sábado, 20 de julho de 2013

O QUE É LITERATURA COMPARADA



Raquel Teles Yehezkel










LITERATURA COMPARADA: CONCEITO E PRÁTICA





Trabalho requisitado pela disciplina de
Literatura Comparada, ministrada pela
profa. dra. Ana Maria Clark Peres.



Este trabalho, baseado no curso de Literatura Comparada da Faculdade de Letras da UFMG e no livro Literatura Comparada, de Tânia Franco Carvalhal (1986), pretende chegar a uma conclusão do que seja Literatura Comparada nos dias de hoje. Poderíamos de forma sumária e simplista dizer que o termo Literatura Comparada designa uma forma de investigação literária que confronta dois ou mais autores, duas ou mais culturas (incluindo seus códigos semióticos), duas ou mais literaturas ou outras formas de manifestações artísticas. Mas, como pôde ser constatado no decorrer desse curso, seria no mínimo precipitado tentar abarcar em um único conceito todos os tipos de estudos literários comparativistas. Como vimos nos estudos apresentados em aulas, existe sim uma transitação de temas, de motivos, de personagens; um diálogo entre épocas, culturas, obras, autores; um tipo de antropofagismo de várias culturas, de culturas absorvidas – como propôs Oswald de Andrade; idéia esta já sugerida anos antes por Machado de Assim em Esaú e Jacó: “idéias nem sempre conservam o nome do pai; (...) Cada um pega delas, verte-as como pode e vai levá-las à feira, onde todos as têm por suas” (p. 54), e endossada por Haroldo de Campos (com base em Oswald): “todo passado merece ser comido, devorado” –, e que, ressurgidas, serão sempre: outra.
Segundo Carvalhal, o recurso comparativista faz parte do pensamento humano e da organização da cultura e, portanto, não é um procedimento exclusivo dos estudos literários, mas de diferentes áreas do conhecimento humano. A comparação é um procedimento metodológico que favorece a generalização ou a diferenciação; e, não sendo um recurso exclusivo dos estudos literários, é seu emprego sistemático que irá caracterizar sua atuação. Pode-se dizer que a literatura usa a comparação como recurso analítico e interpretativo, possibilitando a esse tipo de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho e o alcance dos objetivos a que se propõe, sendo a comparação apenas um meio, um recurso, não um fim em si mesmo (p.7).
A expressão “comparada” já era utilizada no século XIX em estudos de filosofia e de fisiologia, expandindo-se no mesmo período para a literatura comparada entre países, estilos e épocas, com a finalidade de extrair leis gerais. O termo foi utilizado por Goethe em 1827 em oposição à expressão “literaturas nacionais” para designar a concepção de uma “literatura de fundo comum, composta pela totalidade das grandes obras” (p.12), como, também, para designar “a possibilidade de interação das literaturas entre si, corrigindo-se umas às outras” (p.12).
A identificação da existência de um contato real e comprovado entre autores e obras ou entre autores e países abriu caminho para os estudos de fontes e de influências que marcaram os estudos literários, até o início do século passado, com a perspectiva de uma histórica evolucionista e de caráter universalista. Nessa perspectiva, as literaturas nacionais seriam sempre meras imitações e empréstimos do conjunto das grandes obras-primas Ocidentais.
Essa visão começa a mudar com o new criticism, movimento que se desenvolveu a partir dos anos de 1930 nos Estados Unidos, que “privilegiava a análise do texto literário” (p.15) (não mais o estudo de fontes e de influências), em oposição à escola francesa de caráter analítico, que tinha como expoente Paul Van Tieghem (1931), o qual pretendia escrever uma história da Literatura Internacional, tendo na literatura comparada a sua sustentação, acreditando ser os estudos comparativistas uma “análise preparatória” aos trabalhos de “literatura geral” (p.16).
Reforçando a inclinação historicista dos estudos comparados em detrimento de uma perspectiva de crítica textual, também Jean-Marie Carré (p18) defende que “Literatura Comparada é um ramo da história literária”, é o estudo das relações entre nações, entre obras e vidas de escritores; “obras não no seu valor original, mas com as transformações que cada nação, cada autor impõe a seus empréstimos” (p.19).
No Brasil, seguindo orientações francesas de constituição de “famílias literárias”, em 1964, o professor Tasso da Silveira (p.20) afirma que em Literatura Comparada verifica-se a filiação de uma obra, autor, movimento de um país aos de outros países. Nessa perspectiva, o estudioso comparativista seria um caçador de indícios; um objetivo ainda muito restrito. João Ribeiro (p.22), em 1905, inova em relação a seus antecessores, sugerindo comparar a literatura popular com a erudita. Também Augusto Meyer (p.25) estudou “temas e fontes”, sem confundir semelhança com dependência.
Coube a Meyer destacar, em seu estudo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, no capítulo do “delírio”, que Machado de Assis sugere um “quimismo” onde “todas as sugestões depois de misturadas, preparam-se para nova mastigação, complicado quimismo em que já não é possível distinguir o organismo assimilador das matérias assimiladas” (p.25), sugerindo a metáfora alimentar do processo criador, da qual, em fase posterior, se aproximaria a visão antropofágica defendida por Oswald de Andrade, que alargou as fronteiras da imitação, adaptação, assimilação e originalidade.
Em 1963 e 1974 Etiemble, sucessor de Carré na Sorbonne, renova conceitos ao combater o eurocentrismo e defende a “interdependência universal das nações”, expressão de Marx “para quem as obras de uma nação se tornam propriedade comum de todos as nações” (p.33).
Em 1958, René Wellek, inspirado pelo formalismo russo (p.36), critica os estéreis paralelismos em que se buscava mais a semelhança do que eventuais diferenças, sugerindo menos dados externos às análises. Numa postura anti-historicista, recusa-se a distinguir literatura contemporânea da literatura do passado e aceita estudos comparados no interior de uma só literatura (prática amplamente difundida nos dias de hoje, e que pudemos constatar em diversos estudos apresentados em nosso curso).
Inspirada nos conceitos de polifonia e dialogismo, desenvolvidos por Bakhtin e Tynianov, Julia Kristeva (1969) chega à noção de intertextualidade (p. 50), aproximando-se, enfim, de uma concepção de Literatura Comparada como a percebemos em nossos dias. Para ela, um texto é “absorção e réplica” a outro texto, deslocando assim “o sentido de dívida antes tão enfatizado, obrigando a um tratamento diferente do problema” (in CARVALHAL, p.51). Nessa perspectiva, ler um texto seria ler os textos que o autor leu, não apenas os textos literários –, buscando-se os motivos que geraram as relações com outros textos, a razão desse “resgate” em contexto determinado e qual o novo sentido que lhe foi atribuído, trazendo aos estudos comparativistas as noções de estilização, paródia, paráfrase, pastiche, agora de forma revigorada..
Harold Bloom (1973) tratou do que ele chamou a “angústia da influência” e de desmitificar as “influências poéticas” (p.58), procedimentos pelos quais um poeta ajuda a formar outros poetas. Segundo Bloom, isso se daria em forma de “desleitura poética” (p.60) em processo contínuo de desapropriação e apropriação.
Em 1917, no ensaio “A tradição e o talento individual”, Eliot questiona a originalidade das obras, argumentando que não se “herda” tradição, mas conquista-se com muito esforço. “Não é possível valorizar [um autor] sozinho, é preciso situá-lo, por contraste ou comparação” (in CARVALHAL, p.62), “cada obra lê a tradição literária” (p.63). Assim,

os conceitos de originalidade e individualidade estão intimamente vinculados à idéia de subversão da ordem anterior, pois o texto inovador é aquele que possibilita uma leitura diferente dos que o precederam e, desse modo, é capaz de revitalizar a tradição instaurada. Essa capacidade de inverter o estabelecido, de instigar uma releitura, se dá graças à interação dialética e permanente que o presente mantém com o passado, renovando-o. (CARVALHAL, 1986: 63)  

Nessa concepção, a tradição pode ser “virada do avesso e lida de trás para diante” (p.63), postura endossada pela literatura de J.L.Borges que sintetiza ao dizer que “o fato é que cada escritor cria seus precursores”. Seu trabalho modifica nossa concepção de passado como também a de futuro (in CARVALHAL, p.65).
Nesse contexto, as obras não poderiam mais ser vistas como algo acabado, intocável no tempo e no espaço, mas como objetos mutáveis pelas inúmeras leituras, releituras e reinterpretações que as transformam, extrapolando o eixo autor-obra. Destruturando, dessa forma, a idéia de dependência verticalizada, hierarquizada, de débito, de dominação cultural que se estabeleceria ao se instalar uma analogia entre obras e culturas. Uma espécie de transculturação, de transformação cultural por influência de outra cultura, num processo de desconstrução, de desierarquização do passado, mostrando o algo de novo, de diferente. Poderia-se então dizer que o processo de valorizar, de revelar as “diferenças”, de expor as contradições, que capacitaria uma inserção no universal.
Com base em Carvalhal, (1986), nas aulas e nas leituras diversificadas do curso de Literatura Comparada, da professora dra. Ana Maria Clark Peres, da Faculdade de Letras da UFMG, 2º semestre de 2007, pode-se perceber que os estudos comparativistas deixaram de ser apenas o confronto entre obras de autores, e que o comparativismo analítico de temas e influências perdeu espaço para estudos escritos de forma menos técnica e mais criativos, poderia-se mesmo dizer: mais literários. Como sabemos, objetos literários e artísticos de qualquer ordem, inclui-se aqui os próprios estudos comparativistas, são formas de representações da subjetividade e da sociedade em contextos históricos determinados, e, assim sendo, formam um espaço para o redimensionamento das práticas sociais e políticas, o que exige dos estudos comparativistas de hoje sentidos mais abrangentes. Os estudos comparados modernos põem em relevo a essência do ser humano, hoje e sempre, em diferentes espaços, intervindo para transformar o cenário da articulação entre culturas, de forma que a história e as histórias estarão sempre se reconstruindo.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo, Ática, 1986.
MIRANDA, Wander Melo e SOUZA, Eneida Maria. “Perspectivas da literatura comparada no Brasil”. In: CARVALHAL, T. F. (Org.). Literatura comparada no mundo: questões e métodos. Porto Alegre: L&PM, 1997.
INTERNET: acessado em 12.12.2007
http://moisesneto.com.br/estudo40.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário