem) conseguiu ultrapassar o estado em que se encontram os animais, foi antes
de mais porque não se restringiu ao fruto dos seus esforços pessoais; o que
reforça o rendimento da atividade de cada um. E principalmente, porque os
produtos do trabalho de uma geração não são perdidos por aquela que se segue
(p.58).
·
A
sabedoria humana acumula-se sem fim, e é esta acumulação incessante que eleva o
homem acima do animal e acima de si próprio (...) Porque, para que o legado de
cada geração possa ser conservado e reunido aos outros, é necessário haver uma
personalidade moral que subsista sobre as gerações que passam, que as ligue uma
às outras: é a sociedade (p.59)
·
Assim, o
antagonismo que se admitiu freqüentemente entre a sociedade e o indivíduo não
tem qualquer correspondência com os fatos. Longe de se oporem (...), estes dois
termos implicam-se. O indivíduo, querendo a sociedade, quer-se a si próprio.
·
A ação que
a sociedade exerce sobre o indivíduo, nomeadamente por via da educação, não tem
de modo algum por objeto o por efeito comprimi-lo, diminui-lo, deforma-lo, mas,
pelo contrário, engrandece-lo e fazer dele um ser verdadeiramente humano. Sem
dúvida ele só pode engrandecer-se esforçando-se. Mas é que o poder de
se esforçar voluntariamente é precisamente uma das características mais
essenciais do homem (p.57).
4. O
papel do Estado em matéria de educação
·
Esta
definição de educação (ver item 3), permite resolver facilmente a questão do
Estado em matéria de educação. Opõem-se-lhe os direitos da família. (Aos
pais) pertence dirigir, como entenderem, o seu (da criança) desenvolvimento
intelectual e moral. A educação é então concebida como uma coisa essencialmente
privada e doméstica. Neste ponto de vista, tendemos naturalmente para reduzir
ao mínimo possível a intervenção do Estado. Ele deverá, diz-se, limitar-se a
servir de auxiliar e de substituto das famílias (p.59-60).
·
Quando
estas (as famílias) não se encontram em condições de cumprir os seus deveres, é
natural que ele se encarregue disso (...), colocando à disposição escolas para
onde possam enviar as crianças. Mas o Estado deve evitar ação positiva
destinada a imprimir uma determinada orientação ao espírito da juventude. É
necessário que o seu papel se mantenha assim negativo (p.60).
·
Se,
como acabamos de estabelecer (ver conclusão item 3), a educação tem, antes de
mais, uma função coletiva, se ela tem por objeto adaptar a criança ao meio
social onde está destinada a viver, é impossível que a sociedade se
desinteresse de uma tal operação (p.60).
·
É pois
à sociedade que incumbe lembrar constantemente ao professor quais são as
idéias, os sentimentos que é preciso imprimir à criança para a colocar em
harmonia com o meio no qual deverá viver.
·
É preciso
escolher: se damos algum valor à existência da sociedade é necessário que a
educação assegure entre os cidadãos uma comunhão de idéias e de sentimentos sem
os quais qualquer sociedade é impossível.
·
Uma vez
que a educação é uma função essencialmente social, o Estado não pode
desinteressar-se dela. Pelo contrário, tudo o que seja educação deve ser, de
alguma forma, submetido às sua ação. Não quer dizer com isso que deva
monopolizar o ensino.
·
Pode-se
entender que os progressos escolares são mais fáceis e mais rápidos onde seja
deixada alguma margem às iniciativas individuais; porque o indivíduo é mais
facilmente inovador do que o Estado (p.60). (Ver
questão do ser social e ser individual no cap 3.)
Em
resumo, Durkheim acredita que o Estado deve
oferecer a educação política laica e gratuita, promovendo o desenvolvimento
social sem entrar nas particularidades da vida familiar ou dos valores de seu
grupo.
5. O
poder da educação / Os meios de ação
Objetivo
do capítulo: Determinar como e em que medida pode a
educação ser eficaz).
·
Controversas
teóricas – Durkheim cita: Fontenelle: “nem a boa
educação faz o bom caráter nem a má o destrói”. Pelo contrário, para Locke,
para Helvécio, a educação é toda-poderosa. Segundo este último, “todos os
homens nascem iguais e com iguais aptidões; só a educação faz as diferenças”
(p.62).
·
Retomando
Durkheim: A educação não cria o homem do nada, como
crêem Locke e Helvécio; aplica-se a disposições que encontra feitas. Por outro
lado, pode admitir-se que de modo geral estas tendências congênitas são
muito fortes, muito difíceis de destruir ou transformar radicalmente; porque
dependem de condições orgânicas em
relação às quais o educador pouco pode fazer (p.62-63).
·
Mas,
felizmente, uma das características do homem é que as predisposições inatas são
nele muito gerais e muito vagas (p.63).
·
Distinção
entre instinto de conservação e impulso geral para fugir à morte – Falamos algumas vezes de instinto de conservação; mas a expressão
é imprópria. Porque um instinto é um sistema de movimentos determinados que uma
vez desencadeados pela sensação, se encadeiam automaticamente uns nos outros
até que chegam ao seu termo natural, sem que a reflexão intervenha em momento
algum; ora, os movimentos que executamos quando nossa vida está em perigo não
têm minimamente esta determinação automática. Mudam consoante as situações;
adaptando-se às circunstâncias: quer dizer que não se desenrolam sem uma certa
escolha consciente, ainda que muito rápida (p.63).
·
O que
chamamos de instinto de conservação é,
definitivamente, um impulso geral para fugir à morte, sem que os meios com que
a procuramos evitar sejam predeterminados de uma vez por todas (p.63).
·
Podemos
dizer que o que chamamos de instinto maternal, paternal e mesmo sexual são
impulsos numa direção; mas os meios pelos estes impulsos se atualizam mudam
de um indivíduo para outro, de ocasião para outra (p.63).
·
Resta
pois um largo espaço reservado às experiências, às adaptações pessoais, e, por conseguinte, à ação de causas que só podem fazer sentir
a sua influência após o nascimento. Ora, a educação é uma destas causas
(p.63).
·
Supôs-se
que a criança herdaria por vezes uma tendência mais forte para um ato
definitivo, como o suicídio, o roubo, o assassínio, a fraude, etc. Mas estas
asserções não estão minimamente de acordo com os fatos (p.64).
·
Por
muito que o tenham dito, não se nasce criminoso; ainda menos se está votado,
desde o nascimento, a um ou outro gênero de crime
(p.64).
·
O que é
herdado é uma certa falta de equilíbrio mental, que torna o indivíduo mais
refratário a uma conduta ordenada ou disciplinada. Mas tal temperamento não
predestina mais um homem para ser criminoso. (...) Podemos dizer o mesmo de
todas as aptidões profissionais (p.64).
·
O que a
criança recebe dos pais são faculdades
muito gerais; é um tanto de atenção, uma certa dose de perseverança, um juízo
sadio, imaginação, etc. Mas cada uma dessas faculdades pode servir para todo o
gênero de fins diferentes (p.64), (não precisamente para os fins utilizados
pelos pais).
·
Quer
dizer que o futuro não está estreitamente predeterminado pela nossa
constituição congênita (p.64). Apenas disposições muito genéricas, muito vagas,
(...) podem sobreviver e passar de uma geração a outra (p.65).
·
Dizer
que os caracteres inatos são, na sua maioria, muito indecisos, quer dizer que
são maleáveis, muito flexíveis, uma vez que podem receber determinações muito
diferentes (p.64).
·
Entre
as virtualidades indecisas que constituem o homem no momento que nasce e a
personagem muito definida em que se deve tornar para desempenhar na sociedade
um papel útil, vai uma grande distância. É esta distância que a educação deve
fazer percorrer à criança. Vemos que um vasto campo está aberto à ação da
educação (p.65).
Mas,
para exercer esta ação, terá a educação meios suficientemente enérgicos (p.65)?
·
Durkheim
compara a educação à sugestão hipnótica de Guyau,
psicólogo contemporâneo a ele, para dar uma idéia do que constituiu a ação
educativa e mostrar a sua força. (p.65)
·
A
sugestão hipnótica supõe duas condições: 1o)
o estado em que se encontra o sujeito hipnotizado caracteriza-se pela sua
excepcional passividade. O estado de espírito está quase reduzido ao estado de
tábua rasa; uma espécie de vazio. Assim, a idéia sugerida, não encontrando
nenhuma idéia contrária, pode instalar-se com um mínimo de resistência. 2o) Entretanto, como o vazio nunca
é absoluto, é necessário que a idéia sugerida tenha ela própria uma força de
ação particular. Para isso, é necessário que o hipnotizador fale num tom de
comando, com autoridade. Quanto mais a sugestão vai contra o temperamento
natural do hipnotizado, mais o tom imperativo será indispensável. (p.65-66)
·
As duas
questões (mencionadas acima) encontram-se nas relações que o educador sustenta
com a criança submetida à sua ação: 1o) a
criança está naturalmente num estado de passividade (...). Sua consciência
contém apenas pequeno número de representações capazes de lutar contra aquelas
que lhe são sugeridas. É também facilmente sugestionável. Está muito acessível
ao contágio do exemplo, muito inclinada para a imitação. 2o) O
ascendente que o professor tem sobre o seu aluno, na seqüência da superioridade
da sua experiência e da sua cultura,
dará à sua ação a força eficaz que lhe é necessária. (p.66)
·
A ação
educativa tem uma eficácia análoga, é permitido esperar mais dela, desde que
saibamos utilizá-la (p.66).
·
Longe de
ficarmos desencorajados pela nossa incapacidade, teremos em vez disso de nos
espantar com a extensão do nosso poder (p.66).
·
Se
professores e pais sentissem que nada pode passar diante da criança sem deixar
nela alguma marca, que o moldar do seu espírito e do seu caráter depende destes
milhares de pequenas ações insensíveis que se produzem a cada instante e aos
quais não prestamos atenção por causa da sua insignificante aparência, como
zelariam mais pela sua linguagem e pela sua conduta!
(p.66)
·
O que faz
a influência do hipnotizador é o domínio que tem das circunstâncias. Por
analogia, podemos dizer que a educação deve ser, essencialmente, objeto de
autoridade (p.67).
·
Nada é
mais falso e enganador do que a concepção epicuriana da educação, a concepção
de um Montaigne, por exemplo, segundo a qual o homem pode formar-se brincando e
sem outro estímulo além da atração do prazer (p.67).
E
conclui:
·
Para
aprender a conter o seu egoísmo natural, a
subordinar-se a fins mais elevados, a submeter os seus desejos ao domínio da
sua vontade, a conte-los dentro de limites justos, é preciso que a criança
exerça sobre si própria uma forte contenção (p.67).
·
Mas a
criança não pode sentir a necessidade que nos impõe fisicamente estes esforços,
porque não está imediatamente em contato com as duras realidades da vida que
tornam esta atitude indispensável. (Mas) é preciso que esteja já formada, em
grande parte, quando as abordar a sério. Não é pois sob a sua pressão que
podemos contar para a determinar a conter a sua vontade e a adquirir sobre si
própria o domínio necessário (p.67-68).
·
Resta o
dever. O sentimento do dever, eis, com efeito, qual
é para a criança, e mesmo para o adulto, o melhor estimulante do esforço
(p.68).
·
Mas a
criança apenas pode conhecer o dever através dos seus professores ou dos seus
pais; apenas pode identificar através da forma como lho revelam, pela sua
linguagem e pela sua conduta (p.68).
·
Quer
dizer que a autoridade moral é a qualidade mestra do educador. Porque é pela
autoridade que tem em si que o dever é o dever (p.68).
·
A
autoridade assim entendida nada tem de violento
nem de coercivo: consiste inteiramente num certo ascendente moral (p.68).
·
Supõe
realizadas no professor duas condições: primeiro que tenha vontade. Mas, o mais
importante é que o professor sinta realmente em si a autoridade que deve
mostrar. Constitui uma força que ele não pode manifestar se não a possuir
efetivamente.
Questiona
e sugere: De onde pode ela (a autoridade) vir? Será
do direito que tem de punir ou recompensar? (p.68)
·
Sobre o
castigo: O medo do castigo é uma coisa muito
diferente do respeito pela autoridade. Só tem valor moral se o castigo é
reconhecido como justo por aquele que o sofre: o que implica que a autoridade
que pune é já reconhecida como legítima. (p.68)
·
Não é do
exterior que o professor pode receber a autoridade, é de si próprio. É
preciso que ele creia na sua tarefa e na grandeza da sua tarefa. (p.69)
·
O
professor é também a voz de uma grande pessoa moral que o ultrapassa: é a sociedade. Ele é o intérprete das grandes idéias morais
do seu tempo e do seu país.
·
É este
respeito que, através da palavra, do gesto, passa da sua consciência para a
consciência da criança (p.69).
·
Por
vezes, opõe-se a liberdade à autoridade, como se contradissessem, mas esta oposição é artificial. Estes dois termos explicam-se,
em vez de se excluírem.
·
A
liberdade é a filha da autoridade, evidentemente. Porque ser livre, não é
fazer o que nos apetece; é sermos responsáveis por nós próprios, é sabermos
agir pela razão e cumprirmos o nosso dever (p.69).
COMENTÁRIOS
Durkheim
não vê a heterogeneidade social como antagonismo de classes, mas como uma
divisão natural e histórica da diversidade humana. Também não discute se a
sociedade estratificada é justa ou não. Para ele a educação alcança um âmbito
muito amplo, um papel fundamental na vida do ser humano que nasceria com certas
tendências que poderiam ser trabalhadas, moldadas, determinadas para fins
utilitários a si próprio e à sociedade. A educação se consistiria no processo
de criação da criança, desde o seu nascimento, do controle dos instintos
primários, a sua criação nos pequenos detalhes, o exemplo dos pais e dos
professores na escola. A importância da educação estaria na fixação dos valores
do grupo a que o indivíduo pertence e aos da sociedade como um todo no qual ele
está inserido. A educação não seria para Durkheim um fator de coersão, mas algo
desejado pelo próprio ser humano e fator de coesão social.
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