sábado, 20 de julho de 2013

HISTÓRIA LITERÁRIA E JULGAMENTO DE VALOR, E VALORES MODERNOS: EM "ALTAS LITERATURAS", DE LEYLA PERRONE-MOISÉS



Raquel Teles Yehezkel










RESUMO
HISTÓRIA LITERÁRIA E JULGAMENTO DE VALOR, E VALORES MODERNOS: EM ALTAS LITERATURAS, DE LEYLA PERRONE-MOISÉS





Trabalho requisitado pela disciplina
Ensino de Poesia Brasileira,
ministrada pelo prof. Marcos Rogério.





Faculdade de Letras
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte 7 de março de 2008

HISTÓRIA LITERÁRIA E JULGAMENTO DE VALOR, E VALORES MODERNOS: EM ALTAS LITERATURAS, DE LEYLA PERRONE-MOISÉS

Raquel Teles Yehezkel



Introdução
No livro Altas Literaturas, Leyla Perrone-Moisés discute a questão das obras e autores canônicos e os julgamentos de valores que permeiam as listagens canônicas, defendendo a posição de que ao escolher falar de certos escritores do passado e não de outros, os escritores-críticos efetuam um julgamento de valor. Assim fazendo, estabelecem sua própria tradição “e de certa maneira reescreve a história literária” (p.11). Os valores que eles atribuem aos autores do passado não são valores a priori, mas valores capazes de garantir o prosseguimento de seu próprio trabalho e da escrita literária geral (p.12). Ao escolher sua própria tradição, esses escritores propõem novos cânones e, dialogando com autores do passado ou do presente, praticam formas particulares de intertextualidade (p.14). “Na pós-modernidade, a recusa da unidade, da homogeneidade, da totalidade, da continuidade histórica, das metanarrativas, impede, em princípio, o julgamento estético, e torna a teoria e a crítica improcedentes” (p.16), entretanto, o julgamento continua a existir  e a servir de base ao estabelecimento de novos cânones.

Resumo
Leyla Perrone-Moisés cita a posição de Wellek, que propõe recebermos “com apreço a ênfase dada a aspectos até agora inexplorados da história literária, mas, na prática, a ‘estética da recepção’ não pode ser outra coisa senão a história das interpretações críticas efetuadas por autores e leitores, uma história do gosto que sempre esteve incluída na história da crítica” (p.20).

A autora crê que apesar das tentativas de atualização da história literária, esta continua se debatendo com alguns de seus antigos problemas, como “limites de seu campo, visada nacional ou internacional, relato diacrônico ou sincrônico, papel do autor e do leitor, e com um novo problema: a desconfiança dos ‘grandes relatos” (p.20). Se a história literária, desde seus primórdios, acompanhou os princípios da história geral, como a busca da objetividade, a noção de progresso e estas mostravam-se inadequadas para os fatos estéticos, a questão fundamental, levantada por Wellek e apoiada pela autora, é a de “julgamento de valor implícito em todo discurso histórico, e ainda mais quando se trata de história da arte” (p. 21). Sendo, então, o julgamento de valor contingente e relativo, “os historiadores da literatura julgam sem explicitar critérios, como se reportassem a um consenso acerca de obras maiores e menores” (p.21).

Perrone-Moisés então questiona para que serviria a história da literatura, e para que serviria a literatura. Se fosse sua alta utilidade de “esclarecer, alargar e valorizar nossa experiência do mundo”, admite-se que a história do conjunto de suas realizações maximize o proveito que podemos tirar do contato com cada realização particular. Se fosse a fruição da literatura no seu mais alto conhecimento e valorização da experiência humana, é-se levado a defender um certo tipo de história literária que otimiza a fruição de obras (p. 21). Nietzshe respondeu à questão “para que serve a história”, e num correlato das respostas dele às respostas “para que serve a história da literatura” Perrone-Moisés sugere que a ‘história monumental’ corresponderia a uma história literária fortemente valorativa, em que figuram apenas as grandes obras, e o que é grande ou pequeno dependerá sempre do sistema de valores do crítico; a ‘história antiquária’ corresponderia a um levantamento minucioso e erudito em que se recolhe tudo o que se produziu na literatura de um país ou de uma época e o inconveniente seria considerar tudo igualmente interessante só pelo fato de ter existido, e por ser massante teria pouco poder estimulante para a produção e para a fruição da literatura no presente; a ‘história crítica’ corresponderia a um julgamento severo e condenatório do passado, provocando o seu esquecimento, o que poderia ser um estimulante para a vida presente, mas teria o inconveniente de efetuar um recalque do passado e uma conseqüente negação das origens (p.23).

Nesse ponto, a autora adverte que convém não esquecer que as grandes obras ocorrem “tendo como chão e húmus uma cadeia ininterrupta de obras menores” (p. 24), e que os produtores da literatura presente são tão devedores das grandes obras do passado quanto dos milhares de obras menores que prepararam terreno para as maiores. Em balanço final, Perrone-Moisés retoma Nietzsche dizendo que “o conhecimento do passado, em todos os tempos, só é desejável quando está a serviço do presente, quando ele desenraiza os germes fecundos do futuro” (p.24), sugerindo uma posição ‘sincrônica’, no sentido de que o passado só lhe interessa do ponto de vista do presente, de onde o ‘futuro germina’.

A leitura valorativa do passado literário dos escritores críticos modernos afeta significantemente a historiografia literária, já que quando o escritor escolhe entre os nomes e obras do passado “é ao mesmo tempo o historiador e o agente de sua própria linguagem” (Paul de Mand apud Perrone-Moisés: p.26). Ao escrever sua obra, o novo autor prossegue uma história de que deve estar consciente; e, ao mesmo tempo, ele a transforma, e até certo ponto a nega, pelo novo rumo que lhe imprime. Selecionando e comentando certos autores do passado, visam estabelecer sua própria tradição e assim procedem a uma releitura e a uma reescritura da história literária, respondendo a uma necessidade de situar, orientar e valorizar sua própria ação no presente (p.26).

A história literária se firmou sob a égide da história geral, ou seja, uma sucessão de acontecimentos lineares no tempo, responsável por uma concepção causalista e finalista da história, decorrendo daí a concepção da tradição como fonte de ensinamentos e, consequentemente, de dívida dos novos para os antigos (p.27). Dessa forma a história literária tem sido apresentada numa listagem de nomes alinhados em seqüência cronológica como se fosse essa a única disposição lógica.

Desde o início do século passado essa concepção cronológica foi perdendo espaço para uma percepção do tempo mais fragmentada, correspondente à fragmentação da experiência em geral. Na esteira da mudança na concepção do tempo, desde o romantismo, a relação do escritor com seus precedentes também vem mudando, deixando de ser a ‘tradição’ uma garantia moral e estética, mas o novo, o original e único tornaram-se valores, sendo o ‘o novo’ o modelo para medir o antigo, o presente decidindo o passado (p.29-30).

A partir dessa mudança, Perrone-Moisés passa a discute a opinião de diversos autores-críticos, desde o romantismo até a atualidade, sobre a questão da sincronia ou diacronia da história literária. Citando Eliot como ‘uma radicalização das propostas românticas’ em que a tradição deixa de ser um dom ou um fardo para ser recriada, conquistada: “o passado deveria ser alterado pelo presente tanto quanto o presente é dirigido pelo passado” (p.31). Pound considera o conhecimento do passado indispensável para que saibamos “o nosso próprio endereço” no tempo (p.31), considerando que todas as sociedades, antigas e medievais, são contemporâneas, em tempo e espaço, coexistindo no que chamamos de moderno; para ele o escritor dever atingir “um padrão universal que não dá atenção nem ao tempo nem ao país” (p.32). Para Borges, cada escritor cria seus precursores e o trabalho deles “modifica nossa concepção do passado, com há de modificar o futuro” (p.33). Para Octávio Paz a “imaginação poética muda com a imagem do mundo, particular a cada época, mas a poesia permanece a mesma, em todos os tempos e lugares”, tendo portanto uma visão da história literária ao mesmo tempo sincrônica e relacional (p.34). Michel Butar sugere que “para movimentar-se nessa floresta de livros, o novo escritor precisa procurar brechas, ultrapassar a velha ordem literária, inventar percursos novos, proceder a uma reorganização do conjunto”, sem organização não há sentido (p.35). Harold de Campos fundamenta sua defesa pela ‘história sincrônica’ pela busca de uma dinamização da produção poética presente, que “permite o desenho de novas tábuas inteligíveis de funções-relações”. Oswald de Andrade, servindo-se da poesia de Gregório de Mattos optou por um enfoque não linear da evolução, defendendo a idéia da “Antropofagia” cultural. Por fim Perrone-Moisés conclui que a história literária não é concebível em termos de uma linha traçada e conhecida, “porque a literatura (recepção e produção) é sempre função da leitura, isto é, presentificação valorativa do passado” (p.39).

Sobre a questão de que se há progresso e permanência na literatura, é categórica em afirmar que “não há progresso na arte, não há progresso na literatura”, quando se propõe uma história sincrônica da literatura. Citando Octávio Paz que diz que “em perpétua mutação a poesia não avança” e que “cada poema é um objeto único, criado por uma ‘técnica’ que morre no exato momento de sua criação” (p.48), conclui que “o que evolui, sem no entanto progredir, é a técnica: meio histórico de captar a intemporal poesia”. Butor concebe a literatura como “obra coletiva”, defendendo um certo progresso da arte e do mundo (p.43-44). Ítalo acha que um clássico é sempre novo, inesperado, inédito, indo de encontro à concepção da ‘grande poesia’ “de qualidade universal e intemporal” (p.44). Harold defende defende uma idéia de progresso não no sentido de hierarquia de valor: “há uma transformação qualitativa de culturas. Nesse sentido a arte evolui” (p.45). Por fim, Perrone-Moisés questiona se a tentação de afirmar a intemporalidade da poesia, dificilmente conciliável com a concepção do progresso da história, não seria em todos os escritores críticos um resíduo de idealismo (p.46).

A autora afirma que a história literária não sabe o que fazer com espécimes singulares, cuja originalidade constitui um valor estético, defendendo que por sua própria natureza e projeto, o fenômeno artístico se produz sempre como singular e como busca de diferença e originalidade absolutas, então, como ensinar o que só ocorre uma vez, já que ensinar é sempre repetir, questiona, citando Barthes (p.47). Assim defende que a obra renasce sempre diversa em cada leitura, não podendo assim mensurar a obra em seu nascimento ou recepção, pois se uma obra fosse julgada apenas pelo número de pessoas que alcançou, obras como Grande Sertão-Veredas ou como a de Mallarmé não mereceriam registro na história (p.49).

Por fim Perrone-Moisés conclui que os nomes escolhidos pelos críticos-escritores tendem a assumir naqueles que os designam com maior radicalidade, um valor sagrado de fetiche (p.53). E que abolir a linearidade, instituindo uma simultaneidade que traz o passado a um espaço valorativo do presente é uma atividade perigosa, a qual os escritores-críticos modernos tentam driblar buscando legitimar suas escolhas com critérios mais abrangentes do que os do gosto individual (p.53). Portanto, a história proposta pelos escritores-críticos modernos não é a de um observador neutro, mas a de alguém engajado “numa ação que faz prosseguir o próprio objeto da narrativa histórica” (p.59).

Essas mudanças descritas acima, ocorridas no decorrer do séc.xx, recebeu o nome de pós-modernidade e tem repercussões no cânone literário, e mobilizou muitos teóricos da literatura. Pôs-se um questionamento sobre a mortalidade ou imortalidade do que até o fim do século xix era consenso. Sobre essa questão, sabe-se que muito da sobrevivência de uma obra, que implica na existência de leitores, depende muito de sua manutenção nos currículos escolares (p.190). Há na atualidade inúmeras discussões sobre o que é realmente canônico ou não, envolvendo conceitos de classes e raças, fazendo com que essas listas se tornassem suspeitas: quem as defendem e por que o fazem. Há posições divergentes. O autor-crítico Harold Bloon, por exemplo, defende uma posição mais elitista que crê que o acesso à literatura é para poucos alunos (p.200). Já a autora acredita que o cânone que sobrevive é o reconhecido como ativo pela cultura viva, pois um cânone imposto torna-se ‘letra morta’ (p.201).

A autora critica também a globalização da cultura, a cultura de massa que tornou-se industrial em escala planetária e com tal “fornecedora de produtos padronizados segundo uma demanda de baixa qualidade estética que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz (p.203).

Conclusão

Como sabemos, objetos literários e artísticos de qualquer ordem, incluem-se aqui os próprios estudos críticos e as listagem dos cânones, são formas de representações da subjetividade e da sociedade em contextos históricos determinados, e, assim sendo, formam um espaço para o redimensionamento das práticas sociais e políticas, o que exige dos estudos críticos de hoje sentidos mais abrangentes.

Bibliografia
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.19-60 e p.174-215.

A ESSÊNCIA POÉTICA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO



FALE / UFMG / 200801 / POESIA BRASILEIRA: MARCOS ROGÉRIO CORDEIRO
ALUNOS: Raquel Teles Yehezkel e Rogério Robert Rodrigues
TEMA: JOÃO CABRAL DE MELO NETO
FONTE: NUNES, Benedito. João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Vozes, 1974.

A essência da poética de João Cabral de Melo Neto mostra a tentativa de desvendar os elementos concretos da realidade. Sempre guiado pela lógica, pelo raciocínio, seus poemas evitam análise e exposição do eu e voltam-se para o universo dos objetos, das paisagens, dos fatos sociais, sem apelar para o sentimentalismo, adquirindo ora valor simbólico, uma reflexão sobre a poesia, ora valor de crítica social. Por isso, o prazer estético que sua poesia pode provocar deriva sobretudo de uma leitura racional, analítica, não do envolvimento emocional com o texto. Essas características levaram a crítica a ver em sua obra uma "ruptura com o lirismo" ou a considerar sua expressão poética como "antilírica".

Características da poética de João Cabral de Melo Neto:
- Geração de 45: geração pós-II Guerra (p.31): rejeitam aspectos do Modernismo que consideravam “pseudo-espontaneismo” (p.30); refinamento formal e aprofundamento interior: compreensão da forma como revestimento de conteúdos significativos, dicção elevada, contra o verso-livre: “reacionarismo estético”. (p.28-29)
- João Cabral fez escolha oposta à sua geração, ligando-se ao Modernismo: dicção corrente e precisa, não abandona de todo o verso livre, prosificação do verso. (p.30)
- Em oposição à sua geração, busca a clareza em vez da pureza; a sondagem e o aprofundamento de vivências no lugar do controle da elaboração poética (p.31)
- A formulação poética só é perfeita qdo passa pelo crivo da racionalidade. (p.32)
- Ceticismo ostensivo; rompimento com a poesia de expressão de sent. pessoais. (p.32)
- Análise crítica e reflexiva do processo criativo. Ruptura com o lirismo. (p.33)
- Aproxima-se do Modernismo pela clareza da linguagem e o verso livre, do Concretismo pela organização rigorosa, e da radicação regional. (p.34)
- Parte da poesia latente ao espírito em estado de sono (pré-consciente / onírica), valorizando a indeterminação, a inconsistência e a fluidez das coisas (articulando-se em torno de palavras preferenciais como nuvem, sonho, vulto e fantasma: “semântica do vago” p.39), para uma poesia completamente consciente (p.36-37), alternando estados contraditórios: sono/vigília, mundo onírico / mundo perceptivo (p.38)
- Disputa entre os fenômenos transitórios subjetivos, interiores, inconsistentes (inconsciente) e a máquina da linguagem: construção consciente: “o poeta deve ganhar essa luta para poder construir o poema (Valery). (p.42-43) Caos x Delimitação (p.45).
- Verso como organismo que vive dos germes mortos da experiência subjetiva: lembranças e sentimentos morrem para renascer na linguagem. (p.43)
- Vontade de petrificar a vida interior, paralisando os sentimentos e a inquietação (p.46), ideal poético de contenção e de impessoalidade, de petrificação ou mineralização das palavras e ideal ético de resistência fria, de dureza obstinada e agressiva, ferindo como lâmina de faca (comparação à prosa de G.Ramos p.171).
- Versos parentéticos (entre parêntesis) c/ observações irônicas, pausas reflexivas. (p.37)
- Percepção do sentido oculto das coisas inertes, do invisível. (p.37)
- Identidade metafórica do sujeito, que é nuvem, pedra, etc (p.40).
- Mutação figurativa do mesmo objeto a outro (ex: nuvens para cabelos), ligados entre si por elementos comuns como brancura, leveza. (p.40)
- Fazer poético como construção, obedecendo à razão construtiva e geométrica. (p.41)
- Poeta como engenheiro que calcula a impressão a ser produzida por sua obra. (p.42)
- Função da construção poética: “máquina de comover (Le Corbusier)”. (p.41)
- Poética negativa: exposta nos poemas sobre o processo poético (“Psicologia da Composição” p.51) “o poeta compõe ao se decompor”. Na oscilação do pensamento reflexivo, que interpela, seleciona, julga e analisa, agindo conscientemente contra-corrente da experiência psicológica desfaz o que ela faz, despe-a de seus excessos, provocando o vazio: que a palavra, na construção da linguagem, vem preencher (p.54): depuração e esvaziamento (operações básicas que constituem um só princípio de composição p.63).
- Movimento das palavras acarretando o movimento das coisas e vice-versa (linguagem- objeto p.162)
- Distanciamento entre a disposição afetiva pessoal e a matéria da linguagem, entre o sujeito que fala e o objeto de que se fala. (p.63)


Paisagem pelo telefone
Sempre que no telefone
me falavas, eu diria
que falavas de uma sala
toda de luz invadida,
sala que pelas janelas,
duzentas, se oferecia
a alguma manhã de praia,
mais manhã porque marinha,
a alguma manhã de praia
no prumo do meio-dia,
meio-dia mineral
de uma praia nordestina,
Nordeste de Pernambuco,
onde as manhãs são mais limpas,
Pemambuco do Recife,
de Piedade, de Olinda,
sempre povoado de velas,
brancas, ao sol estendidas,
de jangadas, que são velas
mais brancas porque salinas,
que, como muros caiados
possuem luz intestina,
pois não é o sol quem as veste
e tampouco as ilumina,
mais bem, somente as desveste
de toda sombra ou neblina,
deixando que livres brilhem
os cristais que dentro tinham.
Pois, assim, no telefone
tua voz me parecia
como se de tal manhã
estivesses envolvida,
fresca e clara, como se
telefonasses despida,
ou, se vestida, somente
de roupa de banho, mínima,
e que por mínima, pouco
de tua luz própria tira,
e até mais, quando falavas
no telefone, eu diria
que estavas de todo nua,
só de teu banho vestida,
que é quando tu estás mais clara
pois a água nada embacia,
sim, como o sol sobre a cal
seis estrofes mais acima,
a água clara não te acende:
libera a luz que já tinhas.

O POETA  (Pedra do Sono – 1942)

No telefone do poeta
desceram vozes sem cabeça
desceu um susto desceu o medo
da morte de neve.

O telefone com asa e o poeta
pensando que fosse o avião
que levaria de sua noite furiosa
aquelas máquinas em fuga

Ora, na sala do poeta o relógio
marcava horas que ninguém vivera.
O telefone nem mulher nem sobrado,
ao telefone o pássaro-trovão.

Nuvens porém brancas de pássaros
acenderam a noite do poeta
e nos olhos, vistos por fora, do poeta
vão nascer duas flores secas.



Tecendo a Manhã 
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(in: A Educação pela Pedra: 1966)

PRODUÇÃO DE TEXTO NA ESCOLA EM COSTA VAL



ALUNO: RAQUEL TELES YEHEZKEL
CURSO: PRÁTICA DE ENSINO DE PORT. / MTE 605: PROFa. GRAÇA PAULINO
TAREFA: FICHAMENTO 1

FONTE: COSTA VAL, Maria da Graça. “O que é produção de texto na escola?”. In: revista Presença pedagógica. Mar./abril, 1998, v.4 n.20, p.83-87.


O QUE É PRODUÇÃO DE TEXTO NA ESCOLA?


O texto discute sobre a produção de textos nas escolas, definindo o termo e propondo estágios para o processo de produção.

- Comparação entre os textos: fazer (dar) composição, fazer (dar) redação, empregados a até a década de 80 e o termo “produção de texto”, empregado a partir de então. (p.83)

- Composição e redação: termos focados no produto em detrimento do processo (atenção à ortografia, pontuação e sintaxe, em detrimento à adequação conceituação e comunicativa); língua pensada como estrutura exterior ao sujeito (Saussure) → dimensão formal da língua mais atraente que seu funcionamento e sua significação. (p.84)

- Com novos modelos teóricos, a partir das décadas de 70 e 80, a concepção formalista, de um sistema fechado, é contestada pelas: teoria da enunciação e do discurso, vertente sócio-histórica da psicologia cognitiva, psicolingüística, ampliando a concepção de língua para a de um sistema mais flexível, sensível ao contexto, que aceita e prevê variações, ambigüidades, inovações no plano formal (do fonema à sintaxe) e semântico (quando de sua utilização pelos falantes em processo de interação verbal) e que se constitui pela ação de seus usuários.

- Mais tarde, a teoria da enunciação de Bakthin, a linha francesa da Análise do Discurso, e a concepção de Vigotsky sobre a linguagem irão inspirar a criação do termo produção de texto (p.85), expressão que inclui a compreensão de que o processo de compor envolve a situação em que ele é elaborado, em que será lido, evidenciando o processo de elaborar o texto e suas condições de produção. (p.84)

- João Vanderley Geraldi (p.85), em 1986, discute a importância de adequar concepção teórica à terminologia, lembrando que redação é uma escrita artificial, tipicamente escolar, feita para cumprir obrigação e demonstrar, para o professor/avaliador, aprendizado de aspectos formais, preocupado com o emprego expressões bonitas e com linguagem nobre de texto escrito em detrimento à legibilidade e coerência enquanto o texto pode ter circulação social, pois é um meio de interação verbal, é a palavra de alguém que tem o que dizer e é destinada a um interlocutor, “um texto escrito na escola, mas não para a escola” (p.85)

- Produzir texto na escola implica em inserir-se num processo se interlocução, assumir-se como locutor, tendo algum motivo, algum objetivo, para algum interlocutor, em determinada situação verbal (Bakhtin), realizando uma série de atividades mentais, recursivas e independentes.
- Atividades mentais:

1) Perceber o contexto comunicativo: as próprias condições (quem sou, de que lugar falo, o que pretendo, o que sei, em que acredito); condições do interlocutor (quem é, que posição social ocupa, do que sabe, gosta , acredita, que expectativa tem nessa situação, que tipo de relação é possível estabelecer com ele);  circunstâncias ambientais e sócio-históricas (em que situação estamos, grau de formalidade necessário, dados contextuais partilhados, conhecimentos, crenças e valores culturais comuns); meio de circulação do texto (livro, jornal, revista, outdoor, bloco de recados).
            A partir desses fatores contextuais toma decisões quanto: ao ato da fala a ser realizado (quero pedir, convencer, explicar, bajular, irritar); tipo de texto mais apto para realizar esse ato (pedido direto, narrativa, argumentação, justificativa, relatório, carta); à variedade lingüística (coloquial, dialetal regional, culto).
2) Dominar o assunto em pauta: ativando a memória, o que saber a respeito dele, selecionar e elaborar aspectos relevantes e pertinentes à situação, organizar as idéias em estrutura semanticamente coerente e compatível com o interlocutor.
3) Trabalho de verbalização: encontrar as palavras e construir as frases, parágrafos, seqüência.

            A primeira e a segunda atividades são de planejamento, pelo menos mental, do que se vai escrever (define linhas gerais, definindo o rumo do texto) e têm a ver com a macroestrutura do texto, a terceira, que tem a ver com a realização dessas decisões se dá no plano microestrutural, é a execução, a verbalização, a manifestação lingüística do que se planejou, por meio da relação de trabalho entre o grafema → palavra → frase → parágrafo.
            Deve-se traçar o plano macroestrutural sem perder as linhas globais, o fio da meada. Ou seja, resolver dificuldades ortográficas, lexicais, sintáticas, estilísticas e de pontuação, sem esquecer os objetivos e o fio da meada do texto, “como um computador com muitas janelas abertas ao mesmo tempo” (p.87).

- Outro tipos de atividades:

1) Monitoração, controle da própria escrita (cortar palavras, refazer frases, trocar frases e parágrafos de lugar, reler o que já se escreveu antes de continuar).
2) Revisão final do próprio texto: avaliação de adequação aos propósitos comunicativos, preparação de sua forma de apresentação definitiva (distâncias entre títulos e texto, destaques, ilustrações).

            Só então o texto estaria pronto para ir ao encontro do leitor.
- Todo esse processo se chama produção de texto, e a sua integralidade que deveria acontecer na escola, não importando o tempo nem quantas linhas, mas “se pôde ser elaborado em condições adequadas, que permitiram ao aluno empenhar-se na realização consciente e prazerosa de um trabalho lingüístico que faz sentido” (p.87).